Estudo questiona peso do ‘boi verde’ contra desmate

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Via Folha de S. Paulo
Por Marcelo Leite

Anos atrás firmou-se no Brasil o diagnóstico de que, para estancar o desmatamento na Amazônia, era urgente melhorar a produtividade da pecuária de corte. Com mais bois no mesmo pasto, diminuiria a pressão pela derrubada de florestas.

Um estudo vem agora pôr em dúvida essa relação de causa e efeito, ou seja, que uma pecuária intensificada conduza de fato à conservação de matas. Como o trabalho provém de um grupo de pesquisa com longo histórico de produção de informações valiosas sobre a Amazônia, convém prestar atenção.

O artigo, com título em forma de pergunta (“A Intensificação da Produção de Carne Produzirá Resultados de Conservação na Amazônia Brasileira?”) saiu no periódico “Elementa”, que se apresenta como “Ciência do Antropoceno”.

Seu autor principal é Britaldo Soares-Filho, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um especialista em traduzir e apresentar, com mapas esclarecedores, a complexidade da dinâmica econômica por trás da ocupação devastadora da Amazônia.

O próprio Britaldo, como é conhecido, já esteve engajado na produção de informações em apoio da tese de que intensificação da pecuária produz resultados verdes, como se pode ver na página do relatório “Cenários para Pecuária de Corte Amazônica”.

Ali se projetava que o rebanho nacional poderia subir de 211 milhões de cabeças ocupando 2,2 milhões de quilômetros quadrados para 250 milhões de reses, em 2030, pastando em área bem menor, 1,74 milhão de quilômetros quadrados. A taxa de ocupação iria para 1,5 cabeça por hectare, e a produtividade, de 53 kg de carne por hectare para 87 kg.

Este colunista escreveu sobre os benefícios ambientais antevistos no relatório de 2015 e, em várias outras oportunidades, sobre o esperado efeito conservacionista da pecuária modernizada. Por exemplo, no capítulo “Carne Verde da reportagem especial multimídia” Floresta sem Fim.

“Foi estudando a intensificação que chegamos à conclusão do artigo”, esclarece Britaldo. “Nós não somos contra [a intensificação], pelo contrário. Mas o que apontamos é que a conservação tem muito pouco a ganhar com isso”.

O argumento deriva de uma comparação entre as trajetórias da pecuária de corte nos Estados Unidos, ultra-intensificada, e no Brasil, que segue na mesma linha. Para Britaldo e Frank Merry, seu colaborador no trabalho, a intensificação por aqui – como lá – deslanchou de forma espontânea, por razões de mercado, sem necessidade de incentivos de cunho ambiental.

Mais ainda: ao contrário do que reza o senso comum verde, eles concluem não haver garantia alguma de que essa intensificação venha a diminuir a pressão sobre a floresta amazônica. (Além disso, ela costuma vir acompanhada de uma concentração de poder no mercado que pode ser danosa para consumidores – e para a política, como se vê no escândalo de corrupção da JBS.)

Em resumo, a política de combate ao desmatamento da Amazônia não deve se fiar apenas, nem principalmente, na intensificação da pecuária. “Seus poucos recursos devem ser orientados, então, para estratégias que deram certo no passado, como a criação de áreas protegidas”.

Exatamente o oposto do que o Congresso adubado pela JBS vem fazendo.

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