Professor aposentado da Unicamp, Ricardo Carneiro questiona a legitimidade do interino e diz que “a sociedade brasileira não cabe num golpe, qualquer que seja sua natureza”
Fonte: brasileiros.com.br em 11 de julho de 2016.
O economista Ricardo Carneiro deixou seu cargo de diretor-executivo do Brasil no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) com fortes críticas ao governo Michel Temer. Em seu discurso de despedida, ele questionou a legitimidade do interino e o acusou de impor uma política econômica que não tem respaldo das urnas. “Volto ao meu país num momento crítico de ruptura institucional, mas com uma certeza: a sociedade brasileira não cabe num golpe, qualquer que seja sua natureza”.
O discurso de Carneiro não chegou a ser pronunciado, porque a sessão do BID acabou sendo cancelada. Mas ele pediu que o discurso fosse anexado em ata: “Nem mesmo a ditadura militar se impôs por muito tempo a esta sociedade, embora lhe tenha feito muito mal. A legitimidade é um imperativo maior no ambiente social brasileiro e este governo muito dificilmente se tornará legítimo. Ainda mais porque tem como agenda principal o desmonte do nosso incipiente Estado de bem estar social”, escreveu Carneiro. O economista defende a realização de eleições antecipadas para corrigir esse “déficit de legitimidade”.
Professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, Ricardo Carneiro tem laços históricos com a esquerda. Filho de usineiros pernambucanos, ele pertenceu ao PCB e ao PMDB. Apoiou a campanha presidencial de Ulysses Guimarães em 1989 e, no segundo turno, juntou-se a Lula. Ele só se afastou do partido em 2002, depois de perder a disputa para definir o programa econômico do partido para os setores mais ortodoxos do PT, liderados por Antonio Palocci. Depois disso, ele só se reaproximou do PT em 2012, no governo Dilma Rousseff, quando foi nomeado diretor-executivo no BID.
Neste ano, ele avisou que deixaria o cargo dois dias depois da abertura do processo de impeachment no Senado. “Ajustei a minha saída no menor tempo possível para não ficar representando um governo ilegítimo”, disse Carneiro em entrevista à Folha de S.Paulo: “É uma irresponsabilidade histórica da elite brasileira, vai fazer muito mal ao Brasil e vai durar muito tempo”.
Crítico do sistema de metas, Carneiro não acredita que a política econômica de Temer dará certo, mesmo se for bem sucedido no choque de confiança pretendido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: “Confiança é uma condição necessária, mas não suficiente”. O problema é que o consumo e o investimento não estão impulsionando o crescimento. A retomada das exportações, uma das poucas fontes de crescimento econômica, corre risco com a recente valorização do real.
Ele criticou a limitação imposta pelo governo Temer ao BNDES, observando que o investimento em infraestrutura é a única fonte de crescimento substancial: “A maior parte do investimento em infraestrutura no mundo é pública, na veia. No Brasil só tem um jeito, é com o BNDES”.
Para ele, Dilma poderia ter evitado o impeachment se não tivesse feito algumas “escolhas erradas”, como chamar Joaquim Levy para o Minisério da Fazenda: “Pressionada pelo mercado, ela pôs o Levy. Ele fez um ajuste muito duro. A economia, que já estava desacelerando, encolheu quase 4%”.