Via WWF
Por Warner Bento Filho
O ICMBio publicou em seu portal na internet uma série de estudos para embasar a proposta de criação de um mosaico de Unidades de Conservação no Pantanal. A ideia é conectar quatro diferentes áreas protegidas já existentes na região: Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, Estação Ecológica de Taiamã, Parque Estadual do Guirá e Parque Estadual Encontro das Águas, que ocupam, no total, 360.272 hectares. Com as novas áreas propostas, o mosaico somará 887.855, formando um grande corredor ecológico.
Para formar o mosaico, é proposta a criação de duas novas unidades de conservação federais — uma Reserva de Fauna e um Refúgio de Vida Silvestre, que permitem a convivência com atividades econômicas – e a ampliação da Estação Ecológica de Taiamã e do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense.
“A formação de mosaicos é importante para fortalecer a conservação. Áreas conectadas dão mais condições de sobrevivência às espécies”, avalia o coordenador do Programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil, Julio César Sampaio.
O Pantanal é um exemplo de convivência de atividades produtivas com a conservação da natureza. Cerca de 80% de sua vegetação natural permanecem preservados, ainda que apenas 4,6% da área do bioma estejam protegidos em Unidades de Conservação. Esse índice contrasta com as Metas de Aichi, assumidas pelo Brasil, de proteger pelo menos 17% de cada um dos biomas terrestres no país.
Uma das razões que contribuem para a conservação da vegetação natural no Pantanal é a inviabilidade de boa parte da área para atividades agropecuárias: grandes extensões permanentemente ou sazonalmente alagadas, o que as torna impróprias para a criação de gado ou para a formação de lavouras.
Audiências
Em julho deste ano, o ICMBio realizou audiências públicas nos municípios de Cáceres e de Poconé para discutir com a população a criação do mosaico de UCs. Em Cáceres, o chefe da Estação Ecológica de Taiamã, Daniel Kantek, informou que há na região 131 espécies de peixes e 237 de aves, além de abundância de espécies ameaçadas de extinção, como onça pintada, ariranha e cervo do Pantanal. Segundo ele, no período de seca, cerca da metade da área proposta para ampliação da Estação permanece alagada e, durante as chuvas, praticamente a totalidade fica submersa.
Uma crítica comum entre os presentes foi não terem sido consultados sobre a proposta. O presidente do Sindicato Rural de Cáceres, Jeremias Pereira Leite, leu carta destinada ao presidente do ICMBio, Paulo Carneiro, assinada pelo sindicato, associações de criadores, Clube de Diretores Lojistas, Conselho Municipal de Turismo, Comissão da Hidrovia e outras entidades. O documento diz que a proposta do mosaico é “desnecessária ambientalmente” e que “inviabiliza a economia da região”.
O Pantanal, disse, “convive em perfeita harmonia com a pecuária há mais de 300 anos, mantendo a vegetação nativa em 83% da área. As ampliações e criações de áreas protegidas, atingindo grande extensão do Rio Paraguai, causam imenso prejuízo aos afetados pelas restrições, em uma região imensamente preservada ambientalmente. Manifestamos nosso descontentamento, insatisfação e contrariedade”.
O presidente do Sindicato Rural de Vila Bela da Santíssima Trindade, José Teixeira, disse que é contra qualquer proposta de criação de área protegida. “Vamos ser contra qualquer coisa que venha a aumentar isso e aquilo. Vamos bater pesado para que nada aconteça na nossa região”, disse. Nas audiências, o ICMBio recebeu solicitações por mais informações além das que já estavam disponíveis, inclusive do procurador do Ministério Público Federal Pedro Melo, que recomendou a “ampla divulgação dos estudos técnicos”.
Importância ambiental
O “Estudo da proposta de ampliação das unidades de conservação do Pantanal Norte Mato Grosso”conclui que o território proposto para a criação do mosaico tem baixa aptidão agrícola “em toda sua extensão”, com inundação cíclica. As áreas aproveitadas nos períodos de seca, diz o documento, são “esparsas e residuais” e “as estimativas de rebanho neste território são pouco significativas”. Disponibilizado agora no portal do ICMBio, o documento foi elaborado pela empresa Agrotools, especializada em identificar a dinâmica dos riscos que afetam a segurança do agronegócio brasileiro.
O estudo também analisou as informações prestadas por proprietários afetados ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e constatou que praticamente não foram declaradas áreas de uso consolidado. A região em foco, de acordo com o estudo, “possui alta importância ambiental pelo seu grau de preservação e posicionamento estratégico na conexão do conjunto”.
“Iniciativas de proteção da natureza têm nosso apoio com entusiasmo“, disse o coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos. “No caso específico do Pantanal, entendemos que as ações de conservação da região não podem ficar restritas à planície pantaneira, mas devem se estender ao Planalto, seriamente ameaçado por atividades econômicas que têm influência direta sobre a planície inundável. Essa compreensão é importante no momento em que se discute, no Congresso Nacional, a aprovação de uma Lei do Pantanal, que precisa incluir a proteção do Planalto. É lá que estão as nascentes dos rios que contribuem para a formação do Pantanal”, completou.
Ribeirinhos
O WWF-Brasil também entende que a presença das populações tradicionais e ribeirinhas da região, como a comunidade da Barra de São Lourenço, é importante para a conservação da paisagem e devem ser ouvidas e ter seus direitos garantidos. Dirigentes do ICMBio estiveram na região para discutir a situação dos ribeirinhos, juntamente com o WWF-Brasil, a Ecoa (Ecologia e Ação) e o Ministério Público Federal.
A comunidade da Barra de São Lourenço é formada por grupos que estão na região há gerações, tendo como principal atividade econômica a pesca e a coleta de iscas. Inclui indígenas e trabalhadores rurais expulsos da área do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense quando ele foi criado e, posteriormente, das áreas transformadas em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) no entorno do parque. De acordo com o estudo da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), os moradores mais antigos afirmam morar na comunidade há mais de 40 anos. “Essa comunidade tradicional possui uma longa residência na região”, diz o estudo.
Com o apoio da Ecoa, a comunidade deu início, há dez anos, a um processo de criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que ainda tramita no ICMBio. “Essa é uma excelente oportunidade para incluir essas famílias”, disse Júlio César Sampaio.
O que são mosaicos
Mosaico de unidades de conservação (UCs) é um modelo de gestão que busca a participação, integração e envolvimento dos gestores de UCs e da população local na gestão das mesmas, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional. Essa é definição do Ministério do Meio Ambiente.
O reconhecimento de um mosaico se dá quando existir um conjunto de UCs próximas, justapostas ou sobrepostas, pertencentes a diferentes esferas de governo ou não. O estabelecimento de um mosaico contribui também para a transposição de um dos principais desafios na gestão de unidades de conservação, que é a interação entre a população local, o governo local e os órgãos gestores de diferentes esferas de atuação para promover ações de proteção das áreas naturais.
Um mosaico tem como objetivo primordial compatibilizar, integrar e otimizar atividades desenvolvidas nas UCs que o compõem.
Para acessar os documentos que balizam a criação do Mosaico Pantanal é preciso acessar a consulta pública do ICMBio neste link, clicando em “Proposta de criação do mosaico de unidades de conservação no Pantanal”.