Texto originalmente publicado em 6 de março de 2009
Exemplos da força, garra e determinação das mulheres pantaneiras são colecionados pela Ecoa ao longo dos 10 anos em que atua junto às comunidades ribeirinhas. Determinadas na função de vislumbrar por um futuro melhor, são elas as grande responsáveis por melhorias em suas comunidades e, consequentemente, suas famílias.
No ano 2000, um relatório produzido pela Ecoa focando comunidades ribeirinhas, foi detectada a vulnerabilidade dos “isqueiros”, coletores de iscas vivas que abastecem o turismo de pesca do Estado. Para o trabalho, homens e mulheres ficavam imersos até o peito na beira dos rios sem nenhum material de proteção à mercê do frio e animais peçonhentos. Os isqueiros eram discriminados e, sequer, eram reconhecidos como profissionais.
Neste cenário, a Ecoa iniciou um projeto de Manejo de Iscas Vivas em Porto da Manga, à 60 km de Corumbá pela Estrada Parque Pantanal. Nela, encontramos Rosemeire Cruz de Souza. De seus 43 anos, 25 foram vividos nessa comunidade de pescadores de iscas, detentora de uma particularidade: 80% dos isqueiros são mulheres. “Elas gostam e levam jeito para a atividade e são mais caprichosas”, destaca Divaldo, exemplar masculino e Primeiro Secretário da Associação de Moradores do Porto da Manga.
O jeito espontâneo e comunicativo de Rose, naturalmente, a levaram ao papel de liderança local. “Sempre fui assim: comunicativa. As pessoas mesmo me procuravam quando precisavam de alguma ajuda. O pessoal aqui era muito tímido e eu já gosto de falar, então agora sou presidente da Associação”, explica.
Assim que chegou a Porto da Manga (na época com dois filhos, hoje tem sete e também cria um neto de 03 anos) Rose trabalhou como isqueira, mas logo conseguiu um emprego no hotel local, onde ainda trabalha. “Naquela época, era muito difícil o trabalho. Tinha muito mosquito, a gente não tinha roupa apropriada para a pesca. Ficar muito tempo com a roupa molhada dentro da água passando frio dava muita doença, principalmente para as mulheres. Isso mudou muito depois que a Ecoa chegou por aqui”, diz Rose referindo-se, principalmente, ao macacão impermeável adotado durante o projeto.
Apesar de não ser mais isqueira, Rose se preocupa com a situação das pescadoras: “A coleta é geralmente feita à noite [das 19 às 23 horas] e muitas não têm com quem deixar seus filhos. Às vezes, contratam meninas da comunidade para olhar as crianças, mas o ideal seria que uma profissional capacitada fizesse esse trabalho ou uma creche para esse horário. Essa será uma das reivindicações da Associação para este ano”.
Mãe de todos
Na remota comunidade da Barra do São Lourenço (onde é possível chegar apenas pelo rio Paraguai em uma viagem de 8 horas em lancha rápida), encontramos Joana Batista Gomes, 33 anos, casada. De jeito meigo e carismático seu primeiro grande sonho era ter uma escola na comunidade para poder ficar perto de seus três filhos (hoje tem quatro, “pegou pra criar” Jean de 6 anos). O desejo foi atendido em 2004, através de articulações da Ecoa junto a prefeitura de Corumbá. Visto o grande feito, ela realmente acreditou na ideia que a união traria benefícios a todos.
A ribeirinha mobilizou toda a comunidade e, com auxilio da Ecoa, em 2006 fundou a Associação de Moradores de Barra de São Lourenço, da qual é presidente. Com a implantação da escola inscreveu-se no programa de educação para jovens e adultos e conquistou o emprego de merendeira. De tão envolvida com a escola, dona Joana acabou por tornar-se mãe de todos, não só dos seus, mas também dos 22 alunos alojados na instituição.
Desde então, dona Joana já realizou vários outros sonhos: Viu a comunidade ter comunicação com o mundo por rádio e agora pela TV via satélite e pela internet (pelo projeto Navega Pantanal da Fundação Manoel de Barros) e conquistaram melhorias no atendimento à saúde. Seu atual grande sonho é ver todos os moradores da região legais em sua própria moradia. “Nós já estamos conseguindo o título das terras, né? Que era importante pra nós. Daí depois que a gente conseguir o título devagar nóis chega lá…”
Miranda: Homens e mulheres lado a lado
Como várias mulheres, Neuza dos Santos Xavier casou-se com um isqueiro e, há 25 anos, tomou a profissão para si. A atividade ajudou o casal a criar os dois filhos que, hoje pais de família, também tornaram-se isqueiros. A realidade de Neusa mudou quando o marido Liezé Francisco Xavier tornou-se liderança entre a categoria e preside, desde 2005, a Associação de Pescadores de Iscas de Miranda (APAIM).
Apoiada pelo marido, Neuza também tem papel fundamental na associação onde é 1ª secretária e defende a democracia dos gêneros na entidade: “Aqui na associação mulher atua tanto quanto homem. Nos 12 cargos de diretoria, 5 são de mulheres”.
Com a implantação de boas práticas no manejo de iscas vivas (coleta, armazenamento e transporte) e o desenvolvimento de equipamentos de segurança, as famílias de isqueiros tiveram melhorias na qualidade de vida e aumento de renda. Os bons resultados não afastaram as mulheres da profissão, mas diminuíram seu tempo de permanência dentro d’água, o que para Neuza é uma grande conquista. “Esse tempo em que não estamos na coleta podemos ficar mais com a família, cuidar melhor dos filhos”, explica.
Neuza resume bem a importância das mulheres no sucesso nas comunidades: “Mulher tem sonho! Tem mais interesse por querer o melhor, então elas exigem mais e querem resultados que durem”.