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Brigadista indígena é homenageada em mural pintado com cinzas de queimadas

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Dona Maria, da brigada Mãe Terra, ao lado de arte que destaca o trabalho dos "Guardiões do Pantanal"

Ao longo de seus 35 anos de história, a Ecoa, junto de vários outros parceiros na causa ambiental, conseguiu criar uma grande rede de apoio pela região pantaneira, composta, principalmente, por comunidades tradicionais que habitam APAs (Áreas de Proteção Ambiental) do bioma. Nesse tempo, a troca de conhecimentos com culturas indígenas e ribeirinhas permitiu o surgimento 23 brigadas voluntárias – cinco delas em aldeias –, que unem práticas ancestrais de cuidado com a terra a técnicas e equipamentos de controle dos focos de calor. E um desses grupos, a Brigada Comunitária Voluntária Mãe Terra, foi homenageado por meio da pintura de um grande mural na empena de um prédio, em Campo Grande (MS).

A iniciativa faz parte do projeto Parede Viva, que promove ações socioculturais ligadas à arte urbana por todo o país e agora está organizando, com apoio do Ministério da Cultura, o “Festival Paredes Vivas -Edição Cinzas da Floresta“. O objetivo é enaltecer o trabalho de brigadistas que vêm ajudando a combater incêndios nos principais biomas brasileiros: Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado e Pantanal. Como matéria-prima para a pintura, os artistas selecionados recebem frascos com cinzas obtidas diretamente de brigadistas do PrevFogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais); no momento, boa parte delas tem sido coletada no município de Corumbá, onde as queimadas estão mais frequentes.

Na Capital de Mato Grosso do Sul, foram selecionados dois pontos para receber as obras de arte: um muro na Vila Nasser e um edifício residencial no Bairro Aerorancho; no prédio, o desenho elaborado para embelezar a parede foi baseado em um retrato de Manuela Nicodemos, à época fotógrafa da Ecoa, que fez o registro de dona Maria Dalva durante a reciclagem dos treinamentos em 2022, na terra indígena Cachoeirinha, município de Miranda.

“Dona Maria ficava tímida, quietinha, mas ela é uma liderança na aldeia e quis participar. Ela me chamou a atenção pela vontade de proteger o seu território, mesmo que para isso ela precise se arriscar. E o semblante dela segurando a foice ficou lindo; é uma foto muito forte.”

Manuela conta que muitas mulheres tinham receio de participar por conta dos equipamentos, que são bastante pesados. Mas, seguindo as orientações passadas nos treinos, todos aprendem a rotacionar os materiais para dividir funções e reduzir o estresse durante o enfrentamento das chamas.

Foto que inspirou o mural do Bairro Aerorancho (Imagem: Manuela Nicodemos)

Ao saber que sua foto representaria o empenho das aldeias Terena na preservação do Pantanal e do Cerrado, dona Maria não conteve o entusiasmo e prometeu um belo almoço para quem fizer uma pintura semelhante na aldeia.

“Muita, muita gratidão mesmo. Estou me sentindo muito feliz com o reconhecimento do nosso trabalho e de estarem desenhando minha foto no mural. Espero que um dia possam fazer um mural como esse também aqui na nossa Casa de Cultura.”

O encarregado de realizar o trabalho no Aerorancho foi o grafiteiro e “artivista” campo-grandense Victor Macaulin. Envolvido com a arte de rua desde 2014, ele conta que começou a pesquisar e desenvolver novos tipos de tinta em 2018, utilizando pigmentos vegetais, argila, carvão e cinzas. “É uma honra participar desse projeto, e é uma conquista um trabalho desse porte em nossa cidade, falando de um tema tão importante quanto a ação dos brigadistas”, ressalta Victor.

Sobre a Brigada Mãe Terra

Criada em 2021, depois dos incêndios devastadores do ano anterior, a Brigada Comunitária Voluntária Mãe Terra tem sido fundamental para a manutenção da região de Cachoeirinha. Ela conta com voluntários da etnia Terena que tiveram a iniciativa de defender suas terras mesmo diante de cenários adversos.

Tendo acompanhado de perto o treinamento e até mesmo participado do controle de uma queimada, Manuela Nicodemos considera que a experiência foi transformadora, principalmente quanto ao seu olhar sobre as comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhas.

“Em vez de esperar a força do Corpo de Bombeiros e outras instâncias governamentais, elas se mobilizaram. Tive a percepção de que homens e mulheres, jovens e adultos, todos têm o sentimento de pertencimento àquele território muito aflorado. Para mim, isso, sim, é a verdadeira definição de ‘guerreiros’ e ‘guerreiras’. Não há salário; é um trabalho voluntário para salvar vidas e o meio ambiente“, relata.

 

 

João Marcelo Sanches

Jornalista formado pela UFMS, com mestrado em Comunicação pela mesma instituição

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