Por Helena Borges e Ana Paula Blower
Dois estudos, um deles publicado pela revista americana Science e outro pela Universidade Estadual de Michigan (MSU), colocam em xeque a sustentabilidade das hidrelétricas. Tida como fonte energética “renovável e limpa” por parte dos estudiosos, as usinas construídas em barragens – como as do Brasil – começam a ser questionadas por uma parte dos cientistas especializados. Os autores de ambos os estudos discutem como o setor hidrelétrico precisa não apenas se concentrar na produção de energia, mas também incluir os impactos sociais e ambientais causados por barragens e reconhecer a insustentabilidade das práticas comuns atuais. Eles afirmam que a insustentabilidade não é apenas ambiental, mas também econômica; já que muitas das usinas não entregam o nível energético prometido.
Desde 2005, a Amazônia passou por três secas que quebraram todos os recordes históricos (e três anos de inundações extremas). Com isso, a barragem de Belo Monte no Rio Xingu, concluída em 2016, produzirá menos do que o prometido: serão apenas 4,46 dos 11,23 GW que fora construída para gerar, devido a níveis de água insuficientes e à variabilidade climática. A barragem de Jirau e a de Santo Antônio, na Amazônia brasileira, concluída há apenas cinco anos, por exemplo, devem produzir apenas uma fração dos 3 GW que foram projetados para cada uma produzir, devido à mudança climática e à pequena capacidade de armazenamento de reservatórios a fio d’água.
— A questão que se coloca é: Será que esse modelo é o que mais interessa do ponto de vista de custo benefício? Há estudos do próprio governo brasileiro que mostram, falando de maneira bem simples, que não adianta aumentar o tamanho da banheira se não tiver mais água para colocar nela — argumenta o geógrafo Brent Millikan, diretor da International Rivers, referindo-se ao tamanho das barragens que formam os reservatórios de água para as usinas hidrelétricas.
As represas impactam a ecologia dos rios, danificam as florestas e a biodiversidade, liberam grandes quantidades de gases de efeito estufa e causam o deslocamento de pessoas enquanto afetam os sistemas alimentares, a qualidade da água e a agricultura local.
Prazo de validade
Além disso, as barragens normalmente têm um tempo limitado de vida, que gira em torno de 30 anos. Isso faz com que elas sejam insuficientes como uma estratégia sustentável de longo prazo. Os especialistas clamam para que governos levem essa validade em consideração na hora de calcular o custo-benefício da obra.
O estudo “Energia hidrelétrica sustentável no século 21”, realizado pela Universidade Estadual de Michigan, aponta como as grandes represas hidrelétricas poderão se tornar uma fonte de energia ainda menos sustentável diante das mudanças climáticas. Segundo os pesquisadores, a preocupação dos impactos socioambientais deste tipo de energia renovável caem, sobretudo, nos países em desenvolvimento, que permanecem investindo na instalação deste modelo.
— Este artigo identifica que, para a energia hidrelétrica continuar a dar uma contribuição à energia sustentável, é preciso, para considerar os seus verdadeiros custos, sociais, ambientais e culturais, que podem estar envolvidos, e incluem aqueles nos preços da infra-estrutura, incluindo a eventual remoção da barragem, ao invés de mantê-los nos próximos 30 anos — disse Emilio Moran, professor de Geografia, Meio Ambiente e Ciências Espaciais na John A. Hannah Distinguished, que conclui. — Os benefícios da energia das barragens não superam os custos sociais e ambientais que o represamento dos rios acarreta.
Os pesquisadores observam que cerca de 3.700 represas que produzem mais de um megawatt estão planejadas ou em construção, principalmente nos países em desenvolvimento. O estudo faz ainda um alerta sobre como uma destruição em larga escala do ambiente poderia estar exacerbada pela iminente mudança climática.
“Os custos humanos das grandes barragens não são menos importantes”, diz o artigo. “As rupturas sociais, comportamentais, culturais, econômicas e políticas que as populações próximas às represas enfrentam são rotineiramente subestimadas.”
Protocolos ignoram sinergia entre reservatórios
Já o estudo “Balanceando a energia hidrelétrica e a biodiversidade na Amazônia, no Congo e em Mekong” faz um apelo para governos reverem os protocolos atuais de avaliação de impactos “que observam especificamente o local da obra” e que assim “ignoram amplamente os impactos cumulativos na hidrologia e no ecossistema quanto mais reservatórios são construídos em um mesmo rio”. E alerta:
“Para alcançar a verdadeira sustentabilidade, as análises dos próximos projetos devem ir além dos impactos locais, levando em conta a sinergia entre diferentes barragens construídas em um mesmo curso d’água, bem como mudanças provocadas pela cobertura de terras (pela água represada) e possíveis mudanças climáticas provocadas.”
América do Norte e Europa estão removendo barragens
Entre 1920 e 1970, as barragens tiveram um boom na América do Norte e na Europa. Atualmente, no entanto, há mais barragens sendo removidas nestes continentes do que sendo construídas. Isto ocorre por conta do impacto socioambiental negativo que causam.
No contra-fluxo deste movimento de mudança, países em desenvolvimento, como Brasil e República Democrática do Congo, indicam pesquisadores, seguem uma tendência recente de investir em novas hidrelétricas, particularmente em bacias hidrográficas de megabiodiversidade, como a Amazônia.