O plano ousado que está mudando o combate aos incêndios no Pantanal
Durante três dias intensos, 70 pessoas, incluindo 32 moradores de comunidades tradicionais, participaram de uma articulação contra incêndios florestais que pode ajudar o futuro da conservação no bioma. Coordenado pela Ecoa, o evento teve o GEF Terrestre (executado pelo Funbio) como principal financiador, além de apoio financeiro da Unesco (via WWF) e parcerias técnicas com Prevfogo/Ibama, ICMBio, SOS Pantanal, Marinha do Brasil, Diretoria de Proteção Ambiental do Comando de Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul (base avançada Barra do São Lourenço) e 1º Batalhão da Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul.
Entre 2020 e 2024, mais de 7 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo – área equivalente a 3 vezes o estado de Sergipe. A iniciativa realizada em abril de 2025 no Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense (PARNA; ICMBio) surgiu como resposta urgente a esse cenário, fortalecendo a capacidade local de prevenção.
A bordo do navio Potengi, da Marinha do Brasil, embarcação histórica de 85 anos, atualmente sob o comando do Capitão-Tenente Diego Medeiros, uma parcela dos participantes chegaram ao local do treinamento, a outra, que consistia em moradores de comunidades mais próximas ao PARNA, chegou em pequenas embarcações, por conta própria. As comunidades participantes foram: Barra do São Lourenço, Amolar, Binega, Paraguai-Mirim e Ilha do Baguari, esta última tendo como diferencial uma brigada constituída somente por mulheres.
A logística complexa envolveu também a Polícia Militar Ambiental, que transportou parte dos equipamentos de combate ao fogo de Campo Grande até Corumbá. Integrantes do Corpo de Bombeiros estiveram presentes no treinamento para consolidar aproximação com as comunidades – atualmente, há uma base na comunidade São Lourenço para garantir respostas mais imediatas a incêndios na região.
Conteúdo lecionado aos brigadistas comunitários
O PrevFogo/Ibama, representado pelo coordenador-geral no bioma Pantanal, Márcio Yule, pela coordenadora substituta Thainan Bornato, pelo chefe da Brigada Pronto Emprego Pantanal, Ruberval Dimas Patrocínio, e pelo brigadista Waldemir Pereira das Neves, foi responsável pela capacitação teórica e prática.
As aulas teóricas abordaram desde legislação ambiental até o novo comportamento do fogo no contexto das mudanças climáticas. “Na década passada o fogo no Pantanal não era considerado uma ameaça com potencial de impacto negativo nos níveis que temos visto nos últimos anos”, lembra Manoel Serrão, Superintendente de Projetos do FUNBIO que financiou a ação.
Nas atividades práticas, os participantes aprenderam técnicas como:
- Abertura de linhas de controle
- Queima de expansão
- Combate terrestre
- Reconhecimento de área
- Acondicionamento, manuseio, transporte e manutenção de equipamentos e ferramentas
- Sistemas Agroflorestais (SAF)
O Instituto SOS Pantanal foi responsável por lecionar o módulo Ferramentas de Sistema de Informação Geográfica (SIG) e cadastro no Sistema de Alerta Aracuã, desenvolvido por eles, onde os brigadistas utilizam aplicativos para localização e informação de focos de fogo em suas áreas.
Edilaine Arruda, moradora da Serra do Amolar e nova brigadista, compartilhou sua experiência: “Hoje, a gente tem o privilégio de participar e formar uma brigada lá na Serra do Amolar. Antes de eu ser da brigada comunitária, eu já fiz várias ocorrências. Então acho que isso é importante a gente aprimorar ainda mais”. Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) incluem, entre outros itens, roupas ignífugas, capacetes, óculos de proteção, coturnos militares e perneiras para proteção contra a vegetação hostil e animais peçonhentos.
Custos para a realização da semana de treinamento
A articulação da Ecoa para o treinamento de brigadas comunitárias voluntárias começou em outubro de 2024, quando foram realizadas as primeiras reuniões com as comunidades para identificar necessidades e selecionar participantes. O processo de preparação se intensificou em janeiro de 2025 com a aquisição dos equipamentos necessários, seguido pelo detalhamento da logística que foi concluído em março. O investimento total no treinamento superou os R$ 350.000,00, com financiamento compartilhado entre o Funbio/GEF Terrestre, Ecoa, WWF e Unesco.
Esses recursos permitiram a realização de uma capacitação completa, que uniu conhecimentos tradicionais das comunidades com técnicas profissionais de prevenção e combate aos incêndios florestais. Os valores cobriram desde a aquisição de EPIs e equipamentos especializados até a complexa logística em uma das áreas mais isoladas do Pantanal – apenas para equipar uma brigada, os custos podem atingir R$ 50.000,00.
Importância das brigadas comunitárias voluntárias
A Ecoa acredita nessa estratégia desde 2006 ao ser pioneira na formação de brigadas comunitárias voluntárias do Pantanal, formando uma brigada de apoio ao PARNA, que contou com moradores das comunidades Barra do São Lourenço e Amolar.
O contexto climático torna urgente essas capacitações. Com 70% de chance de permanência da fase neutra entre El Niño e La Niña – condição associada a secas intensas no Pantanal -, o bioma pode enfrentar em 2025 uma situação ainda pior que 2024, ano em que foi registrada sua maior seca em 124 anos de monitoramento. Os resultados de brigadas comunitárias voluntárias treinadas e equipadas no apoio ao combate aos incêndios são visíveis. Enquanto em 2020 foram queimados 4 milhões de hectares, em 2024, mesmo com condições climáticas mais severas, a área afetada caiu para 2 milhões devido a ação intensa das brigadas comunitárias, Governo Federal e Estadual.
Veja sobre o Plano de Prevenção e Mitigação no Pantanal
A WWF, junto com Diogo Carvalho, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), também esteve presente e acompanhou o treinamento. O apoio da agência especializada da ONU, que declarou o Pantanal como Patrimônio Natural da Humanidade em 2000, representa um passo importante para ampliar o reconhecimento desses desafios e fortalecer os esforços de proteção e mitigação de impactos.
À medida que o sol se punha sobre o Rio Paraguai no último dia de capacitação, brigadistas novos e reciclados (os quais já passaram por um treinamento em anos anteriores e tiveram o conhecimento revigorado) voltavam para casa, entre eles, pescadores, donas de casa e guias turísticos – agora também guardiões do Pantanal, levando para as comunidades em que moram, não só técnicas de combate ao fogo, mas a certeza de que podem proteger seus lares e territórios.
Para conhecer ainda mais sobre esse trabalho transformador, não perca a reportagem especial que foi ao ar no Jornal Hoje, da TV Globo, mostrando em imagens impressionantes como foi esse treinamento único no coração do Pantanal. A equipe de jornalismo acompanhou de perto os brigadistas comunitários dessa iniciativa que está mudando a relação entre as comunidades e o fogo. Assista à matéria completa abaixo:
Articulação institucional e fortalecimento comunitário
A atuação da Ecoa na preparação para a temporada de incêndios florestais (TIF) não se limita à formação e reciclagem de brigadas comunitárias. Envolve também a construção de relações institucionais sólidas, capazes de integrar esforços de prevenção e resposta ao fogo com a conservação da biodiversidade e o apoio às comunidades locais.
Coordenada pela Ecoa com financiamento do projeto GEF Terrestre (executado pelo Funbio) e apoio do WWF Brasil/UNESCO, a iniciativa reuniu representantes de diversas instituições, como Marinha do Brasil, PrevFogo/Ibama, SOS Pantanal, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar Ambiental, ICMBio e o próprio Parque Nacional. A ação marca o início de uma agenda mais ampla, contínua e integrada de prevenção e combate aos incêndios florestais no Pantanal.