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Rede Pantanal solicita ao Ministério Público Federal investigação sobre dragagem no Pantanal

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Foto: Arquivo Ecoa

A Rede Pantanal enviou uma carta ao Procurador Federal que atua em Corumbá (MS), Leandro Bacich Scarabel Soares, solicitando investigação sobre obras de dragagem no Pantanal.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) anunciou que Ordens de Serviço seriam expedidas para dragagem nos rios Madeira e Paraguai. No caso do rio Paraguai, rio que atravessa o Pantanal, a nota informa que a obra seria realizada n  trecho norte do Rio Paraguai, entre os municípios de Cáceres (MT) e Corumbá (MS).

O que é dragagem e como isso ameaça o Pantanal?

 

Carta ofício Coordenação da Rede Pantanal

Campo Grande, Cuiabá e Cáceres em 23 de Julho de 2024

A/C Senhor Leandro Bacich Scarabel Soares

Procurador Federal no Ministério Público Federal, Corumbá, Mato Grosso do Sul

Assunto: Liberação de obras no Pantanal pelo Departamento Nacional de lnfraestrutura de Transportes (DNIT)

Senhor Procurador,

No último dia 25 de junho de 2024, o site gov.br publicou notícia do Departamento Nacional de lnfraestrutura de Transportes (DNIT) informando sobre dragagens nos rios Madeira e Paraguai. No caso do rio Paraguai, como o senhor é sabedor, trata-se de dragagem no trecho no qual o rio atravessa o Pantanal.

A notícia reza que a “Ordem de Serviço no trecho Norte do Rio Paraguai, entre os municípios de Cáceres, no estado do Mato Grosso, e Corumbá, no estado do Mato Grosso do Sul” seria expedida nas próximas semanas. Para justificar tal Ordem de Serviço o DNIT informa, erroneamente, que o trecho do “Rio Paraguai entre Cáceres e Corumbá desempenha um papel crucial na navegação e economia da região Centro­ Oeste do Brasil. Essa hidrovia é essencial para o transporte de carga e passageiros, proporcionando acesso a importantes centros urbanos e portos locais.” Não desempenha tal papel.

Na busca pela Ordem de Serviço anunciada no dia 25/6/2024, citada acima, no mesmo site da informação original (gov.br) não a encontramos – ao que parece ainda não foi exalada até a data de hoje, 23/7/2024.

A partir da informação original consideramos dirigir-nos ao senhor para solicitar investigação específica sabre as obras programadas pelo órgão governamental e anunciadas publicamente, tendo em conta que:

a) A notícia do DNIT apresenta a possibilidade de se autorizar obras no que denominam “Tramo Norte”, parte da Hidrovia Paraná Paraguai com mais de 680 km de modo indefinido, podendo impactar áreas de extrema importância ambiental;

Análise sobre o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Hidrovia Paraná-Paraguai

b) Este trecho do rio Paraguai atravessa a parte mais pristina do Pantanal, com pouquíssima presença humana, onde se localiza a Reserva Ecológica Tayamã e o Parque Nacional do Pantanal, estas estão entre as mais importantes unidades de conservação do Brasil e, com certeza, as mais valorosas do Pantanal;

c) Os planos para a Hidrovia, apresentados a partir da década de 80 do século passado, sempre tiveram como um dos maiores riscos para o Pantanal obras no rio Paraguai exatamente em partes dos 680 Kms do Tramo Norte, pois além das dragagens anunciadas incluem retiliniza96es de alto impacto local e com repercuss6es nas dinâmicas hidrol6gica, biol6gica e econômica, esta ultima totalmente dependente das duas primeiras. Vários estudos e analises demonstram com clareza os efeitos de tais ações;

d) O Pantanal, há alguns anos, enfrenta em sua bacia, a do rio Paraguai, secas extremas – uma das causas dos incêndios devastadores -, com baixa no nível do rio, impeditiva de navegação de barcaças com minérios a partir de Corumbá (MS) em 30 dos últimos 60 meses;

e) Amplamente demonstrado por estudos desde a década de 90 do século passado a dragagem para aprofundamento do leito do rio Paraguai certamente reduzira a área de inundação, trazendo danos para as relações ecológicas e aumentando as possibilidades de incêndios por se ter menos áreas ocupadas pelas águas;

f) Na segunda metade de 2023 o Tribunal de Contas da União (TCU) fez auditoria em contrato do DNIT, de R$ 81 milhões, destinados a dragagens e outras intervenções no rio Paraguai. Uma das conclusões do Tribunal foi relacionada às “fragilidades nos levantamentos hidrográficos anteriores e posteriores à dragagem”, medidas que, rigorosamente, deveriam ser a base para qualquer plano de intervenção. Sem tais levantamentos se tem um horizonte de dragagens a esmo?

g) As mudanças climáticas e a sucessão de eventos extremos na bacia do rio Paraguai requerem novos parâmetros para a tomada de qualquer decisão quanto a iniciativas relacionadas ao Pantanal. Obras como as que podem vir da Ordem de Serviço do DNIT para serem executadas nas condições hidrológicas atuais certamente serão um claro desperdício de recursos públicos;

Por fim registramos que as informações anotadas pelo DNIT de que o rio Paraguai, entre Cáceres e Corumbá, “desempenha um papel crucial na navegação e economia da região Centro-Oeste do Brasil” e que é essencial no “transporte de carga e passageiros, proporcionando acesso a importantes centres urbanos e portos locais”, é falsa, pois, como é de vosso conhecimento, os únicos dois centros urbanos existentes são exatamente os indicados, sendo que Cáceres tem uma população de 95 mil habitantes e Corumbá outros 96 mil. Não existe qualquer conexão econômica direta entre os dois “centros urbanos”. Ambos têm como acesso principal rodovias que os liga diretamente às capitais.

Colocamo-nos à disposição para qualquer nova elucidação que o senhor julgue necessário.

Assinam este ofício grupos e organizações hoje responsáveis pela coordenação da Rede Pantanal, Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal – CerraPan, lnstituto Gaia, lnstituto Caracol e Ecoa – Ecologia e Ação. A Rede, desde sua fundação, é formada por 30 organizações não governamentais, movimentos sociais, comunidades tradicionais e populações indígenas; e que constitui uma importante referência para a sociedade civil, promovendo participação e representatividade nos processos de planejamento e iniciativas relacionadas ao Pantanal e Bacia do Alto Paraguai.

 

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