Texto originalmente publicado em: 30/10/06
O governo federal divulgou, com orgulho, uma queda de 30% nos índices de desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 2005 e agosto de 2006, foram derrubados 13.100 quilômetros quadrados da floresta, o equivalente a três vezes o município do Rio de Janeiro. Foi o segundo menor índice desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a medir o desmatamento na região, em 1988.
Foi uma boa notícia oferecida pelo Ministério do Meio Ambiente. “Somada à redução do ano anterior, são 52% a menos em relação aos índices alarmantes de dois anos atrás”, diz João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério.
De acordo com Capobianco, a queda foi resultado de ações de fiscalização dentro do Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, com presença do Exército e da Polícia Federal na repressão. Capobianco também ressaltou o impacto positivo da criação, ao longo dos últimos quatro anos, de 19,4 milhões de hectares de unidades de conservação na Amazônia.
O governo merece esse crédito, e a queda deve ser celebrada. Mas foram outros fatores, sobretudo a crise na agricultura, que ajudaram a frear o desmatamento. Descapitalizados pela maior recessão no setor agrícola dos últimos 20 anos, os pecuaristas e sojicultores da região amazônica não desmataram porque não tiveram estímulo financeiro para isso.
“Nos anos dourados da agricultura, de 2000 a 2004, havia um crescimento anual de 5.000 quilômetros quadrados na lavoura de grãos e de 1 milhão de cabeças no rebanho bovino”, diz Homero Alves Pereira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso. “Nos últimos dois anos, com a crise no setor, houve uma redução de 30% na área plantada no Estado.”
As pessoas geralmente associam o desmatamento na Amazônia ao corte de madeira. Poucos sabem que as madeireiras apenas garimpam árvores com valor comercial. A devastação maior é causada pela agropecuária, ao converter floresta em pasto ou lavoura. O lado positivo da crise na agricultura é um desaquecimento desse processo. Pelo menos até o próximo ano. “Com o câmbio do dólar baixo e os juros bancários altos, não vamos aumentar as áreas plantadas até 2008”, afirma Pereira.
Para o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto Homem da Amazônia (Imazon), essa ligação entre a crise na agricultura e a redução no desmatamento pode ser percebida quando analisamos os índices de desmatamento em Mato Grosso, Estado campeão em devastação na Amazônia. “A queda na lucratividade da soja é um fator-chave para o desmatamento na região. Com menos dinheiro, não há estímulo para desmatar”, diz Barreto.
Outro sinal de que o desmatamento não está totalmente controlado é a expansão contínua da devastação provocada pela invasão de terras públicas. Especuladores tomam posse de áreas devolutas desvalorizadas, derrubam a floresta e plantam pasto enquanto conseguem forjar documentos de titularidade. Depois, vendem o lote a preço mais alto. Cerca de 33% da Amazônia são terras devolutas ou em disputa. Isso é flagrante em algumas cidades na parte oeste do Estado de Rondônia, que apresentam altos índices de desmatamento. A explicação para o interesse no Estado pelos grileiros foi o anúncio da possível construção de duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira, que valoriza a terra na região.
Até 2004, o desmatamento na Amazônia mostrava uma frente de conquista de território. A faixa correspondia à BR-163, no Pará, ao norte de Mato Grosso e à divisa do Amazonas com Rondônia. Agora, as ações localizadas de fiscalização fizeram essa frente ilegal se pulverizar para outras áreas. “O efeito foi perverso. A fiscalização acabou fazendo com que surgissem novas frentes de desmatamento, que saíram das áreas tradicionais”, diz Roberto Smeraldi, coordenador da ONG Amigos da Terra.
Existe outro indicador preocupante da força da grilagem. As últimas medidas mostram que a parcela fixa do desmatamento – que ocorre independentemente da agricultura – está cada vez maior. “Mesmo num ano com dólar ruim para exportação e fiscalização intensa, temos uma área de 13.000 quilômetros quadrados derrubada”, diz Smeraldi. “Só podemos comemorar quando o desmatamento em áreas ilegais for zero”, afirma Barreto.
Relação entre o desmatamento e a agricultura
1 O pico de desmatamento de meados da década de 90 coincidiu com o avanço da pecuária no Plano Real;
2 O segundo maior pico no desmatamento, em 2004, foi seguido por uma queda nos últimos dois anos;
3 A ascensão e queda do desmatamento nos últimos anos coincide com o avanço e recuo da agricultura.