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Beija-flor-dourado, “senhor” dos capões no Pantanal

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Foto: Geancarlo Merighi

Via Revista Ciência Pantanal – Ed. 2
Por Andréa Cardoso de Araujo, Camila Silveira de Souza e Vanessa Gabrielle Nóbrega Gomes

Araras, arancuãs, emas, gaviões, tuiuiús: as aves grandes e exuberantes fazem a fama do Pantanal e atraem turistas, sempre encantados com a possibilidade de observar tudo tão de perto, a ponto de eventualmente dispensar o uso dos binóculos! Mas, a diversidade da avifauna pantaneira também tem pequenas joias, como os beija-flores, de beleza peculiar e importante papel ecológico.

Chamados popularmente de colibris, chupa-flores, pica-flores ou guainumbis, os beija-flores estão entre as menores aves conhecidas. A menorzinha delas é Mellisuga helenae, que ocorre em Cuba, com apenas 1,6 grama, e mesmo a espécie de maior porte – Patagonia gigas, habitante da Patagônia, no Sul da América do Sul – pesa somente 21 gramas.

São cerca de 330 espécies, todas da família Trochilidae, distribuídas em duas subfamílias: Phaethornitinae e Trochilinae. Restritas às Américas (ou Novo Mundo), essas avezinhas têm no Brasil um de seus principais centros de diversidade, com 86 espécies catalogadas. Entre os biomas brasileiros, a Mata Atlântica é o ambiente com maior riqueza de beija-flores: 44 espécies. No Pantanal, há registros de 17 espécies, várias delas com certa preferência pelos capões, por se tratar de ambiente abrigado e com disponibilidade de alimento durante todo o ano.

As características marcantes dessas aves são o bico alongado e fino, a língua bifurcada extensível e a coloração iridescente. Sua alimentação constituída de néctar das flores. Ao visitar uma flor após a outra, em busca de alimento, realizam o fluxo gênico entre as plantas, garantindo o sucesso reprodutivo de um bom número de espécies vegetais. Na maioria das vezes, inclusive, os beija-flores visitam as flores sem pousar: ficaram paradas em voo, executam zigue-zagues ou podem recuar (voar em “marcha a ré”). Isso é possível devido à altíssima velocidade com quem batem suas asas – 25 a 60 vezes por segundo, dependendo da espécie!

Com tal habilidade, executam sua função de polinizadores sem danificar as flores. Mas, despendem muita energia nas manobras e, por isso, precisam comer muito (em relação ao seu peso corporal). Em um dia, um beija-flor pode consumir uma quantidade de néctar equivalente a 8 ou 10 vezes o próprio peso!

Algumas plantas evoluíram de forma a se adaptarem para a polinização por beija-flores. São, por isso, classificadas como ornitófilas. Em geral, essas flores produzem quantidade moderada a alta de néctar, para atender às necessidades do metabolismo elevado de suas visitantes. Como tais aves têm olfato reduzido e visão muito desenvolvida, geralmente essas flores são inodoras e têm coloração viva – sobretudo em tons de vermelho e laranja. Os beija-flores ainda estão entre os poucos vertebrados capazes de enxergar ultravioleta (UV), no limite de espectro de cores visíveis.

Para seu tamanho, as avezinhas são consideradas organismos de vida longa: a maioria das espécies vive entre 3 e 5 anos, porém algumas, de maior porte, podem ultrapassar os 10 anos. Para chegar a tanto, elas requerem recursos disponíveis durante todo o ano, no ambiente habitante. Muitas vezes, nos períodos de menor disponibilidade, recorrem a flores adaptadas à polinização por outros grupos de animais (morcegos ou insetos) como fonte de alimento.

No Pantanal, os capões são fragmentados de vegetação florestal localizados em terrenos ligeiramente mais elevados do que as pastagens circundantes. Devido a essa característica, servem como refúgio para a fauna, principalmente durante as cheias sazonais, representado importante elementos da paisagem.

Em um estudo realizado na região do Miranda-Abobral, abrangendo 52 capões, verificamos maior disponibilidade de flores no período de agosto a março, coincidindo com o final da estação seca e toda a estação chuvosa seguinte. Das 17 espécies de beija-flores conhecidas para o Pantanal, quatro foram observadas nesses capões: o beija-flor-rabo-de-tesoura-grande (Eupetomena macroura), o beija-flor-dourado (Hylocharis chrysura), o beija-flor-de-bico-curvo (Polytmus guainumbi) e o beija-flor-de-rabo-branco-acanelado (Phaethornis pretei). Outras espécies comuns na região são o beija-flor-tesour-verde (Thalurania furcata) e o beija-flor-besourinho-de-bico-vermelho (Chlorostilbon lucidus).

Os quatro beija-flores observados visitaram 21 espécies de plantas dos capões, em sua maioria ervas e trepadeiras de diferentes famílias. Cerca de 70% das flores visitadas são adaptadas à polinização por outros grupos. Isso indica que, nesse ambiente, os beija-flores são altamente generalistas.

Entre as flores ornitófilas mais frequentadas, destacou-se a malvácea Helicteres guazumaefolia, a mais comum nos capões. De floração contínua, ela é uma fonte de recursos importante para essas aves, pois disponibiliza néctar ao longo do ano todo. A área de cada capão também demonstrou ter relevância para os beija-flores. Quanto maior a área, maior o número de flores disponíveis, ou seja, capões maiores oferecem mais recursos para essas aves.

Em média, os capões da região Miranda-Abobral têm entre meio e um hectare (0,5 a 1 ha). Mesmo os maiores, portanto, parecem áreas pequenas demais para manter beija-flores, inclusive durante a estação seca, quando escasseiam as florações. Vale lembrar, no entanto, que essas aves conseguem voar longas distâncias, cruzando áreas abertas para buscar recursos em capões vizinhos e em áreas de floresta contínua nas proximidades. Assim, não é só um capão que mantém um beija-flor, mas o conjunto deles, com seus recursos somados.

Os capões ainda são importantes locais de abrigo e de reprodução para os beija-flores. Pelo menos uma das quatro espécies observadas – o beija-flor-dourado (Hylocharis chrysura) – pode ser classificada como residente. Ela permaneceu nos capões ao longo de todo o ano, visitando flores de 20 a 21 espécies vegetais de uso dos beija-flores. Registramos uma fêmea nidificando nesse ambiente durante a estação chuvosa, de modo que pudemos confirmar o sítio de reprodução para a espécie. Sendo assim, o beija-flor-dourado foi considerado, de longe, o “senhor” dos capões.

A segunda espécie mais comum foi o beija-flor-rabo-de-tesoura-grande (Eupetomena macroura). É um beija-flor grande, agressivo e territorial, que costuma manter os demais afastados das manchas de flores, quando as está visitando. É o caso, por exemplo, da erva-de-passarinho (Psittacanthus cordatus), que guarda com zelo de “proprietário”!

Outra espécie, de bico médio – o beija-flor-de-bico-curvo (Polytmus guainumbi) – foi observada durante quatro meses. E a última espécie – o beija-flor-de-rabo-branco-acanelado (Phaethornis pretrei) – foi vista somente durante dois meses, na época chuvosa (outubro e janeiro). E visitou apenas as flores mais especializadas e de tubo floral mais longo, caso do lírio e do caraguatá, às quais se adapta melhor o bico longo da espécie.

Esse beija-flor apresenta hábito diferenciado, visitando as flores em rondas, seguidas por intervalos mais ou menos constantes. Tal estratégia de visitas promove maior fluxo gênico do que a estratégia territorial, por transportar o pólen a maiores distâncias. De modo geral, o beija-flor-de-rabo-branco-acanelado frequenta mais assiduamente o interior das matas, sendo frequente em florestas próximas aos rios (matas ciliares), o que explica sua presença mais esporádica nos capões.

Para o gado, os capões são abrigo nas horas de sol forte ou chuva e também a noite. Dependendo da intensidade da utilização do gado, a regeneração da vegetação fica comprometida, pois os animais pisoteiam e se alimentam de plantas jovens, inviabilizando a reposição dos indivíduos adultos. Assim, com os anos, o capão tende a encolher e sua floresta tende a desaparecer, prejudicando espécies que dependem de seus recursos florais como alimento e utilizam esse ambiente como abrigo e sítio de reprodução, como os beija-flores.

 

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