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A “recuperação” do rio Doce cheira a oportunidade para enriquecer muita gente

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Maria Dalce Ricas (Foto: Divulgação/Diário Comércio)

Por Maria Dalce Ricas

Maria Dalce Ricas (Foto: Divulgação/Diário Comércio)
Maria Dalce Ricas (Foto: Divulgação/Diário do Comércio)

Observem:

1. Antes da tragédia, o rio já estava quase morto. Ela foi o chamado “golpe de misericórdia”. Segundo o Comitê de Bacias do Doce, a profundidade média dele era de 3,o metros. Em função do carreamento de sólidos derivados do desmatamento, superpastoreio, incêndios, estradas, lixo jogado pela população (se falar nos esgotos industriais e domésticos), e loteamentos em APPs e encostas. Imaginem agora depois da porcaria que a Samarco fez?

2. Revitalizar (porque recuperar nunca mais será possível) a bacia teria de ser um Projeto de Estado, com ações de mudanças radicais na atividade agropecuária, reflorestamento dos morros. O Vale do rio Doce é considerado área de desertificação. Observem nas imagens de TV os morros completamente pelados, com erosões laminares e voçorocas, que a natureza não dá mais conta de superar.

3. E esta situação tem responsáveis: proprietários rurais, prefeituras, empresas, governos estadual e federal (que não exerceram seu papel de guardiões da Lei). Isto vai mudar? Não, não vai porque continuamos regredindo na área ambiental, facilitando cada vez mais a degradação, de forma pensada e institucionalizada pelo poder público.

4. A responsabilidade pela recuperação está sendo toda colocada em cima da Samarco, como se os demais agentes fossem preocupados ou comprometidos com a proteção do rio. Em Pontal da Regência, onde era a foz do rio, a praia está sempre coberta de toneladas de lixo que os mineiros e capixabas também despejam em seu leito. A população de GV que ficou p…. da vida com a falta de água, agora que ela não está faltando, já devem ter voltado aos velhos hábitos.

5. Vejam um exemplo: o que queremos da Samarco em relação às margens do rios Gualaxo e do Doce? Que ela retire a lama e plante capim para os fazendeiros continuarem detonando-as com a pata do gado? Ou que voltem a cultivar até “dentro” do rio se possível? Que as prefeituras continuem a autorizar loteamentos e construções na APP? Porque se for mesmo para recuperar, a empresa não pode obrigar os proprietários rurais a autorizar o plantio, que prevê colocar a muda no solo, proteger contra fogo, pisoteio, formigas, etc., e não utilizar a área plantada.

6. O rio Sto. Antônio, que nasce na Serra do Cipó, em Minas Gerais, é o afluente do Doce que pode ser considerado o maior responsável pelo repovoamento de peixes do mesmo (quando a lama tiver diminuído o suficiente). É um rio de Piracema, maravilhoso. Mas estão previstas diversas PCHs que detonarão a piracema. O governo de Minas vai negar a licença?

Enfim meus amigos, o que a Samarco fez foi um crime incomensurável e inaceitável. Sem perdão ou desculpa. E tem de pagar por isto. Mas uma revitalização do rio seria quase uma revolução de gestão e administração pública neste país, tal o número de setores e medidas envolvidos. Não sejamos ingênuos de acreditar nessa conversa. E tem mais: se a aplicação dos recursos não tiver acompanhamento da sociedade, a farra vai ser maior ainda.

Maria Dalce Ricas é a superintendente executiva da Amda – Associação Mineira de Defesa do Ambiente, uma ONG ambientalista com sede em Minas Gerais.

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