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“Sou o dono da festa, mas aqui quem recebe os primeiros cumprimento dos visitante é o meu amigo São Pedro”

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Festa de São Pedro na comunidade da Barra do rio São Lourenço com música, comida e muitas histórias. Foto: Silvia Santana Zanatta.

“Sou o dono da festa, mas aqui quem recebe os primeiros cumprimento dos visitante é o meu amigo São Pedro”

 – Ou como aprendi que o Pantanal tem muito mais surpresas do que se pode imaginar.

Silvia Santana Zanatta*

Texto de Silvia Zanatta
Texto de Silvia Santana Zanatta

Era dia 29 de junho de 2010, tudo indicava que seria só mais uma manhã de trabalho, igual tantas outras que já havia enfrentado no Pantanal, não fosse pela incumbência que recebi da equipe que eu acompanhava. Pois, naquele dia era necessário que alguém deixasse a comunidade da Barra do rio São Lourenço – pelo rio Paraguai são 250 km a montante da cidade de Corumbá, MS -, local onde estávamos acampados, e fosse até o porto São Pedro pegar alguns apetrechos que precisávamos para a realização de um trabalho. Os designados foram eu e Durval, o piloteiro que nos acompanhava em quase todas as empreitadas naquela região.

Depois de umas duas horas de viagem pelo rio Paraguai o barco lentamente foi diminuindo a velocidade. Estávamos nos aproximando do Porto São Pedro e já de longe percebi uma grande movimentação no local, parecia que uma festa estava acontecendo. Confesso que fiquei um pouco intimidada com a situação e em princípio, nem queria descer, imaginava que rapidamente Durval conseguisse resolver o que era necessário. Mas o comentário do piloteiro me fez mudar de ideia rapidinho. Segundo ele, não existe uma desfeita maior no mundo para um pantaneiro que você parar no barranco dele e não descer para, pelo menos, dar um aperto de mão. Longe de querer fazer uma desfeita para os pantaneiros da região, prontamente desci do barco e fui em direção a um grupo de pessoas. Para minha surpresa, fui repreendida novamente. Um senhor alto, cabelos grisalhos, com um semblante diferente dos pantaneiros da região, ao me ver foi logo dizendo:

“Sou o dono da festa, mas aqui quem recebe os primeiros cumprimento dos visitante é o meu amigo São Pedro”

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Sem entender nada e constrangida com a situação, fui guiada pelo Durval até um altar, onde a estátua de São Pedro se colocava toda majestosa e dona de si. Claro que fiquei observando todos os movimentos do Durval. A ideia era fazer exatamente igual a ele, só assim eu garantiria que ninguém mais me chamasse a atenção. Foi instantâneo, mal terminei de fazer a reverência ao Santo e o mesmo homem alto de cabelo grisalho, agora com um ar bem mais acolhedor, aproximou-se para devidamente sermos apresentados.

Com um sorriso no canto dos lábios, revelou que seu nome é Armando Lacerda, e que era o responsável por realizar, todos os anos, a festa de São Pedro para os ribeirinhos da região. Agora, confortavelmente sentada de baixo de uma frondosa árvore, comecei a perguntar sobre a festa e seu significado. Não demorou muito, seu Armando começou a me dar as explicações.

Descobri, durante a conversa, que São Pedro foi um homem de origem muito humilde, apóstolo de Cristo e encarregado de fundar a Igreja Católica. Considerado o protetor das viúvas e dos pescadores, ele é festejado no dia 29 de junho. Depois de sua morte, segundo a tradição católica, foi nomeado chaveiro do céu. Assim, para entrar no ‘paraíso’, é necessário que o santo abra suas portas. Também lhe é atribuída a responsabilidade de fazer chover. Quando começa a trovejar e as crianças a chorarem com medo, é costume acalmá-las, dizendo: “Calma isso é a barriga de São Pedro que está roncando” ou “ele está mudando os móveis de lugar”.

Conversa vai, conversa vem, e as curiosidades não paravam de aparecer. Seu Armando também me contou que, no dia de São Pedro, todas as pessoas que foram batizadas com o nome de Pedro devem acender fogueiras na porta de suas casas, tudo isso em homenagem ao santo.

Faz parte também da festa de São Pedro o famoso churrasco. E era exatamente isso que estava acontecendo quando Durval e eu chegamos à festa. A sanfona estava aos berros. Os casais dançando animadamente, e a carne sendo assada numa grande e improvisada churrasqueira, devidamente preparada no chão da fazenda.

Não demorou muito para que o almoço fosse servido. Depois de muita insistência, Durval e eu resolvemos ficar para apreciar a culinária da festa. As rezas e os agradecimentos a São Pedro, é claro, não poderiam faltar. Depois de autorizado, timidamente eu peguei meu prato e me servi com um pequeno pedaço de carne e mandioca. Já distante da mesa, o comentário de um típico pantaneiro da região me chama a atenção: “A dona moça não pegou nada de comida, aposto que ela tá esperando o final do boi.”

“Final do boi…” Não tinha ideia do que aquilo significava, mas também não me preocupei em investigar. O cheiro da carne assada que vinha do meu prato estava muito mais convidativo. Só fui ter noção do que aquele pantaneiro dizia quando uns dois ou três homens vieram em minha direção, carregando uma enorme cabeça de boi e, como se fosse a coisa mais normal do mundo, me ofereceram um pouco dos miolos do animal. Achei muito estranho, e confesso: nojento.

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Claro que todos perceberam minha reação. A brincadeira tomou conta da festa. Insistentemente várias pessoas tentaram me convencer de comer aquela iguaria, mas nenhuma teve sucesso.

 * Silvia Santana Zanatta é doutorando do programa de Pós Graduação em ‘Desenvolvimento Local’ pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).

 

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