Desde 2023, a Paisagem Modelo Pantanal vem se consolidando como um território de inovação em práticas que conciliam produção de alimentos, restauração ecológica e fortalecimento da agricultura familiar. Um dos pilares desse processo é a implementação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) no Assentamento Rural 72, em Ladário (MS), que mostra na prática como é possível recuperar áreas degradadas e, ao mesmo tempo, garantir qualidade de vida para as famílias assentadas.
Os SAFs são uma alternativa sustentável ao modelo convencional de monocultivo: integram árvores, frutíferas, cultivos agrícolas e, em alguns casos, criação de animais, em um mesmo espaço produtivo. Essa diversidade fortalece o solo, regula o ciclo da água, protege contra erosão, amplia a resiliência frente às mudanças climáticas e ainda gera alimentos saudáveis, madeira, lenha e frutas para autoconsumo e comercialização.
A primeira etapa do trabalho, realizada em 2023, contou com planejamento técnico e participativo e a consultoria da agroflorestora Júlia Vilela, que ministrou capacitação teórico-prática para as famílias. Foram escolhidos seis lotes para iniciar a implementação, respeitando as condições locais de solo, água e perfil produtivo das famílias. O processo envolveu desde o cercamento das áreas para evitar a entrada de animais, até a construção dos canteiros agroflorestais, instalação de irrigação solar por gotejamento e o plantio de espécies nativas, frutíferas e de serviço. Luciana Vicente e Sérgio [sobrenome] realizam o acompanhamento técnico com os moradores.
Em 2024, inicialmente 6 SAFs foram iniciados e depois mais 4. Em 2025, 13 estão ativos. Nessa segunda fase, além da expansão, foi criado um programa de monitoramento participativo, permitindo que as próprias famílias avaliassem a saúde dos sistemas e buscassem soluções para desafios como o ataque de formigas cortadeiras e cupins ou o entupimento das mangueiras de irrigação. Ainda assim, a adoção de irrigação solar tem se mostrado fundamental para enfrentar as secas prolongadas que vêm se intensificando no Pantanal.
Entre as espécies cultivadas, estão árvores como guapuruvu, jenipapo, seriguela, angico e moringa, além de frutas como pitanga, jabuticaba, manga, abacate e goiaba. As linhas também receberam cultivos anuais como mandioca, milho, feijão e hortaliças, garantindo colheita desde os primeiros anos de implantação. O esforço coletivo foi essencial: as famílias, junto da Associação de Pequenos Produtores Rurais do Assentamento 72, participaram ativamente do plantio e da manutenção dos sistemas.
Os canteiros foram arados com auxílio de tratorito motocultivador para finalizar a descompactação e incorporar os corretivos e adubos no solo. Os canteiros, após o plantio, foram cobertos com uma generosa camada de madeira e palha até uma altura de 20 cm ou mais. Essa cobertura vegetal ajuda a manter a temperatura e a umidade do solo adequada para o desenvolvimento das plantas do sistema e favorece a diversidade da fauna do solo que condicionam a qualidade de aeração e disponibilidade de nutrientes essenciais para as plantas. Além disso, a cobertura vegetal previne a entrada de plantas invasoras nos sistemas, como as ervas daninhas e capim.
Para evitar a invasão das plantações por animais indesejados, cercas com tela e fio de choque foram instaladas ao redor dos SAFs.
No total, apenas em 2025, foram plantadas 1.516 mudas e sementes em 0,5 hectares, beneficiando diretamente seis novas famílias. As áreas menores foram pensadas para facilitar o manejo, especialmente para famílias compostas por pessoas idosas, permitindo que mantenham independência produtiva e segurança alimentar de forma sustentável. Muitas dessas famílias, que até então nunca haviam trabalhado com SAFs, já estão ampliando suas áreas à medida que ganham experiência e confiança.
A água sempre foi um dos maiores desafios para a agricultura no Assentamento Rural 72. Localizado em uma região onde as secas se tornam cada vez mais longas e severas, muitas famílias desistiram de plantar por medo de perder todo o esforço diante da falta de chuva. Durante as visitas iniciais do projeto, essa preocupação apareceu em praticamente todos os relatos: como manter as mudas vivas em meio à irregularidade das chuvas e à estiagem cada vez mais intensa no Pantanal?
Foi a partir dessa realidade que a implantação dos sistemas de irrigação por gotejamento alimentados por energia solar se tornou um divisor de águas. Cada família recebeu uma bomba solar e todo o material necessário para montar a irrigação em seu SAF. Essa tecnologia, de baixo impacto ambiental, garante o uso eficiente da água disponível, reduz o desperdício e mantém as plantas vivas mesmo nos meses mais secos.