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“Abelhas são sentinelas” – morte em massa de abelhas simboliza o impacto do ‘boom’ de pesticidas no Brasil

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abelha no pantanal

Abelhas, polinizadoras essenciais para a vida, atuam como sentinelas pois são indicadores ambientais. Mas uma grande ameaça a esses seres são os pesticidas. 

  • Uma das ameaças ás abelhas são os agrotóxicos;
  • A perda das abelhas indica a contaminação ambiental;
  • Abelhas são vitais, pois por meio delas a polinização e reprodução de espécies vegetais é possível;
  • Para proteger os polinizadores a Ecoa criou o Programa Oásis;

 

Texto original por Lucy Jordan e Sofia Perpétua via Unearthed

São imagens desagradáveis: milhares de abelhas se contorcendo, desorientadas, em frente à sua colmeia, junto aos corpos mortos de milhares de outras.

Mas o cheiro, para o criador de abelhas Aldo Machado, é ainda pior.

“Abelhas mortas cheiram como ratos mortos” disse ele. “O cheiro é muito forte, é mesmo […].”

Meio bilhão de abelhas de mortes de abelhas foram estimadas entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 no sul do Brasil. Machado, vice-presidente da Federação Apícola do Rio Grande do Sul, recebe relatórios de mortes em massa desde 2013.

Machado enviou amostras das suas abelhas para análise, que comprovou a contaminação por um inseticida chamado de fipronil, comumente utilizado para controle de formigas e cupins em lavouras de soja.

Brasil – lar de aproximadamente 20% da biodiversidade restante no planeta – usa pesticidas em grande quantidade. Uma análise feita por Unearthed and Public Eye com mais de $20bn das vendas agroquímicas mundiais de 2018, mostra o Brasil como o maior consumidor de pesticidas classificados como seriamente prejudiciais á saúde para humanos ou meio ambiente do mundo. Os perigos do uso incluem toxicidade para humanos, risco de exposição crônica para doenças como câncer e infertilidade, e alta toxicidade para abelhas.

O Brasil sempre adotou políticas favoráveis ​​ao agronegócio, em parte graças ao poderoso lobby agrícola do congresso, conhecido como a Bancada Ruralista, e em parte a um impulso de décadas para alavancar seus vastos recursos naturais à influência global.


“Temos interferência do governo, que possui muitas pessoas do agronegócio”, disse Wanderlei Pignati, professor do Centro de Estudos Ambientais e Saúde Ocupacional da Universidade Federal de Mato Grosso.

A atual Ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina, recebeu grandes doações de executivos vinculados a pesticidas durante sua campanha de 2018 para a reeleição ao congresso e presidiu a lei do “pacote de veneno” do ano passado. Seu antecessor, o bilionário Blairo Maggi, é o maior produtor de soja do Brasil.

O que está matando as abelhas no Brasil? Vídeo de Sofia Perpétua, Lucy Jordan e Georgie Johnson

 

Enquanto outros países adotam políticas de estimulo a proibição de agrotóxicos, o Brasil aliviou em relação a liberação. O primeiro ano de Bolsonaro teve um recorde de 503 novos pesticidas aprovados, sendo 20% altamente tóxicos. Entre eles está o sulfoxaflor, conhecido por ser fatal para as abelhas. Em julho do ano passado, a Anvisa, Agência Nacional de Monitoramento da Saúde, alterou a classificação de “extremamente tóxico” com o único critério de ser letal.

“Eles dizem ‘se você proibir isso, se você proibir isso e outros, reduzirá a produção agrícola’. É a única coisa com a qual eles estão preocupados”, disse Pignati. “Eles não estão preocupados com a poluição dos alimentos, a contaminação dos rios, do sangue e do leite materno”.

Pignati diz que os esforços para proibir pesticidas perigosos são barradas por quem está acima. “Costumávamos encontrar abelhas com muita facilidade no Cerrado, coletar o mel. Quando vemos abelhas agora, estão no chão, com dor”.

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O fipronil também está ligado a mortes de abelhas na África do Sul e foi proibido pela União Europeia depois de causar mortalidades em massa de abelhas na França na década de 1990.

Aldo Machado, vice-presidente da associação de apicultores do RS abre um portão para uma das grandes plantações de soja na região de São Gabriel. Foto: Sofia Perpétua / Desenterrada

Após as mortes do ano passado – das quais 400 milhões ocorreram no Rio Grande do Sul – o professor de agronomia da Universidade Federal de RS, Aroni Sattler, realizou um estudo. Usando espectrometria de massa, seu laboratório examinou 37 casos de mortes agudas por abelhas. Sessenta por cento apresentaram contaminação conclusiva com fipronil.

Além disso, Sattler afirma que o número real provavelmente foi muito maior. Outros 32% mostraram sinais semelhantes de intoxicação, mas em níveis muito baixos para o diagnóstico definitivo.

“Talvez os apicultores (…) demoraram muito tempo para coletar as amostras e por isso estavam comprometidas”, disse Sattler. “Certamente temos cerca de 80 a 90% desses casos de mortalidade aguda, o que pode ser atribuído de alguma forma ao uso indiscriminado de pesticidas”.

 

Central elétrica de commodities

As vastas plantações, as políticas favoráveis ​​ao agronegócio e a fecundidade tropical tornaram o Brasil uma superpotência agrícola e, segundo nossos dados, o maior usuário mundial de pesticidas altamente perigosos.

O fipronil é comumente usado no Brasil em monoculturas de soja e ameaçam comprometer severamente os polinizadores que outras formas de agricultura mais sustentável dependem.

 

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De acordo com a investigação da Unearthed e da Public Eye, quase dois terços dos gastos brasileiros de 2018 em pesticidas altamente perigosos foram para plantações de soja, cultivadas para suprir a demanda global de ração animal. Nem todos esses produtos são prejudiciais às abelhas, mas muitos são.

A carga de pesticidas da soja é em parte uma questão de escala – 36,9 milhões de hectares, uma área maior que a da Alemanha, é plantada com o feijão – e em parte o domínio da soja transgênica, de acordo com Larissa Bombardi, professora de geografia da Universidade de São Paulo.

“Mais de 90% da produção de soja no Brasil é com soja transgênica, geneticamente modificada para tolerar herbicida”, disse ela.

O Brasil autorizou a soja “Roundup Ready” resistente à glifosato da Monsanto em 2003, e estudos mostraram que nos anos subsequentes o uso de pesticidas na soja aumentou três vezes.

 

Canárias na mina de carvão

Existem poucos dados detalhados sobre as populações em mudança da maioria dos insetos (embora um estudo importante divulgado no ano passado estimou que 40% das espécies de insetos estão em declínio). Mas, como são cultivadas, as abelhas – Apis mellifera – fornecem dados sobre a saúde dos polinizadores que, de outro modo, são difíceis de encontrar.

“Se as abelhas estão morrendo, eu diria que são sentinelas”, disse a professora Bombardi. “Elas são como um termômetro do que acontece com outros insetos. […] Tivemos um caso aqui no Rio Grande do Sul, que resultou em cerca de sete mil metros de mortes de abelhas por uma única fonte de contaminação. […] Isso é extremamente preocupante, já que a biodiversidade extravagante do Brasil depende de insetos.”

Muitos povos indígenas brasileiros, com estilos de vida sintonizados com as mudanças em seu ambiente, afirmam que a correlação entre o advento da monocultura e a exploração da biodiversidade tem sido notável.

“Costumávamos encontrar abelhas com muita facilidade no Cerrado, colher o mel… Quando vemos abelhas agora, estão no chão, com dor”, disse Antônio Veríssimo da Conceição, líder do povo indígena Apinajé do estado do Tocantins. “Diríamos que quando as borboletas voam do pôr do sol ao nascer do sol, elas vão buscar chuva…. não as vemos mais”.

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Essas perdas causam efeitos indiretos na cadeia alimentar

“Também não vemos mais andorinhas, onde costumávamos ver bandos enormes… Talvez cinco mil andorinhas voando todos os anos em sua jornada”.

As espécies de abelhas selvagens do Brasil, 300 somente no Rio Grande do Sul, estão particularmente em risco, disse o professor Sattler. Elas têm um alcance de cerca de um quilômetro, para Apis mellifera de três a quatro quilômetros.

“Quando uma colônia de Apis morre, causada por pesticidas, em cerca de mil metros, todas as colônias de abelhas nativas também morrem”, disse Sattler. “Ninguém sabe quantos morreram”.

O instinto das abelhas de saquear o mel contaminado de colmeias desprotegidas produz um efeito cascata a cada mil metros, à medida que a contaminação se espalha de colmeia para colmeia.

“Tivemos um caso aqui no Rio Grande do Sul, que resultou em cerca de sete mil metros de mortes de abelhas por uma única fonte de contaminação”.

 

Dano ambiental

A escala total e o impacto da contaminação por pesticidas ainda são desconhecidos. Pesticidas foram encontrados na água potável, nas tartarugas do rio Amazonas, nas antas, no leite materno. Os efeitos sobre a saúde humana no Brasil estão documentados e estão piorando, com o aumento de envenenamentos e especialistas alertando para uma crise de doença crônica iminente.

“Em 10 anos, a intoxicação aguda dobrou e há regiões nas quais o câncer e a malformação [fetal] triplicaram, quadruplicaram”, disse o professor Pignati. “Quais regiões? Aquelas que mais usam pesticidas”.

abelhas mortas
A análise de amostras de abelhas mortas em um laboratório em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, determinará se há pesticidas e, em caso afirmativo, qual pesticida. Foto: Sofia Perpétua / Unearthed

Com o aumento do uso de pesticidas no Brasil – o censo agrícola do Brasil mostrou um aumento de 20% no número de agricultores que usam agrotóxicos de 2006 a 2017 – é improvável que melhore tão cedo. Também não é provável que a produção de soja e outras culturas de commodities do Brasil desacelere em um futuro imediato. Os alertas de desmatamento para janeiro dobraram em comparação com um ano atrás, para 280 quilômetros quadrados.

Mesmo assim, muitos apicultores acreditam que os agricultores, mesmo os de monoculturas, deveriam ser seus aliados naturais.

Machado diz que as vastas extensões de flores de soja podem ser um benefício para a produção de mel, e que a polinização adicional fornecida pelas colônias de abelhas também aumenta a produtividade da soja. O problema ocorre, diz ele, quando, por ignorância ou indiferença, os agricultores usam muito inseticida ou aplicam pesticidas quando a soja está florescendo. As abelhas visitam as flores em busca de néctar e pólen, mas também apanham pesticidas.

“Eles não têm conhecimento dos danos ambientais que estão causando a si mesmos”, disse Machado. “Se o produtor preservar as abelhas, ele melhorará sua plantação, verá um aumento na produção”.

“O que precisa existir é mais diálogo entre agricultores e apicultores, é sobre conscientização, treinamento, orientação”.

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Mas o relator especial das Nações Unidas sobre produtos tóxicos, Baskut Tuncak, rejeitou a ideia de que era possível usar pesticidas perigosos com segurança no Brasil.

“A dura realidade é que o Brasil não possui nem os sistemas de governança nem a capacidade financeira e técnica no momento para fornecer uma garantia razoável de que eles serão usados ​​com segurança”, disse ele à Unearthed e à Public Eye.

“O governo simplesmente não pode monitorar o que acontece em centenas de milhares de propriedades agrícolas”.

Para os pequenos produtores de mel, o impacto das mortes é sentido profundamente. Roberto Silva começou a manter algumas colmeias no Rio Grande do Sul em 2012, pouco antes do início das mortes. Dois anos atrás, ele perdeu metade por envenenamento por fipronil, uma parte significativa de seu sustento. Mas, como Machado, ele ainda acredita que os agricultores vizinhos de soja teriam mais cuidado, se soubessem os riscos.

“Os agricultores não estão cientes da perda que estão nos causando”, disse ele à Unearthed. “Além dos danos que eles nos causam, eles também danificam o meio ambiente”.

Mesmo assim, ele não sabe quanto tempo os pequenos proprietários como ele sobreviverão.

“É difícil ver abelhas morrendo”, disse ele. “A cada ano está ficando cada vez mais difícil manter as abelhas perto das plantações de soja”.

Foto de capa: Cleberson Bervian

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