A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados está mobilizada para conter a destruição das veredas do Cerrado, que agonizam no “grande sertão” de Minas Gerais e reduzem a recarga hídrica na bacia do rio São Francisco.
Após mergulhar no ambiente, ora seco ora úmido de chapadas, buritizais e cavernas do norte e noroeste de Minas Gerais, o escritor Guimarães Rosa produziu obras-primas da literatura, como “Sagarana”, em 1946, e o clássico “Grande Sertão: Veredas”, em 1956.
Esse cenário rústico, palco das aventuras dos personagens Riobaldo e Diadorim, vive hoje dias agonizantes, segundo especialistas ouvidos em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Casa, nesta terça-feira (11), lotada de prefeitos, vereadores e moradores da região.
As veredas, um frágil “oásis” do bioma Cerrado, agonizam devido ao avanço das pastagens de gado, assoreamento, queimadas, desmatamento para a produção agrícola e de carvão e abertura indiscriminada de poços artesianos e de estradas vicinais.
Crise hídrica
Coordenadora do programa “Vereda Viva” da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), a pesquisadora Maria das Dores Veloso afirma que esse quadro agrava a crise hídrica do norte e noroeste de Minas. “Onde tem vereda, tem água. Onde tem água, tem buriti. A vereda é um termômetro: ela está nos mostrando que, se a gente não cuidar muito rápido do ambiente, nós vamos ficar sem água, porque elas estão morrendo antes da gente, de sede”, alerta Veloso.
Levantamento coordenado pelo Laboratório de Ecologia da Unimontes mostra que em 17 veredas pesquisadas, apenas três não apresentavam impacto das pastagens.
Devastação
Maria das Dores Veloso mostrou áreas degradadas dentro dos Parques Estaduais da Serra das Araras, da Serra do Cabral e das Veredas do Peruaçu. Segundo ela, a devastação foi intensificada a partir da década de 1970, devido à implantação das monoculturas (arroz e eucaliptos, inicialmente). Ela destacou a múltipla importância das veredas para o norte e noroeste de Minas Gerais: sociocultural, baseada no modo de vida dos veredeiros; ambiental, ressaltando a rica biodiversidade ecológica; e econômica, como no caso da exploração do fruto do buriti para a alimentação e a indústria de cosméticos).
Transposição sem revitalização
Para o deputado Saraiva Felipe (PMDB-MG), a situação torna-se ainda mais grave a partir do avanço da transposição do rio São Francisco sem o cumprimento das metas de revitalização da bacia hidrográfica. Nós temos que brigar para salvarmos a mãe das águas – no caso, as veredas – e cobrarmos do governo, porque foi dito o seguinte: que não haveria transposição sem que se pensasse na questão da revitalização do rio São Francisco, sobretudo de sua nascente. Esse é o momento de uma mobilização, que precisa ser muito maior. Os recursos são exíguos mesmo”, afirmou o parlamentar.
Extensão rural
Autor do requerimento de audiência pública, o deputado Zé Silva (SD-MG) fez um apelo, em nome dos extensionistas rurais (Emater), para que as ações governamentais de recuperação ambiental não se restrinjam a paisagens específicas, mas ao conjunto do bioma Cerrado. “O Cerrado brasileiro representa 22% do nosso território. É como se fosse uma esponja, que, no ciclo da água, vai armazenando a água. E depois, como se fosse as nossas artérias, vai distribuindo essa água para as nascentes, córregos e rios, alimentando a vida da nossa geração”, ressaltou o parlamentar.
Coordenador de manejo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Maurício Fernandes sugeriu o cadastramento de todas as veredas via georreferenciamento, com o respectivo diagnóstico delas: “Cada um vigiando as veredas de seu território”.
Semiárido
Zé Silva é relator, na Comissão do Meio Ambiente, do projeto de lei (PL 2988/15) que cria normas gerais para regulamentar as iniciativas de revitalização da bacia hidrográfica do São Francisco. O deputado também é autor de proposta (PL 4961/13) que inclui 83 municípios de Minas Gerais e 26 do Espírito Santo na área de delimitação do semiárido brasileiro. Na prática, a medida permite que esses municípios sejam contemplados com políticas de crédito e benefícios fiscais conferidos à região semiárida do País.