Catherine Early, Diálogo Chino
Zonas úmidas, como pântanos, turfeiras, várzeas e mangues, não são muito populares quando se fala de conservação. Oceanos e florestas tropicais tendem a atrair mais atenção.
“As pessoas não entendem as áreas úmidas ou as enxergam como terrenos baldios, e não como algo a ser protegido”, diz Richard Hearn, diretor de políticas internacionais no Wildfowl and Wetlands Trust (WWT), organização de proteção ambiental com sede no Reino Unido.
“Além disso, talvez a comunidade da conservação ambiental não tenha batido suficientemente na tecla da importância das zonas úmidas no passado”, acrescenta Hearn.
Recentemente, uma ação coordenada entre ambientalistas resultou no reconhecimento das zonas úmidas entre as metas do novo marco global de biodiversidade, firmado na cúpula da ONU sobre biodiversidade em Montreal, em dezembro. Governos se comprometeram a assegurar que, até 2030, 30% das áreas úmidas degradadas sejam restauradas e outros 30% sejam protegidas.
Sua importância para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas também foi reconhecida nos acordos climáticos da ONU, bem como no Marco de Sendai para a Redução de Risco de Desastres e nas Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU. As turfeiras, por exemplo, que formam a metade das áreas úmidas do mundo, armazenam o dobro de CO2 em comparação com todas as florestas. As zonas úmidas também podem absorver o excesso de água das chuvas e das marés.
Sob ameaça
Mas a crescente conscientização sobre esses ecossistemas, que incluem pântanos, mangues, rios e lagos, pode chegar tarde demais. Eles cobrem cerca de 1,6 bilhões de hectares, segundo o mais recente relatório global da Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas. Além disso, eles representam 3% da superfície do planeta, mas abrigam 40% das espécies, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza.
As áreas úmidas armazenam quase um terço do carbono presente no solo e ajudam na subsistência de mais de um bilhão de pessoas por meio de atividades como pesca e cultivo de arroz, segundo a organização Wetlands International.
Mas as zonas úmidas estão em apuros. Conforme a Convenção de Ramsar, cerca de 35% desses ecossistemas foram destruídos desde 1970, soterrados pelo desenvolvimento, drenados para a agricultura ou, no caso de turfeiras, escavadas e utilizadas como combustível ou fertilizante.
A poluição de diversas fontes – como microplásticos, vazamento de fertilizantes, antibióticos e produtos químicos – representa uma nova e crescente ameaça. “A poluição que vemos em nossas áreas úmidas se torna cada vez mais complexa. Há um coquetel mortal de elementos nessas águas”, segundo o Ritesh Kumar, diretor da Wetlands International no Sudeste Asiático.
Enquanto isso, as mudanças climáticas provocam perda de áreas úmidas por meio de secas, desertificação e erosão costeira. A acidificação oceânica e o aumento da temperatura da superfície do mar aceleram as ameaças existentes, diz o relatório de Ramsar.
O último relatório Living Planet Index, da WWF, estima que cerca de 25% de todas as espécies em zonas úmidas estão ameaçadas de extinção, principalmente as de água doce, que chegam a 83%.
Países podem colocar uma área sob proteção, mas não há um método muito sólido de acompanhamento
“Estamos perdendo esses corpos d’água mais rapidamente do que outros ecossistemas e perdemos a biodiversidade de maneira ainda mais rápida”, diz Elisabeth Bernhardt, coordenadora da Rede Global de Adaptação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
As zonas úmidas são os únicos ecossistemas a ter sua própria convenção. A Convenção de Ramsar foi criada em 1971 para impulsionar um uso mais sustentável desses biomas. Os atuais 172 países que assinam o tratado são obrigados a apresentar pelo menos uma área úmida à rede Ramsar para sua conservação.
Atualmente, há mais de 2,4 mil áreas de Ramsar em todo o mundo. Elas cobrem mais de 250 milhões de hectares, área maior do que o México e quase do tamanho da Argentina. Porém, essa classificação não é garantia de preservação. O próprio relatório da Ramsar afirma que o avanço da agricultura destruiu metade de suas áreas de conservação.
Um exemplo de má gestão é o Parque Nacional Donaña, no sul da Espanha, que não é apenas uma área Ramsar, mas também uma Reserva da Biosfera da Unesco e Área de Proteção Especial da União Europeia.
Apesar dessas denominações, cientistas alertaram que o parque – cujas marismas, dunas e lagoas são utilizadas por aves migratórias ameaçadas de extinção – enfrenta uma “sentença de morte” devido ao bombeamento não regulamentado de águas subterrâneas por fazendas que produzem morangos e mirtilos em grandes estufas. Por um lado, o governo espanhol se opôs à extração de água; por outro, o governo regional da Andaluzia aprovou sua legalização.
Elisabeth Bernhardt explica que os compromissos de Ramsar não são vinculantes, e sim voluntários. “Os países podem colocar um local sob proteção, mas não há um método muito sólido de acompanhamento… Não creio que a rede Ramsar tenha capacidade para realmente medir e monitorar a implementação desses compromissos”.
Metas específicas para áreas úmidas sob compromissos climáticos podem ajudar a preencher essa lacuna, diz Bernhardt.
Ramsar também carece de mecanismos financeiros próprios, deixando os países sem recursos para a preservação, aponta Ritesh Kumar, da Wetlands International. “Houve cerca de 350 resoluções e recomendações nas últimas 14 reuniões da Ramsar. A implementação de tudo isso não pode vir dos orçamentos nacionais”, diz.
No entanto, especialistas elogiam a convenção por manter as zonas úmidas na agenda internacional. “O principal empurrão para a inclusão das áreas úmidas no Marco Global de Biodiversidade foi ter a resolução de Ramsar pedindo às partes que considerassem as áreas úmidas de maneira sistemática”, explica Kumar.
Nova abordagem para proteger áreas úmidas
Agora que as zonas úmidas têm um novo status nos acordos ambientais da ONU, países precisarão descobrir a melhor maneira de implementar sua proteção e restauração.
De acordo com Ruchard Hearn, da WWT, ainda é possível expandir a lista da rede Ramsar para cumprir a meta de proteção de 30% das áreas úmidas: “A Ramsar tem critérios próprios para a identificação de áreas úmidas de relevância internacional. Por isso, algumas áreas podem não atender a esses critérios e precisam ser protegidas de outras maneiras, mas o ideal seria conseguir o maior número possível áreas protegidas sob a Ramsar”.
Ele alerta que algumas áreas úmidas degradadas já estão protegidas e, portanto, é crucial evitar a criação de mais “parques de papel”, onde não há gestão efetiva ou fiscalização.
Diante do esgotamento das áreas úmidas no mundo todo, a meta de restauração pode ser mais importante que o de proteção, diz.
Kumar aponta para a necessidade crescente de restauração de zonas úmidas para ajudar na mitigação e adaptação climática, uma estratégia fora do radar nas discussões convencionais de conservação, e acredita que isso exige uma abordagem diferente.
“Não se trata apenas de restaurar para conservar as espécies, mas colocar uma meta em resultados setoriais, como a redução do risco de desastres, melhor estocagem de carbono e melhor adaptação climática”, defende Kumar.
Para conseguir isso, uma melhor governança será essencial, diz. “A parte científica é fácil, a ecologia é muito robusta. Mas precisamos facilitar o acesso aos sistemas de tomada de decisão, para torná-los inclusivos”. Há pessoas que dependem das áreas úmidas na maioria dos lugares onde eu trabalho. O contexto de desenvolvimento também precisa ser considerado”.
Kumar cita o Lago Chilika, uma enorme lagoa costeira no leste da Índia, como exemplo de restauração. Foi declarado morto nos anos 1990, após perder sua conexão com o mar. Há cerca de 20 anos, a Wetlands International começou a trabalhar com o governo indiano para restaurar essa ligação. Os golfinhos-do-irrawaddy aumentaram de cerca de 20 espécimes para 150, e a vegetação marinha cresceu para 12.000 hectares.A restauração da Chilika também aumentou as capturas pesqueiras em seis vezes, contribuindo para a subsistência de quase duas milhões de pessoas. Uma análise econômica constatou que cada rupia que o governo gastou na restauração resultou em pelo menos sete rupias de benefícios para a pesca, turismo e captura de carbono, de acordo com Kumar.
A vontade política foi vital para o sucesso desse projeto de restauração, diz ele. “Quando o ministro responsável diz em uma reunião que Chilika é seu patrimônio e de toda a sociedade e que, portanto, não vai permitir absurdos, todo o resto se resolve”, diz.
O novo contexto para a restauração de zonas úmidas também pode aumentar seus recursos. O Pnuma, da ONU, defende que as zonas úmidas recebam mais financiamento para soluções baseadas na natureza, tanto para a adaptação climática quanto para a mitigação.
“Quando quebrarmos essa trava e realmente compreendermos o potencial de armazenamento de carbono das áreas úmidas, e por que não podemos nos dar ao luxo de perdê-las ou deixá-las secar, acho que veremos avanços”, diz Bernhardt.