Via Science, com tradução do Jornal da Ciência
Por Herton Escobar
O desenvolvimento, em grande parte ilegal, destruiu mais de 9.700 quilômetros quadrados de floresta amazônica brasileira no ano que terminou em julho, de acordo com uma estimativa do governo divulgada na última segunda-feira (18/11) – um aumento de 30% em relação ao ano anterior e a maior taxa de desmatamento desde 2007-08.
O número é baseado na análise de imagens de satélite Landsat de alta resolução pelo Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia por Satélite (PRODES), administrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (Inpe). A estimativa confirma indicações de aumento da perda de floresta relatada no início deste ano por um sistema diferente, o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER), que usa imagens de satélite de baixa resolução para monitoramento em tempo real de atividades ilegais na floresta.
Muitos cientistas e ambientalistas colocam a culpa pelo aumento do desmatamento nas políticas agressivas do presidente Jair Bolsonaro para apoiar a mineração e a pecuária e desmontar as proteções ambientais. Mas o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que o aumento do desmatamento continua uma tendência iniciada em 2012, antes da eleição de Bolsonaro. A Science perguntou a Philip Fearnside, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, quem está certo. Esta entrevista foi editada para maior clareza e brevidade.
P: O governo brasileiro argumenta que estamos olhando para a continuação de uma tendência crescente iniciada em 2012 – não um desvio que possa ser atribuído ao atual governo. Como você vê isso?
R: O aumento do desmatamento em 2019 pode ser definitivamente atribuído ao governo Bolsonaro, apesar de duas vezes desde 2012 [em 2013 e 2016], a taxa de desmatamento ter se aproximado da porcentagem de crescimento deste ano. Deve-se lembrar que os dados do PRODES cobrem apenas o ano até 31 de julho. A taxa de desmatamento nos meses seguintes explodiu para níveis muito acima daqueles dos mesmos meses do ano anterior [de acordo com dados do DETER], atingindo 222% acima do valor de agosto de 2018. Essa parte do efeito Bolsonaro só será refletida nos números do PRODES, que serão lançados daqui a um ano.
P: Quais ações e/ou palavras específicas do governo Bolsonaro contribuíram mais para esse aumento do desmatamento, na sua opinião?
R: A mudança resulta tanto da constante retórica antiambientalista quanto de ações concretas de desmantelamento das agências ambientais do país e na suspensão efetiva de multas por desmatamento ilegal. A retórica e os retrocessos institucionais estão documentados em detalhes em um artigo recente em que eu fui coautor. O discurso do presidente e seu ministro do meio ambiente envia uma mensagem clara de que não haverá consequências pela violação das leis ambientais. Quando os ministros do Meio Ambiente e da Agricultura visitaram uma plantação ilegal de soja em uma área indígena no Mato Grosso, posaram para fotografias com as máquinas e elogiaram a operação. Os que estão na fronteira do desmatamento não seguem a publicação de decretos e leis no diário oficial do governo nem leem os detalhes das mudanças legais relatadas nos principais jornais. Em vez disso, suas informações vêm das mídias sociais que rapidamente divulgam as notícias de cada discurso do presidente e de seus ministros contra agências ambientais e ONGs [organizações não-governamentais].
P: Por que o desmatamento está aumentando desde 2012? O que estava acontecendo antes de Bolsonaro aparecer?
R: O desmatamento aumentou desde 2012 devido ao aumento contínuo de forças que causam a perda de florestas, como mais estradas que dão acesso à floresta, uma população crescente e mais investimentos. O efeito indireto da expansão da soja, sem dúvida, desempenhou um papel importante, com os plantadores de soja comprando muitas fazendas de gado no estado de Mato Grosso – não apenas na antiga floresta amazônica, mas também na área de savana do Cerrado. Esses fazendeiros usam o dinheiro das vendas de terras para comprar terras muito mais baratas na floresta amazônica mais ao norte, especialmente no estado do Pará, onde derrubam florestas em larga escala para estabelecer novas fazendas. O Pará é o maior contribuinte para o desmatamento desde 2006, quando superou o Mato Grosso.
P: Quais são suas perspectivas para 2020?
A: São sombrias. Os dados do PRODES para o próximo ano incluirão o desmatamento ocorrido desde agosto, que agora totaliza pelo menos 3.929 quilômetros quadrados, com base no sistema de monitoramento DETER. Nada mudou no discurso da administração presidencial e o desmantelamento das instituições ambientais do país continua. Várias estradas, barragens e outros projetos planejados na Amazônia levarão a mais desmatamentos.