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Pesquisadoras alertam que os danos do fogo no Pantanal podem ser maiores do que se supõe

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As cinzas estão causando impactos não visíveis aos nossos olhos e o fogo catalisa a perda das grandes árvores em regiões de floresta alta nas margens dos rios.

Usar fogo nesse ambiente sem saber ao certo qual é o impacto é um risco gigantesco.

Há um conjunto de plantas que são de áreas inundáveis. Esse grupo não é resiliente a fogo.

– Não existem dados para se fazer qualquer afirmação sobre as consequências do fogo no Pantanal.

Juliana Arini

As cicatrizes dessas queimadas podem ser muito piores do que se supõe. Existe um senso comum que considera o Pantanal uma região resiliente ao fogo, para muitos, o fogo na região seria muitas vezes causado por combustão natural. Porém, para pesquisadores que atuam há décadas na paisagem pantaneira, as queimadas geram muito mais perdas da biodiversidade do que o ambiente consegue repor de forma natural.

“O Pantanal é um encontro de paisagens com vários ecossistemas e fitofisionomias como de Cerrado, Mata Atlântica e até Amazônia no Pantanal Norte.  Muitas das espécies não reagem ao fogo da mesma forma”, afirma Alcides Faria, diretor da ECOA.

Alcides Faria, diretor da Ecoa.

Para Carolina Joana da Silva – Presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera do Pantanal e professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), até para o combate aos incêndios o uso do fogo deve ser considerado com cautela. “No Pantanal temos reserva de necromassa (biomassa excessiva), isso faz com que as plantas aquáticas começam a fazer uma sucessão de camadas de vegetação que crescem pra baixo, criando o batume e as grandes ilhas de vegetação. Na seca o foco nessas regiões é subterrâneo e pode durar meses como em 2020. Quando chove esses locais se tornam grandes depósitos de enxofre, o que causa a morte de milhares de peixes. É por isso que para o pantaneiro, a ´dequada´ pode ser embatumada, ou seja, potencializada em muitas vezes”.

O fogo nas ilhas de vegetação também afeta a capacidade do Pantanal em fixar carbono. Para Carolina Joana o uso do fogo pra combate aos incêndios não pode ocorrer próximo as essas regiões que formam o batume na seca.  E sim em áreas altas, porque nessas regiões não tem controle. Outro grave problema são as cinzas.

Carolina Joana da Silva, da Unemat, discutiu as complexidades do bioma pantanal (Fotos: Ricardo Machado/IHU)

“As cinzas estão causando impactos não visíveis aos nossos olhos.  Em 2020 as imagens dos incêndios eram de jacarés e onças sendo queimados. O que aconteceu com o que não vemos? As cinzas quando são levadas para as águas entram no sistema aquático e são incorporadas. Estamos finalizando um estudo, ainda não publicado, e o que foi visto no microscópio é uma letalidade de 70%, entre indivíduos menores e microrganismos. Esses são animais aquáticos que representam a base da cadeia alimentar no Pantanal. E pior, nem sabemos ainda se essa fauna aquática se recompôs, ou se houve redução. Usar fogo nesse ambiente sem saber ao certo qual é o impacto é um risco gigantesco”, conclui Carolina Joana.

Para a doutora Cátia Nunes da Cunha, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas – INAU, sequer existem dados para se fazer qualquer afirmação sobre as consequências do fogo no Pantanal. “Primeiro temos que lembrar que o conhecimento científico até agora foi produzido em um período de muita umidade no Pantanal. Até o ano 2000 foram anos com muitas inundações, o que favorece muitas espécies expandirem mais, com foco nos organismos de água e dos habitats protegidos por essa água. Mas, de 2000 até 2019 a umidade foi reduzindo, como uma nova fase, que culminou no grande incêndio de 2020. Hoje, entramos em um período de grandes secas, com registros de que em 2024 teremos menos água do que em 1960, considerada a pior da história do Pantanal.  O que estamos assistindo é uma mudança radical desta paisagem pantaneira adaptada a abundância das águas”, explica Cátia Nunes.

A pesquisadora alerta que o fogo vem catalisando esta mudança de paisagem gerada pela seca no Pantanal. “Recentemente tivemos muitas áreas queimadas, principalmente em mundurucus (terras altas), como cambarazais e paratudais, com parcelas permanentes que foram totalmente dizimadas, não sobrou nada. Toda vegetação torrou e virou campo, e a parte florestal se perdeu por completo. Também verificamos que mesmo as fazendas que não tiveram fogo, perderam seu cambarazal e  acurizeiros. Até as pimenteiras morreram pela seca. Neste tipo de área, não é possível falar que a vegetação terá um comportamento similar ao cerrado e se recuperar”, explica Cátia Nunes.

Segundo a pesquisadora há um conjunto de plantas que são de áreas inundáveis. Esse grupo não é resiliente a fogo, como os akaia, aboboreira e bacupari, um conjunto de espécies que hoje são adaptadas a inundação e não tem proteção ao fogo. Um segundo grupo de plantas  que podem ter grandes perda com o fogo são as gramíneas.  Temos como exemplo os arrozais silvestres, que estão desaparecendo. O fogo compromete inclusive as sementes. Na Rodovia Transpantaneira, em Poconé, na fazenda Santo Antônio, os arrozais atingidos pelo fogo viraram areia pura”, explica a pesquisadora.

A única solução possível nesse tipo de vegetação pantaneira é recuperação das áreas. O que implica na proteção do que será reflorestado em no mínimo 30 ou 40 anos para novos incêndios. Com um cenário de mudanças climáticas e aumento severo de secas e fogo, fica cada vez mais difícil termos esta garantia. “Se seguirmos o atual padrão, os jovens e crianças de hoje não irão conseguir conhecer o que foi o Pantanal antes dos grandes incêndios”, alerta a pesquisadora.

Cátia Nunes da Cunha. Arquivo pessoal.

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