Via Felipe Faustino, Jornal da USP
Apesar de menos agressivo que pesticida químico, produto à base de fungos pode ser menos sustentável do que se pensava: a exposição a ele causou a morte de vespas inimigas de pragas em culturas agrícolas.
Considerados biopesticidas, os pesticidas à base de fungos podem não ser “ecologicamente corretos” e eliminar insetos benéficos em culturas agrícolas. A informação vem de estudo publicado na revista Environmental Science and Pollution Research, que testou os efeitos desses defensivos biológicos em vespas da espécie Mischocyttarus metathoracicus, predadoras naturais de pragas presentes em praticamente todo o território brasileiro.
As vespas são alguns dos principais inimigos de pragas presentes em plantações, como lagartas e outros insetos herbívoros. “Essas vespas consomem pragas em plantações que são defendidas por biopesticidas e, embora elas não sejam alvo desses produtos, o risco de exposição é alto”, destaca o biólogo e entomologista André Rodrigues de Souza, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, integrante da equipe que reuniu ainda pesquisadores de outras duas universidades, a Federal de Viçosa (UFV) e a Estadual Paulista (Unesp).
Insetos doentes não detectados espalham fungo
Como faltavam dados sobre possíveis danos dos defensivos biológicos às vespas, os cientistas decidiram pesquisar se realmente esses insetos poderiam reconhecer os indivíduos doentes da colônia – o que ajudaria a conter a disseminação do fungo.
Segundo Souza, a habilidade teria sido constatada em outro estudo e envolveria, provavelmente, o odor corporal diferenciado do inseto doente. “Por isso, nós acreditávamos que elas eram capazes de reconhecer companheiros de ninho contaminados com esporos de um fungo patogênico, mas, para nossa surpresa, elas não discriminam”, afirma.
Os experimentos foram realizados em áreas do campus da USP em Ribeirão Preto e arredores, tratadas com um composto, inseticida fúngico à base da cepa ESALQ PL63 de Beauveria bassiana, e também com um produto químico à base de imidaclopride, um neonicotinoide neurotóxico — ou seja, derivado da nicotina, que afeta o sistema nervoso do inseto. Os resultados demonstram que a mortalidade dos grupos expostos ao biopesticida é maior em relação às vespas não tratadas com pesticidas, porém menor que as expostas ao químico neonicotinoide.
O tempo médio observado para a morte das vespas expostas ao biopesticida foi de aproximadamente 19 dias, enquanto as tratadas com o pesticida químico não conseguiram sobreviver, em média, às primeiras 24 horas. Contudo, informa o pesquisador, os efeitos dos defensivos biológicos no inseto podem não se limitar a poucos indivíduos, pois as análises mostraram que as vespas foram incapazes de fazer o reconhecimento social das contaminadas.
Com a morte mais demorada, existe tempo para que a vespa volte para a colônia e isso, combinado à incapacidade de reconhecer aquelas expostas ao inseticida, potencializa a mortalidade observada no estudo.
“Esse atraso entre a contaminação e a mortalidade implica que as vespas que foram expostas ao biopesticida, aos esporos do fungo, sobreviveram tempo suficiente para retornarem para suas colônias e, potencialmente, transmitir esses esporos para outros indivíduos, para companheiros de ninho”, adianta Souza, acrescentando que a letalidade tardia, no entanto, confirma que os pesticidas biológicos são menos tóxicos aos organismos não alvos do que os químicos.
Biopesticidas no Brasil
O Brasil segue com uma tendência crescente no comércio de defensivos agrícolas. Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), a produção foi de 416 para 534 mil toneladas de 2018 a 2021, último ano analisado. Assim como o uso de pesticidas químicos na produção agrícola preocupa, pelo potencial de danos à biodiversidade e à saúde do consumidor final, os efeitos dos biopesticidas ao meio ambiente também vêm sendo estudados.
Pelo menos 397 produtos químicos produzidos industrialmente, de acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são utilizados no Brasil. Desses, 146 não são permitidos na União Europeia. Segundo a agência, dos 504 ingredientes ativos de agrotóxicos com registro para uso no País em agosto de 2022, 107 eram obtidos de fontes biológicas, como o fungo Beauveria bassiana, presente nas formulações comerciais utilizadas para a pesquisa. De acordo com a Embrapa, são 76 produtos à base desse fungo registrados no País.
O problema, acrescenta o pesquisador da USP, é que os produtos biológicos nem sempre são ecologicamente adequados e podem atingir insetos sociais importantes, o que indica a necessidade de mais estudos com diferentes tipos de organismos. Para o biopesticida testado, Souza acredita que uma ação possível seria encontrar doses ideais que sejam letais somente aos organismos alvos e não para os benéficos.
Outra solução possível, lembra, é atentar para os hábitos das vespas que geralmente visitam as plantações, entre 8 e 18 horas. “Por ora, com os dados que estão disponíveis, o melhor que poderia ser feito como sugestão seria, talvez, evitar aplicar o biopesticida nas plantações no horário em que as vespas estiverem frequentando as plantações”, esclarece.
A revisão da legislação atual para o licenciamento de novos biopesticidas também é necessária, de acordo com Souza. “Na legislação atual, apenas alguns insetos benéficos são incluídos. A gente tem a inclusão de abelhas, mas, por exemplo, não temos a inclusão de vespas e vários outros insetos benéficos”, diz. Para o biólogo, a inclusão de mais espécies nos testes garantirá uma melhor noção dos impactos do produto no meio ambiente, pois os efeitos de um pesticida, na mesma concentração e dosagem, não são os mesmos para diferentes organismos. “Idealmente, deveriam ser incluídos muitos outros organismos nos testes toxicológicos relacionados à regulamentação de defensivos agrícolas”, conclui.