Por Alcides Faria, biólogo e diretor executivo da Ecoa
Texto elaborado com base no artigo “A caixa d’água pantaneira – Mudanças climáticas aceleram desequilíbrio nos mecanismos naturais do Pantanal”, publicado na Revista da Unesp* e no artigo “Functional fluvial landforms of the Pantanal: Hydrologic trends and responses to climate changes” do Journal of Science Earth South America, publicado em novembro de 2022, de autoria de Ivan Berger e Mario Assine
Ivan Berger (Embrapa) e Mario Assine (Unesp de Rio Claro) estudam como as mudanças climáticas afetam o Pantanal. Assine caracteriza o Pantanal, em si mesmo, como algo “completamente diferente … lá, veem-se rios se formando a todo momento, características geológicas únicas, e ainda por cima há a interação com os biomas Cerrado e Amazônia”.
Segundo os pesquisadores, os processos tectônicos e erosivos são acompanhados pelas variações naturais do clima. Essa variabilidade climática em curso no Pantanal modula a magnitude da descarga fluvial de ano para ano na região, assim como a carga de sedimentos das terras altas às planícies. Afeta também a recarga das águas subterrâneas, bem como o afundamento e a acomodação dos traçados fluviais. O trabalho reforça a tese – já apresentada pela equipe de Assine em trabalhos anteriores – de que a região, pelo menos nos últimos 100 mil anos, período sob foco do grupo, tem abrigado um processo característico conhecido como avulsão fluvial.
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Os materiais em suspensão de maior espessura ficam pelo caminho quando chegam à planície, onde a declividade é muito baixa, com diferença muito pequena de altitude tanto no sentido Leste-Oeste como no Norte-Sul. Tal processo gera um entupimento do rio.
O maior megaleque identificado na pesquisa é o do rio Taquari, mas existem outros menores, como o do rio Negro. Assine diz que o Pantanal é uma “dádiva geológica”, onde os rios são “nômades”.
Neste contexto, que escancara o fato de a região ser um grande reservatório aquático, onde a água proveniente das chuvas nos planaltos sobe e desce ao longo dos anos, é que se assentam as mudanças climáticas globais.
Além do novo padrão climático, o desmatamento na Amazônia e no Cerrado – e ele está em alta, segundo as análises mais recentes feitas por sistemas como o do INPE – joga mais sedimentos nos rios. Esse processo vai acelerar o redesenho dos megaleques, alterando bastante as feições pantaneiras.
A análise de tendências feita pela dupla de pesquisadores sugere que a intensidade da precipitação no verão e o número de dias secos no outono/inverno por causa das mudanças climáticas têm aumentado consistentemente. Dessa forma, observa-se mais chuva e uma maior carga de sedimentos nas estações chuvosas e um maior déficit hídrico nas estações secas.
Restauração
Assine e Berger entendem que a restauração é uma das soluções para a crise e ela deve partir de uma visão transversal do Pantanal. Segundo eles, existem uma série de ferramentas ecohidrológicas que podem ser usadas para melhorar os serviços ecossistêmicos do bioma.
São processos que devem englobar também as áreas de cabeceiras dos rios no Cerrado e a manutenção das florestas na Amazônia.