Correio Brasiliense
O maior reservatório em volume de água da América Latina vive a maior crise dos últimos 15 anos. Desde o início da obra, iniciada em 1998, esse é o pior momento do Lago da Serra da Mesa, distante 200km de Brasília, de acordo com registros históricos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A celeuma tem uma responsável: a seca. O aquífero está com apenas 11,96% da capacidade total. A marca negativa na régua de medição só não é mais baixa que o pico de 9,35%, alcançado em 2001. A Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, instalada em Minaçu, no extremo norte goiano, é indispensável para o atendimento do mercado de energia elétrica das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O abastecimento elétrico em Goiás e no DF dependem do reservatório.
Os impactos vão além das cifras de geração de energia elétrica — 150 pescadores atuam na região e cerca de 600 famílias vivem da pesca da tilápia na represa. Os 1.874 quilômetros quadrados de área inundada podem armazenar até 54,4 bilhões de metros cúbicos de água — hoje, o volume não chega a 6,5 bilhões de metros cúbicos. O Lago da Serra da Mesa é 37 vezes mais extenso que o Paranoá, em Brasília, e o quarto maior do Brasil. Apesar da imponência, onde havia beleza, restou terra seca e poucas certezas para o futuro. A região costumava receber até 30 mil turistas na alta temporada. Hoje, o comércio amarga a mais severa crise da década. Lojas, restaurantes e pousadas fecharam. As imagens da prosperidade do turismo, da pesca recreativa e dos esportes aquáticos ficam na memória dos moradores da região.
Apesar de a crise ter batido mais forte agora, os sinais da escassez de chuva são notórios nos últimos cinco anos. Desde 2011, o pico negativo do lago é cada vez mais implacável. Naquele ano, o nível mais baixo foi de 56,72%. Não parou de cair. Em 2012, marcou 39,68%. Em 2013, 29,12%. Em 2014, 25,67%. No ano passado, 12,9% em dezembro – comumente o mês mais austero (veja gráfico). Formado principalmente pelos rios Tocantins, das Almas e Maranhão, as águas parecem estar cada vez mais distante do povo que construiu vida no rescaldo das ondas do lago no cerrado. O que era sonho, no fim da década de 1990, tem se tornado cada vez mais um poço assoreado de pesadelos.
Penúria
O Correio percorreu 1.090km, passou por três municípios e conheceu comunidades que estão devastadas pela estiagem. A cada metro que a margem do lago avança, crescem, em consonância, o desespero e a frustração. A baixa da água tirou de casa dois filhos do barqueiro Iraci Araújo, 57 anos. Há 19 anos, ele abandonou a carreira de analista bancário para se dedicar ao balneário. Para se ter ideia da crise, das 28 casas flutuantes do local, normalmente alugadas por turistas, restaram apenas nove — nenhuma está ocupada. Iraci tocava um restaurante flutuante com capacidade para 180 pessoas. Ancorou a embarcação. “Quando vou dormir, fico pensando o que será da gente. Me dá um sentimento muito ruim. Mesmo nessa situação, eu vivo daqui”, diz emocionado.
Na pousada onde havia nove funcionários, restou somente a dona. Ivonete Rodrigues da Silva ocupa parte do tempo fazendo os serviços de manutenção do local e quebrando a cabeça com cálculos para tentar equilibrar as despesas. O local com capacidade para 48 ocupações, quando tem um fim de semana movimentado, recebe duas. “Ficou um lugar feio, com a baixa d’água tão severa. Os clientes perguntam por que está assim e quando tudo vai voltar ao normal. Não temos respostas. Vários ribeirões, riachos e açudes da região estão completamente sem água”, desabafa Ivonete. Na quinta-feira (15/09), ela limpava a mobília empoeirada e o chão.