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Fracking e exploração de recursos não convencionais no Brasil: riscos e ameaças

21 minutos de leitura
Foto: David McNew via Getty Images

PROJETO: Mineração em Debate: consolidando um campo pós-extrativista no Brasil;

COORDENADORA GERAL: Moema Miranda;

COORDENADORA TÉCNICA: Maria Elena Rodríguez;

ORGANIZADOR: Júlio Holanda

TEXTOS: Alexandre Costa, Antonio Terra, Arthur Schmidt Nanni, Cândido Grzybowski, Elder Andrade de Paula, Júlio Holanda, Karine Narahara, Luciano Augusto Henning, Luiz Fernando Scheibe, Paloma de Souza Ramos; e Observatorio Petrolero Sur.

TRADUÇÃO DE TEXTO: Catalina Estrada

A seguir a Ecoa reproduz a apresentação do livro “Fracking e exploração de recursos não convencionais no Brasil: riscos e ameaças”. Clique aqui para ter acesso ao livro na íntegra.

Apresentação

O uso de energia é indispensável à vida, aos ecossistemas e às sociedades. Se olharmos ao nosso redor constataremos que a maior parte dos objetos são derivados de petróleo ou utilizam hidrocarbonetos em alguma etapa do processo produtivo. As roupas que vestimos, a borracha e o plástico utilizado nos celulares, computadores e eletrodomésticos de nossas casas e, principalmente, o combustível que nos move ao redor do mundo, através dos automóveis e aviões. Mas sempre foi e será assim? A resposta é que certamente não. Nem sempre foi assim. A “petrodependência” é um processo recente na história da humanidade, com referência de início na pós-revolução industrial e com o advento da indústria automobilística, há pouco mais de 100 anos.

De acordo com o pesquisador alemão Elmar Altvater1, existe uma interdependência entre o desenvolvimento capitalista pós-revolução industrial e a utilização dos combustíveis fósseis como principal matriz energética. Para o autor o “capitalismo não é fossilista desde o começo, mas torna-se necessariamente fossilista na sua evolução”, uma vez que o uso da madeira enquanto fonte primária na grande indústria era limitado e pouco flexível e as fontes fósseis possuem muitas vantagens para o desenvolvimento do capitalismo, como a facilidade de locomoção e armazenamento. Acontece que outros dois processos se articulam e se agravam nos dias atuais: o desenvolvimentismo e o consumismo. O primeiro se refere à métrica do crescimento econômico por meio da produção de mercadorias e da maximização dos lucros privados.

A segunda noção está relacionada a permanente geração de demandas e a primazia do “valor de troca” sobre o “valor de uso” dos objetos, fazendo com que os mesmos tenham um tempo de vida mais curto e que precisem de substituição frequente. Além da entrada de recursos, esse modelo gera uma quantidade imensurável de rejeitos que muitas vezes não podem ser reaproveitados ou reciclados, formando as “montanhas de lixo eletrônico” em várias partes do mundo, principalmente em países periféricos. Apesar de a industrialização ter se iniciado nos países
da Europa e ainda ser o continente com a maior participação nesse setor, com a financeirização das economias, a globalização e circulação de mercadorias o modelo se tornou hegemônico em praticamente todo o mundo, mesmo que alguns países estejam inseridos no ciclo apenas como provedores de matéria-prima ou depósitos de rejeitos.

Da mesma forma que podemos afirmar que nem sempre o cenário foi de hegemonia do petróleo e gás, somos capazes de garantir que essa hegemonia enfrenta pelo menos duas questões importantes que podem inviabilizar a sua manutenção para as próximas décadas. A primeira refere-se aos limites ecológicos e biogeoquímicos do planeta que estão sendo ultrapassados com o aumento da concentração de Gases de Efeito Estufa na atmosfera, colocando toda a humanidade em risco com as mudanças climáticas.

A segunda questão é até mais óbvia. Tanto o petróleo como o gás natural são recursos não renováveis, portanto, são finitos e esgotáveis. Mesmo que levem anos para se exaurir todas as reservas (e contando que um caos climático global não se estabeleça antes disso), é certo que em algum dado momento esses recursos
vão acabar.

Como o petróleo se transformou ao longo dos últimos anos em um instrumento de poder na geopolítica mundial4 e as reservas são esgotáveis, a busca por novas fontes de hidrocarbonetos se transformou em prioridade para a maior parte dos países ditos desenvolvidos ou em desenvolvimento. Todos desejam a tão almejada “autossuficiência energética” para assegurar o crescimento econômico. Dentro desse contexto, os países passaram a explorar as denominadas “energias extremas”, como o pré-sal brasileiro e o gás não convencional, que aumentam os riscos geológicos, ambientais e sociais. A busca por novas fontes de petróleo e gás natural tem sido imperativo aos países ditos industrializados do globo.

Fraturamento hidráulico, ou mais conhecido como fracking, refere-se a uma técnica de extração de gás natural realizada principalmente em reservatórios considerados não convencionais. Os recursos associados a esses reservatórios são denominados dessa forma pois não estão dispostos “livremente” para extração, como ocorrem nos reservatórios convencionais, ao contrário, exigem o uso de técnicas específicas para liberar o gás e possibilitar sua extração. É nesse contexto que entra em ação o fracking, a técnica de extração de recursos não convencionais mais utilizada no mundo inteiro e que ficou mais conhecida a partir do “boom de gás natural” que ocorreu nos Estados Unidos nos últimos anos.

Entretanto, em várias partes do mundo aumentam os registros de impactos, conflitos sociais e ambientais envolvendo o uso dessa técnica. Alguns países (ou estados e cidades) já proibiram o uso do fracking em território nacional, como França, Bulgária, República Checa, Irlanda e Nova Iorque nos Estados Unidos, dentre outras. No Brasil ainda não existem relatos oficiais do uso dessa técnica para extração de recursos não convencionais, por isso, é urgente a necessidade de um amplo debate público sobre a possível expansão da indústria do fracking no Brasil e os
principais riscos e ameaças sociais e ambientais.

É nesse contexto que a presente publicação foi organizada. A coletânea de artigos é aberta pelo artigo do Observatorio Petrolero Sur, organização da sociedade civil com incidência no tema dos hidrocarbonetos na Argentina. O país do tango é também o principal produtor de gás não convencional atravé de fracking de toda a América do sul e já tem dados mais consolidados dos impactos e das injustiças ambientais. Por lá o que eram riscos têm se transformado em uma terrível realidade para os territórios, com contaminação das águas e do solo e expropriação dos moradores locais. Vale a pena conhecer uma realidade próxima a nossa para entendermos as implicações dessa técnica.

O artigo do pesquisador do Ibase Júlio Holanda faz uma breve contextualização histórica da chegada dessa ameaça em território nacional. Apesar de a passos lentos, se comparado com outros países, está evidente que há um avanço do fracking no Brasil, seja através dos dados publicados pelo Departamento de Energia dos EUA (EIA), apontando o país como uma das maiores reservas de recursos não convencionais no mundo, bem como as previsões do
Plano Decenal de Expansão de Energia 2024 (PDE) para inserção dessa fonte na matriz a partir de 2022. Mas certamente um marco importante foi a 12ª rodada de leilão de blocos da ANP em 2013 que explicitou pela primeira vez a possibilidade de extração desses recursos. A partir disso se abriu um novo cenário: a extração além de prevista em leilões da agência, passa a ter uma regulamentação específica, que autoriza a exploração de recursos não convencionais através do fracking em qualquer bloco já leiloado pela ANP.

Karine Narahara e Antônio Terra da Campanha Por um Brasil Livre de Fracking, ASCEMA Nacional e ASIBAMA-RJ apresentam os possíveis impactos socioambientais com o uso do fracking para extração de recursos não convencionais. A maior preocupação está relacionada com as transformações sobre o uso e ocupação do solo, principalmente por conta da maior parte dos blocos já leiloados pela ANP estarem em áreas de elevada biodiversidade, próximo de Unidades de Conservação e territórios de populações tradicionais. Estudos têm demonstrado que os impactos sobre a biodiversidade tem provocado mudanças na paisagem, fragmentação e redução de habitats, desestruturando ou até mesmo inviabilizando o funcionamento dos ecossistemas. Os autores destacam que apesar desses impactos estarem relacionados a cadeia produtiva de recursos convencionais a intensidade dos impactos produzidos pelo uso do fraturamento hidráulico para extração de recursos não convencionais tende a ser consideravelmente maior.

A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Bianca Dieile, argumenta em seu artigo que a utilização do fracking na exploração de recursos não convencionais gera mais impactos na saúde pública do que na exploração convencional. Isto ocorre em decorrência, principalmente, da maior densidade de poços, necessidade de maior estrutura logística, da composição química dos fluidos e da maior quantidade de água utilizada no processo técnico. Uma das maiores preocupações da autora está relacionada aos recursos hídricos, por conta do uso intensivo de água e o alto potencial de contaminação de aquíferos e fontes de água potável. Por isso, Bianca defende o “princípio da precaução” para o caso do fracking, que em havendo ameaças de danos à saúde pública e ao meio ambiente, medidas precautórias preventivas devem ser tomadas.

Ainda no tema dos recursos hídricos, Luiz Fernando Scheibe, Luciano Augusto Henning e Arthur Schmidt Nanni, pesquisadores da UFSC e do projeto Rede Guarani/Serra Geral fazem uma conceitual abordagem sobre as possíveis ameaças do fracking no principal Sistema Aquífero do Brasil: Guarani, Serra Geral e Bauru na bacia geológica do Paraná. Os autores constataram, após análise feita por meio de dados hidroquímicos e geoestatística, que ocorre uma “mistura das águas” envolvidas nas diferentes unidades geológicas do Sistema Aquífero, que se comportam, portanto, de forma integrada. Isso implica dizer que a interconexão entre as camadas mais antigas, como os folhelhos portadores de óleo e gás, com as camadas mais jovens, que constituem os aquíferos na bacia do Paraná ampliam consideravelmente as possibilidades de contaminação das águas potáveis, sobretudo com o uso do fraturamento hidráulico nessas regiões.

Uma das coisas que mais chamaram atenção na 12ª rodada de leilões da ANP realizada em 2013 foi a negociação de um bloco no Vale do Juruá no Acre. Fica evidente com isso a expansão das fronteiras extrativistas para os territórios indígenas. É sobre esse cenário que Elder Andrade de Paula, professor da UFAC e Paloma de Souza Ramos, bacharel em Ciências Sociais da UFAC aprofundam em seu artigo. Os autores demonstram que a história de ocupação dessa região pelos projetos ditos de desenvolvimento tem sido de permanente conflito com os interesses dos povos indígenas, seja com o ciclo da borracha, exploração convencional de petróleo e mais recentemente com o fracking. Um destaque é dado ao chamado “desenvolvimento sustentável” no Acre, noção muito utilizada pelo setor empresarial e agentes do estado que instrumentalizam esses territórios com vistas à obtenção de lucros adicionais.

Isso tem ocorrido a partir de práticas “ambientalizadas” das empresas, com uma suposta “responsabilidade ambiental”, mas que não altera em nada a dimensão perversa de suas ações nos territórios. No final do artigo os autores apresentam ações concretas de resistência local ao avanço do fracking no Vale do Juruá.

Um dos argumentos mais utilizados para defender a expansão da exploração de recursos não convencionais através do fracking é a utilização do gás natural como uma suposta “ponte” entre outras fontes fósseis, como carvão e petróleo, e as fontes renováveis. O professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e PhD em ciências atmosféricas, Alexandre Costa, demonstra em seu artigo que esta tese é inteiramente falaciosa. Conforme o autor, a concentração de metano na atmosfera aumentou impressionantes 150% desde o período pré-industrial e os dias atuais. Apesar do gás natural responder por metade das emissões de CO2 em referência a outras fontes, quando se considera as emissões fugitivas e o elevado potencial de aquecimento global do metano liberado em grandes quantidades no uso do fracking, torna-se descabido falar que esta fonte é “mais limpa” ou “mais amigável para o
clima”. Para Alexandre, é necessário que os EUA e demais países desenvolvidos apostem numa rápida e completa transição de suas matrizes energéticas, abandonando as fontes fósseis em seu conjunto e ampliando a participação das renováveis, principalmente no caso brasileiro.

Fechando a publicação, Cândido Grzybowski, Sociólogo e diretor do Ibase apresenta os principais desafios para a efetivação de uma cidadania ativa frente ao tema dos combustíveis fósseis. A atmosfera é um bem comum do planeta que está sendo destruída pela exploração e consumo da energia fóssil, em termos de justiça socioambiental, segundo o autor, a única saída é desarmar a bomba do uso dessas energias e superar a dependência do petróleo.

Cândido ressalta a contradição entre “territórios de cidadania” e “territórios para o capital”, em que o primeiro é criado como um bem comum, nem privado nem estatal, mas o espaço da cidadania, de todos e das resistências. O autor termina com as seguintes questões: “Como contrapor direitos de cidadania, com democracia e sustentabilidade, diante do capital que se confunde com óleo e dele se alimenta?”

Com esta publicação, o Ibase espera contribuir com o debate público acerca dos riscos e ameaças do fracking, e principalmente, da discussão mais ampla sobre a geração de energia, controle social e participação democrática, definição de políticas públicas e modelo de desenvolvimento em nosso país. Que a decisão sobre o futuro esteja nas mãos da cidadania.

Boa leitura!

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