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Soja ameaça o Pantanal

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Área na planície Pantaneira, com solo sendo preparado para plantação de monocultura. Foto: SOS Pantanal
Área na planície Pantaneira, com solo sendo preparado para plantação de monocultura. Foto: SOS Pantanal
Área na planície Pantaneira, com solo sendo preparado para plantação de monocultura. Foto: SOS Pantanal

Há um mês, o site de viagens do USA Today (www.10best.com/awards/travel/best-place-for-wildlife) apontou que, numa concorrida votação entre os seus leitores, o Pantanal ficou em quarto lugar entre os dez melhores destinos mundiais de observação de vida selvagem, superando outros locais bem conhecidos como Botswana, Quênia e Tanzânia. O primeiro lugar coube a Galápagos, no Equador, arquipélago famoso por ter inspirado a Teoria da Evolução, de Charles Darwin. Porém, se internacionalmente o Pantanal começa a ser reconhecido, nacionalmente ainda há o desconhecimento.

Considerado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal em 1988 e Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2000, o Pantanal é a maior área úmida alagável do planeta, com aproximadamente 140 mil quilômetros quadrados em território brasileiro. Ele faz parte da Bacia do Alto Paraguai (BAP), com área aproximada de 362 mil quilômetros quadrados, sendo formada por regiões de planalto que circundam a extensa planície pantaneira.

O Pantanal é uma região exuberante, de extrema beleza, rica em diversidade e que presta inúmeros serviços ambientais essenciais à nossa sobrevivência.

A pecuária tradicional foi introduzida por lá há mais de 200 anos – e, ao longo do tempo, adaptou-se ao pulso da inundação. Isso demonstra que na relação sociedade-natureza é possível viver a experiência de contemplar as belezas naturais e ter práticas produtivas, o que também potencializa o turismo na região.

O pulso da inundação é o processo de enchente e seca da planície, sendo essencialmente o controle da riqueza e da biodiversidade do Pantanal, na transição dos meios aquático e terrestre, importante fonte de diversos ricos nutrientes que sustentam os fenômenos biológicos ao longo do percurso do rio Paraguai e seus tributários.

Os fatores responsáveis pelo pulso de inundação estão relacionados às chuvas que caem principalmente nas cabeceiras dos rios e na própria planície, que tem dificuldades de escoamento devido à pouca declividade.

Desde a década de 1970, as mudanças na paisagem do planalto pela inserção da agropecuária e agroindústria, com a substituição da vegetação, principalmente em áreas de preservação permanente (APPs), acarretaram impactos na planície pantaneira. A falta de terraceamento e o uso excessivo de produtos químicos também foram muito prejudiciais. O assoreamento do rio Taquari, por exemplo, é resultado do uso desordenado que intensificou os processos erosivos no Planalto, ao longo de mais de 40 anos.

Se já não bastassem os problemas de práticas erradas do passado, como o que ocorreu com o rio Taquari, agora uma nova ameaça paira sobre o Pantanal.

Atualmente, a soja passou a ser plantada em áreas com altitudes menores que 200 metros, principalmente na região norte do Pantanal, causando impactos diretos no pulso de inundação.

O Instituto SOS Pantanal – criado com a missão de informar e promover o diálogo para um Pantanal sustentável – tem monitorado, com outras organizações, a bacia do Alto Paraguai por meio de imagens de satélite. O Instituto apresenta, a cada dois anos, o estado da ocupação desta região. E dados preliminares do período de 2012 a 2014 trazem um alerta e apontam o avanço da soja na região.

As alterações do pulso de inundação pela implantação da soja em áreas com altitudes abaixo de 200 metros e na planície pantaneira também são evidentes nos relatórios disponíveis no site da Agência Nacional da Águas (ANA).

Outra preocupação é a expansão das culturas anuais e a necessidade do uso contínuo de fertilizantes químicos – herbicidas, inseticidas e fungicidas, que são produtos com grandes níveis tóxicos, principalmente os piretróides, classificados como altamente tóxicos para organismos aquáticos.

O uso constante de produtos tóxicos necessários à manutenção e produção das culturas anuais em uma região extremamente vulnerável como o Pantanal causará a perda de qualidade ambiental, além de, aos poucos, inviabilizar a nascente atividade turística na região.

O Brasil é dependente do agronegócio, que é pautado na monocultura e na produção de commodities. Esta atividade econômica tão importante para a balança comercial brasileira – e que se diz pautar pela modernidade e pela crença de que a agricultura para ter sucesso não precisa destruir o meio ambiente – não pode ter uma prática diferente do discurso.

O Brasil do novo Código Florestal reconheceu que a proteção ambiental é condição tão fundamental para a produção de alimentos quanto para a conservação dos atrativos naturais, como é o caso do Pantanal, motivo de um crescente interesse internacional como destino reconhecido de observação de vida selvagem.

O ecoturismo no Pantanal, ainda incipiente e que precisa ser fomentado, é uma opção de geração de empregos e renda para as populações locais, além de promover o desenvolvimento social, a qualidade ambiental e humana da região.

Botswana, que ficou abaixo do Pantanal como destino mais votado para observação de vida selvagem, já entendeu que o potencial natural da paisagem conservada gera riqueza para as comunidades locais e para a sociedade daquele país, vide o exemplo do Okavango Delta, uma região similar ao Pantanal, porém dez vezes menor.

O Pantanal, por suas singularidades e repercussão internacional, é uma área estratégica e que deveria servir como modelo de um turismo aliado à conservação da natureza. Agora, é a sociedade brasileira que tem de escolher se quer deixar o Pantanal se descaracterizar e empobrecer biológica e socialmente em razão da abertura de mais uma frente de expansão da soja – que beneficiará poucos, mas empobrecerá a todos. Ou reagir e pressionar as autoridades estaduais e federais a colocarem um ponto final nessa ameaça que pode destruir esse ecossistema único e uma das regiões mais bonitas do mundo.

Fonte: Roberto Klabin e Felipe Dias do Instituto SOS Pantanal, para o Valor Econômico

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