Por Claudio Angelo, O Eco
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) lançou nesta segunda-feira (4) o terceiro e último tomo de seu Sexto Relatório de Avaliação (AR6). O documento traz as contribuições do Grupo de Trabalho 3 do painel do clima, que trata de mitigação (redução de emissões de gases de efeito estufa). Os 268 integrantes do grupo, de 65 países, inclusive o Brasil revisaram mais de 8.000 publicações científicas e responderam a 6.000 comentários nos rascunhos do documento, cujo sumário executivo foi lançado com atraso após negociações tensas sobre sua linguagem, que opuseram países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
Conheça aqui algumas das principais conclusões do sumário:
• As emissões de gases de efeito estufa no mundo foram de 59 bilhões de toneladas em 2019, um valor 12% maior do que em 2010 e 54% maior do que em 1990. A última década teve o maior crescimento de emissões da história humana: 9,1 bilhões de toneladas a mais do que na década anterior – mesmo com a consciência da escala do problema e da urgência da ação.
• Desde a era pré-industrial até hoje, a humanidade já emitiu 2,4 trilhões de toneladas de CO2. Desse total, 58% foram emitidos entre 1850 e 1989, e 42% entre 1990 e 2019. Dezessete por cento de todo o carbono emitido foi lançado no ar apenas na última década.
• Para que a humanidade tenha uma chance de pelo menos 50% de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC acima dos níveis pré-industriais, como determina o Acordo de Paris, as emissões globais de gases de efeito estufa precisam atingir seu pico entre 2020 e 2025 e cair 43% até 2030. Só que desde 2010 elas cresceram 12%.
• As políticas públicas de clima adotadas no mundo até 2020 levarão a Terra a um aquecimento de 3,2oC, mais do que o dobro do limite do Acordo de Paris.
• O gás carbônico já emitido até hoje corresponde a 80% de tudo o que a humanidade pode emitir se quiser ter uma chance de 50% ou mais de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5oC, como preconizado pelo Acordo de Paris.
• A intensidade de carbono do setor industrial e da queima de combustíveis fósseis (o total de CO2 por unidade de energia produzida) caiu 0,3% por ano na última década. Para atingir a meta de 1,5oC de temperatura, essa queda precisaria ser 7,7% por ano, ou 25 vezes maior.
• Existe uma imensa diferença regional e social entre as emissões: 10% dos lares do mundo respondem por 35% a 45% das emissões de gases de efeito estufa, e 50% dos lares responde por 13% a 15% desse total. Os países mais pobres do mundo e as nações-ilhas, as principais vítimas dos impactos climáticos, contribuíram juntos com menos de 4% das emissões do mundo em 2019.
• Pelo menos 18 países, a partir do Protocolo de Kyoto (o primeiro acordo internacional de redução de emissões), vêm reduzindo de forma consistente suas emissões de gases-estufa há mais de uma década.
• O mundo tem hoje condições de cortar emissões pela metade em 2030 em relação a 2019 lançando mão de estratégias e tecnologias de mitigação que custam até US$ 100 a tonelada. Metade dessas estratégias custa menos de US$ 20 a tonelada, e no setor de energia, em especial em eólica e solar, há potencial de redução a custo negativo – ou seja, é mais barato adotar as renováveis do que seguir com as fósseis. Na última década, o preço da energia solar e das baterias de íon de lítio caiu 85%, o da energia eólica caiu 55%, enquanto a adoção de carros elétricos cresceu 100 vezes e a instalação de painéis solares cresceu 10 vezes.
• As metas climáticas (NDCs) adotadas em Paris e atualizadas até 2020 reduziram em 15% a 20% o hiato entre o que é emitido e o que é necessário emitir para estabilizar o clima. O chamado “gap de emissões” para uma chance de 50% de estabilizar o aquecimento em 1,5oC é de 16 bilhões a 23 bilhões de toneladas em 2030, se todas as NDCs forem cumpridas com régua e compasso.
• A infraestrutura fóssil existente e planejada hoje já tem emissões de carbono comprometidas (“locked-in”) suficientes para impedir o cumprimento da meta de 1,5oC. O recado tácito do IPCC é que esses projetos precisarão ser descontinuados ou ter suas emissões compensadas de alguma forma.
• Quanto mais rápida e profundamente a humanidade cortar emissões, menor será a necessidade da chamada “remoção de dióxido de carbono”, nome dado a estratégias que vão desde o reflorestamento até a extração direta de CO2 do ar (DACCS) e o armazenamento geológico de CO2 em termelétricas fósseis (CCS) ou em usinas de bioenergia (BECCS). Menos também é o risco de um “overshoot”, uma ultrapassagem temporária – mas cujo dano pode ser permanente – do limite de temperatura de 1,5oC.
• Em cenários de estabilização da temperatura em 1,5oC sem “overshoot” ou com um “overshoot” limitado, o uso de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45% até 2050.
• Isso significa que a indústria fóssil poderá ter “ativos encalhados”, ou seja, investimentos que não poderão chegar ao mercado. Segundo o IPCC, para uma estabilização da temperatura global em 2oC, os ativos fósseis em risco de encalhe são de US$ 1 trilhão a US$ 4 trilhões entre 2015 e 2050. Ativos de carvão podem encalhar já em 2030. Isso é um alerta para o Brasil, que vem ampliando investimentos no pré-sal e neste ano sancionou uma lei permitindo a construção de novas termelétricas a carvão até 2040.
• As cidades são uma das principais preocupações do novo relatório do IPCC. Segundo o painel, as urbes podem se aproximar da emissão líquida zero por meio de mudanças no consumo energético e material, eletrificação do transporte e pelo sequestro de carbono no meio ambiente urbano. Sem medidas de mitigação, as cidades passarão de 29 bilhões a 40 bilhões de toneladas de CO2 e metano em 2050. Com medidas ambiciosas e imediatas, esse total cai para 3 bilhões de toneladas.
• O setor de construções, essencial para as cidades, também tem um enorme potencial de mitigação, e corre risco de “lock-in”, ou emissões comprometidas, dada a longa vida útil dos prédios. Desde 1990, as emissões da construção cresceram 50%, mas elas têm potencial de redução de 61% até 2050.
• Os veículos elétricos têm o maior potencial de mitigação no setor de transportes, que não deverá atingir a emissão líquida zero em 2050 e precisará ter seu carbono compensado de alguma forma. Os biocombustíveis sustentáveis – que não competem por terras com a produção de alimentos ou com comunidades tradicionais – também podem auxiliar no corte de emissões no curto e médio prazo. Já para a aviação e a navegação, segundo o IPCC, não existem hoje tecnologias escaláveis que possam dar conta de toda a redução necessária nesses setores. Novos biocombustíveis de alta densidade são uma das soluções no horizonte.
• O uso da terra (Afolu, na sigla em inglês), que inclui agropecuária e desmatamento, tem potencial de reduzir emissões de até 14 bilhões de toneladas por ano até 2050 a custos de US$ 100 ou menos por tonelada. Metade desse potencial está em estratégias e tecnologias de menos de US$ 20 a tonelada – a principal delas é a redução do desmatamento nos trópicos, outro tema de interesse direto do Brasil. Segundo o IPCC, medidas de mitigação no setor de Afolu não podem ser usadas como substituto para a redução em outros setores.
• Quando se considera os custos dos impactos climáticos e das medidas de adaptação, cortar emissões não impacta de forma significativa o PIB global. É esperado que o PIB do mundo dobre até 2050, enquanto trajetórias de mitigação compatíveis com 1,5oC a serem adotadas de agora a 2025 produziriam uma redução de 0,04 a 0,09 ponto percentual por ano na riqueza global.
• Os fluxos financeiros não estão alinhados com a necessidade. Para a meta de 1,5ºC é preciso que o financiamento climático seja seis vezes maior do que é hoje. Dinheiro existe, segundo o IPCC – há liquidez de capital global para fechar as brechas de financiamento –, mas há barreiras de todos os tipos para que o recurso seja aplicado.
• Os povos indígenas são citados nada menos do que 12 vezes no sumário executivo do Grupo 3 do AR6. O painel alerta para os potenciais benefícios e riscos de estratégias de mitigação que envolvam uso da terra para essas comunidades, para a necessidade de garantir os seus direitos territoriais e de incorporar os conhecimentos indígenas às políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa.