Por O Globo
Diz a antiga anedota que o clima na Amazônia só existem duas estações: a que chove o dia todo e a que chove todo dia. A verdade, claro, é muito mais complexa que isso, mas outro fato é que, de acordo com as principais projeções feitas até agora, a região será uma das que mais vai sofrer com o aquecimento global. Dependendo do cenário para a evolução das emissões mundiais dos gases do efeito estufa, em algumas áreas a expectativa é de que até o fim do século a temperatura média suba em cerca de sete graus Celsius, enquanto as precipitações podem se reduzir em mais de 40%, com longos períodos de estiagem que colocam em risco o delicado equilíbrio do bioma e, consequentemente, as populações que nele vivem.
E foi justamente em busca de dar uma dimensão humana a estes números das mudanças climáticas que uma equipe de pesquisadores coordenada por Ulisses Confalonieri, do Centro de Pesquisa René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, cruzou os dados das previsões para o futuro do clima na região entre 2041 e 2070 com informações sobre a realidade social, econômica, ambiental e de saúde atual dos 62 municípios do estado do Amazonas para não só verificar o quão vulneráveis eles estão às possíveis alterações nos padrões do tempo como identificar quais são estas vulnerabilidades.
Segundo Confalonieri, o objetivo é ajudar os governos locais, estaduais e federal a priorizarem investimentos e melhor alocarem recursos em projetos que visem preparar os municípios às mudanças esperadas sobre três pilares: sua sensibilidade, que leva em conta fatores como pobreza, taxa de infecção por doenças associadas ao clima e situação demográfica (proporção de idosos na população, de famílias chefiadas por mulheres ou país muito jovens etc); sua exposição, que inclui o grau de preservação do ambiente e manutenção da cobertura vegetal e o histórico de eventos extremos, como secas ou inundações; e sua capacidade de resposta, ou seja, a qualidade da infraestrutura e instituições de cada município, como saneamento básico, acesso à água potável e a existência, ou não, de um departamento de Defesa Civil.
– A ideia deste índice de vulnerabilidade climática é guiar a tomada de decisões relativas a projetos e investimentos em políticas de adaptação às mudanças climáticas – diz Confalonieri, cujo grupo também vai publicar em breve resultados de levantamentos semelhantes para cinco outros estados: Espírito Santo, Pernambuco, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul. – Mas mais do que saber que município dentro de um determinado estado vai precisar de mais investimento e qual vai precisar de menos, os tomadores de decisão saberão também o porquê de alguns estarem em pior situação que outro, como se ele tem uma capacidade de resposta baixa por falta de infraestrutura ou tem uma exposição maior por ser mais sujeito a inundações para que se planeje sua proteção e se faça a prevenção dos efeitos dos eventos climáticos.
Aluna de doutorado no René Rachou e integrante da equipe responsável pelo estudo, Júlia Menezes destaca que o novo índice vai além dos indicadores de vulnerabilidade municipal já usualmente calculados pela Fiocruz hoje exatamente por incorporar uma dimensão climática à análise. Assim, por exemplo, se um município atualmente costuma enfrentar alagamentos e está preparado para isso, mas fica em uma região que no futuro do clima verá muito menos chuvas, os governos devem então investir adaptá-lo para um cenário de estiagem, e não de mais inundações.
– A mudança do clima é uma realidade e vai acontecer – lembra. – Construímos então uma ferramenta para que os governos saibam quais são suas deficiências de hoje em relação aos cenários futuros do clima, o que podem fazer para a população sofrer menos lá na frente. E como estas projeções são incertas, o melhor é se preparar.