///

Decreto de regulamentação da Lei de Biodiversidade? Só em março…

6 minutos de leitura
Nurit Bensusan, bióloga especialista em biodiversidade e assessora do Instituto Socioambiental (ISA). Foto: Arquivo pessoal
Nurit Bensusan, bióloga especialista em biodiversidade e assessora do Instituto Socioambiental (ISA). Foto: Arquivo pessoal

A lei 13.123/2015, que trata do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, entrou em vigor no dia 17 de novembro. Isso, porém, não quer dizer que tenhamos um novo marco regulatório para a questão: a lei empurrou um conjunto grande de questões para a regulamentação e esta ainda não existe.

Vários são os motivos que fizeram com que a publicação do decreto que regulamenta a questão fosse adiada. Entre eles, podemos aventar alguns. O processo de elaboração da lei, pouco participativo e nada democrático, excluiu questões fundamentais para os provedores de conhecimento tradicional e de patrimônio genético associado a esse conhecimento – agricultores familiares, comunidades indígena e tradicionais. Quando muito, poderiam ser alvo de regulamentação no decreto, se houvesse força e mobilização política que obrigasse o governo a fazê-lo.

Com a mobilização dos detentores de conhecimento tradicional e de patrimônio genético associado, o governo foi forçado a tentar mitigar os estragos da lei, que favorece os usuários – empresas e pesquisadores – em detrimento dos provedores. Não soube, porém, fazê-lo. Promoveu oficinas de consulta sem objeto de consulta, não conseguiu informar devidamente sobre a nova lei e não criou espaços de diálogo entre os setores. O resultado foi que os seis meses entre o momento em que a lei foi promulgada e aquele quando entrou em vigor esvaíram-se em iniciativas pouco produtivas e, muitas vezes, equivocadas.

Outro motivo para que não tenhamos ainda um decreto regulamentador da lei é que os próprios usuários, muitos deles envolvidos na elaboração do texto da lei, estão se dando conta que, para que haja alguma possibilidade de rastreamento do uso do patrimônio genético e do conhecimento tradicional, é necessário o estabelecimento de alguns mecanismos de controle. Tais controles colocariam em xeque a proposta minimalista original do setor empresarial…

O temor do governo – e possivelmente dos usuários – é que o processo autoritário de geração desse novo marco legal gere uma insegurança jurídica que prejudique significativamente sua aplicação quando entrar, de fato, em vigor. Ou seja, como não houve um processo adequado de consulta e como os direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares estão sendo ameaçados, é possível que a aplicação desse novo marco legal seja alvo de inúmeras contestações judiciais.

Segundo César Carrijo, da subchefia de assuntos jurídicos da Casa Civil, o governo tem um novo cronograma para o lançamento do decreto:

• Em dezembro de 2015, uma minuta circulará entre os órgãos do governo,
• Em janeiro de 2016, a minuta entra em consulta pública,
• Em fevereiro, o governo analisa as sugestões recebidas e refaz a minuta,
• No começo de marco, o decreto é publicado.

Resta saber se haverá um momento, antes da publicação, para que os interessados, principalmente os detentores de conhecimento tradicional, possam opinar sobre a versão final da minuta, antes de sua publicação.

Conhecimento tradicional associado ou patrimônio genético associado?

A Convenção da Biodiversidade, tratado internacional que regula o tema, fala de conhecimento tradicional e de recursos genéticos. A expressão “conhecimento tradicional associado” é uma derivação, adotada pela Medida Provisória 2186-16/2001 que regulamentava essa questão no país até recentemente. A ideia era traçar uma delimitação entre o conhecimento tradicional associado aos elementos da biodiversidade e separá-lo de outros conhecimentos tradicionais. Pode ser que a intenção tenha sido das melhores, mas o resultado não foi tão bom assim…

Conhecimento associado pode ser dissociado, ou seja, o conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos – ou como prefere nossa legislação, ao patrimônio genético – é o conhecimento que pode ser separado do patrimônio genético. O que acontece, porém, com o conhecimento que está presente dentro, de maneira amalgamada, dos elementos da biodiversidade? Dentro de sementes, que foram selecionadas; dentro de plantas, que foram manejadas; dentro de variedades, que foram melhoradas; dentro de espécies, que foram domesticadas? Esse é o patrimônio genético associado ao conhecimento tradicional.

Essa é uma das grandes derrotas dos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, com poucas exceções. A nova lei (Lei 13.123/2015) só considera o conhecimento tradicional que pode ser dissociado do patrimônio genético, ou seja uma pequena parte de um gigantesco corpo de conhecimentos…

Fonte: Nurit Bensusan – Instituto Socioambiental (ISA)

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

Mais recente de Blog