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BNDES e Eficiência Energética: a trágica cena brasileira na área de energia

14 minutos de leitura

Texto originalmente publicado no dia 9 de dezembro de 2016

  • – 66% dos recursos da Linha Eficiência foram destinados às gigantes Tractebel e Light.
  • – Apenas 12 empresas buscaram recursos em 10 anos.
  • – Desembolsos foram aproximadamente 0,04% do total contratado no período – mais de 1,5 trilhão.

 

A Ecoa solicitou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informações sobre os empréstimos para investimentos na área de eficiência energética no país. Em resposta, o Banco enviou uma planilha com a lista dos projetos apoiados entre o ano de 2007 e o dia 11/05/2016, com seus objetivos e as respectivas empresas e valores.

Segundo o documento, foram destinados na Linha específica para o setor criada em 2006, a Proesco – agora BNDES Eficiência Energética* -, recursos para 46 projetos, totalizando um valor contratado total de R$589.813.543,00.

Ao fazer a solicitação, a questão em tela para a Ecoa era saber o resultado das politicas do Banco para o estratégico setor de eficiência energética: tiveram alguma significância para o país? Este texto reflete uma aproximação com o tema e será revisado de acordo com novos levantamentos específicos, maior checagem de dados e busca de informações.

O tema ‘energia’, é parte essencial da agenda da organização devido aos impactos sociais e ambientais para sua produção e também por permitir um debate apurado sobre o próprio modelo de desenvolvimento e suas alternativas sustentáveis com viabilidade econômica. Neste processo o campo da eficiência energética se apresenta como a possibilidade de minimizar impactos e mesmo como uma alternativa econômica ao “produtivismo” e a promoção do desenvolvimento tecnológico. É possível fazer mais com menos.

Planilha

O primeiro fato que emerge com destaque da Planilha é a marcante insignificância dos valores destinados para eficiência energética frente aos desembolsos totais do Banco, entre 2007 e março de 2016: empréstimos totais de mais de R$1,5 trilhões, como pode ser visto no gráfico abaixo, enquanto que para a Linha Eficiência o desembolsado foi R$589.813.543,00, o equivalente a 0,04% do total.
bndesFonte – BNDES

 

Para avaliar o resultado do Banco, para o setor de eficiência energética, também é importante considerar que entre 2007 e 2014 o aumento na geração de energia foi de 37.480 megawatts, dos quais 24.061 megawatts foram financiados com projetos do BNDES – um crescimento de 64% nos desembolsos para o setor.

Financiado

A Planilha mostra que, em números de projetos, a área que mais demandou empréstimos do BNDES na Linha Eficiência foi a de modernização de sistemas de condicionamento de ar em grandes espaços. Dos 46 projetos apresentados, 22 (48%) financiaram o setor, principalmente para a colocação de equipamentos denominados ‘chillers’. Um empréstimo no valor de R$577.182, para a Light Esco, por exemplo, foi aprovado para que o prédio da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, fosse aquinhoado com uma “central de água gelada” para resfriamento. Outro exemplo é o do Shoping Iguatemi de Maceió, AL, que recebeu 3 empréstimos totalizando quase R$2,4 milhões para ‘termoacumulação’ e os tais ‘chillers’.

Outro fato que emerge da Planilha é o grande número de projetos conquistados pela Light Esco, uma empresa do Grupo Light: 28 do total de 46, correspondendo, portanto, a 61% deles. A soma dos valores destinados à empresa alcança R$105.776.831,00, correspondendo a aproximadamente 18% do total contratado.

Caso Tractebel

A Tractebel, a maior “geradora privada de energia do país”, segundo seu website, aparece na Planilha com 2 empréstimos, totalizando R$273,414** milhões para “modernização de 3 usinas hidrelétricas e uma térmica”. Esse valor alcança 46% dos recursos totais alocados. Diante deste fato, a Ecoa entendeu por bem solicitar cópia do contrato firmado entre o Banco e a empresa. O documento, assinado em setembro de 2014, apresenta um valor total de R$318,064 milhões, portanto distinto do listado originalmente (R$273,414) – uma questão a ser vista.

Os valores foram distribuídos como indicado a seguir:

      • – Subcrédito A – R$239.916.000, destinado à modernização da UHE de Salto Santiago (Rio Iguaçu, PR).
      • – Subcrédito B – R$33.498.000 para modernização da UHE Passo Fundo (rio Passo Fundo, RS).
      • – Subcrédito C – R$42.850.000 para modernização das unidades 1 e 2 da UTE Jorge Lacerda.
      • – Subcrédito D – R$1.800,00 para “implantação, expansão e consolidação de projetos e programas de Investimento Sociais de Empresas (ISE) realizados pela Beneficiária, no âmbito da comunidade, não contemplados nos licenciamentos ambientais expedidos em nome da Beneficiária”.

 

O objetivo apresentado para os empréstimos na Planilha original é a “modernização de 3 usinas hidrelétricas e uma térmica”. O valor, na verdade, refere-se à soma dos Subcréditos A e B. Não consta da Planilha, portanto, os valores dos Subcréditos B e C, apesar de o contrato rezar que para o caso do Subcrédito B a destinação é a mesma – a modernização de usinas de Salto Santiago e Passo Fundo.

Para o Subcrédito A, a data final de uso dos recursos é 31/10/2017. O pagamento por parte da Tractebel será feito por prestações, sendo que a última parcela deve ser quitada em 2024.

Em 26 de novembro de 2014 a empresa fez um comunicado ao Mercado no qual informa que “Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) efetuou o primeiro desembolso relativo ao financiamento destinado à modernização das usinas hidrelétricas Salto Santiago e Passo Fundo e da Usina Termelétrica Jorge Lacerda. O valor desembolsado somou R$ 127 milhões. O financiamento possui prazo total de seis anos para as hidrelétricas e 10 anos para a termelétrica, ambos com dois anos de carência, e totaliza R$ 318 milhões, representando cerca de 73% dos itens financiáveis dos projetos. As referidas obras fazem parte do plano de manutenção da Tractebel e visam garantir os mais elevados níveis de eficiência e confiabilidade no seu parque gerador.”

Segundo informação divulgada pela empresa em 2012, a usina hidrelétrica de Salto Santiago tem 4 unidades geradoras e o processo de modernização trataria de assegurar o aumento da garantia física da energia da usina em 24,2 MW médios. Com a troca dos rotores das turbinas haveria um aumento da eficiência de pelo menos 3,6%.

A análise deste caso da Tractebel é importante porque a ‘reforma’ de turbinas de hidrelétricas é apontada por especialistas como o professor Célio Berman, da Universidade de São Paulo, como uma das soluções para maior disponibilidade de energia, sem se investir em novas hidrelétricas.

Com os dados disponibilizados até aqui, ainda não foi possível identificar quais os reais ganhos em termos de eficiência energética a partir dos empréstimos, mas esta e outras questões foram enviadas ao Banco.

Outros financiamentos?

A instalação de motores movidos a biodiesel, como é o caso de 2 dos 46 projetos, é um projeto de eficiência energética ou deve ser enquadrado em uma outra categoria, como a de geração a partir de fonte renovável?

Algumas conclusões

Como visto, a Linha Eficiência Energética do BNDES resultou, depois de 10 anos de sua criação (2006), no apoio a 46 projetos, de 12 empresas, com desembolso de ínfimos 0,04% do contratado no período. Tendo em conta que o Banco informa que atende a 277 mil empresas, as 12 equivalem a 0,04% do total. O quadro fica ainda mais estranho quando se sabe que 66% dos recursos foram destinados às gigantes Tractebel e Light.

Ao analisar estes dados é importante ter em conta que o fato de que o BNDES alcançou uma participação de 64% no aumento da capacidade instalada de geração de energia entre 2007 e 2014 – foram 24.061 megawatts, novos, dos quais 21.051 vieram de termoelétricas e hidrelétricas e 3.011 das eólicas. Uma pergunta que ainda não temos resposta é sobre quantos megawatts foram disponibilizados a partir da Linha Eficiência.

Os números acima, na verdade, traduzem o quanto o setor é desconsiderado nas políticas públicas do país e não somente diretamente no de energia, mas também em outras como o de redução de custos industriais e de seus sistemas motrizes. Publicação recente do Procel-Info informa que somente “os motores elétricos, que são utilizados nos sistemas motrizes e de refrigeração, são responsáveis por 68% de todo o processamento da energia, o que equivale a 25% do consumo nacional”. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO), cerca de 10% de toda energia gerada no Brasil é desperdiçada anualmente, o que é suficiente para abastecer o Rio de Janeiro e o Ceará por um ano.

Analisar os resultados do BNDES, uma das principais ferramentas de execução de políticas econômicas no país, permite fazer uma aproximação dos problemas no setor de energia elétrica no país. O Brasil é um país de desperdícios e assentado em uma cultura de que os bens naturais são infinitos e, portanto, não se necessita esforços e investimentos para o seu uso com eficiência.

O desperdício está por todas as partes: na perda de água potável depois de sua produção, produto que tem 42% de seu custo determinado pelo consumo de energia; na iluminação pública cara e ineficiente e nos alimentos, por exemplo.

*Segundo o site do BNDES “o custo financeiro mantém como referência a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6,5% ao ano, cuja alocação o BNDES reserva para os projetos que considera prioritários, conforme as mais recentes políticas operacionais do Banco. A participação máxima do BNDES como financiador foi mantida em até 70% do total do projeto”.

**A Ecoa solicitará ao Banco informações sobre as razões da discrepância de valores entre o informado na Planilha e o constante do Contrato.

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