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Migração climática: eventos extremos forçaram 2 milhões a migrar nas Américas em 2022

18 minutos de leitura
migração climática
Bombeiros e agentes da defesa civil procuram vítimas de enchentes e deslizamentos de terra em Petrópolis, no estado do Rio, em fevereiro de 2022 (Imagem: Alamy)

Migração climática é o nome dado ao deslocamento populacional impulsionado por causas climáticas. 

  • Relatório revela que eventos climáticos extremos forçaram a migração de quase 32 milhões de pessoas no mundo todo. Na América, são 2,1 milhões de pessoas. 
  • No último ano, deslocamentos foram 41% maiores do que a média da última década;
  • Enchentes foram os principais eventos responsáveis por esses deslocamentos forçados. 
  • O Brasil foi o país da América com maior quantidade de pessoas a migrarem por motivos climáticos no último ano.
  • Confira a seguir a matéria produzida por Matias Avramow, jornalista mexicano que escreve para o Diálogo Chino

Por Matias Avramow,  Diálogo Chino

Eventos climáticos extremos forçaram a migração interna de 31,8 milhões de pessoas no mundo todo em 2022, incluindo 2,1 milhões nas Américas, segundo um novo relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC).

A publicação destaca o aumento significativo no movimento forçado de pessoas dentro das fronteiras de seus países devido a desastres como enchentes, tempestades, incêndios florestais e secas.

Em 2022, o número de migração climática, compessoas deslocadas internamente por desastres no mundo, quase dobrou em relação a 2021, em grande medida devido às inundações devastadoras no Paquistão. Os deslocamentos relacionados a desastres no último ano também foram 41% maiores do que a média da última década. As enchentes foram responsáveis pela maioria — seis em cada dez — desses deslocamentos forçados, seguidas por tempestades, secas, deslizamentos de terra e temperaturas extremas.

As Américas foram a quarta região com o maior número de deslocamentos causados por eventos climáticos na última década, conforme o IDMC. No ano passado, o Brasil foi o país da região com o maior número de migrações internas forçadas por desastres, seguido por Estados Unidos, Colômbia, Haiti e Cuba.

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Avaliar migração climática é uma tarefa complexa, pois é preciso considerar as diferentes origens e a duração dos desastres que provocam o deslocamento forçado. Geralmente, há duas classificações: ocorrência repentina e outra lenta ou gradual.

“As primeiras são muito mais fáceis de identificar devido ao seu início repentino: podem ser furacões, enchentes, terremotos ou incêndios”, explica Pablo Escribano, especialista em migração e mudanças climáticas da Organização Internacional para as Migrações (OIM). “Mas, quando falamos de ocorrências graduais, como secas, derretimento de geleiras ou aumento do nível do mar, elas tendem a ser mais difusas. As pessoas nessas situações frequentemente se mudam porque suas terras não são mais produtivas ou porque não há mais oportunidades”.

As descobertas do IDMC servem de alerta para os riscos crescentes de migrações forçadas em meio a uma crise climática que provavelmente trará eventos extremos mais intensos, frequentes e imprevisíveis. O Diálogo Chino conversou com especialistas sobre a necessidade de respostas urgentes para prevenir e impedir o deslocamento forçado na América Latina e aumentar o apoio às pessoas nessas situações.

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Desastres e reações na América Latina com migração climática

No ano passado, tanto o Brasil quanto a Colômbia sofreram com inundações devido às fortes chuvas entre maio e novembro. Em diferentes regiões, as vítimas chegaram a passar semanas com a água até a altura do peito. Soma-se a essa devastação em ambos os países os deslizamentos de terra, causados pelo encharcamento do solo. Mais ao norte, tempestades como o furacão Ian atingiram a América Central e forçaram o deslocamento de centenas de milhares de pessoas.

Ao todo, as tempestades foram responsáveis por 1,2 milhão de deslocamentos internos nas Américas, informa o IDMC, pouco mais de 50% do total de movimentos forçados na região.

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal órgão de ciência climática da ONU, esses fenômenos podem se tornar ainda mais extremos no futuro, devido aos efeitos do aquecimento global. “O aumento da temperatura da água torna isso mais provável, assim como o aumento da temperatura do ar”, explica Matilde Rusticucci, meteorologista argentina e colaboradora do IPCC. “Essas são as condições ideais para tempestades terríveis”.

Pablo Escribano disse ao Diálogo Chino que muitas ações já foram tomadas para enfrentar o clima extremo na América Latina, bem como esforços para aumentar sua conscientização: “Vários países criaram sistemas de alerta precoce e protocolos de gestão de riscos de desastres e evacuação. No caso de Cuba, por exemplo, quando ocorre um furacão, eles sabem como transportar as pessoas afetadas”.

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Além desses sistemas, a realocação planejada diante da migração climática é outra medida necessária. Governos e organizações internacionais promovem cada vez mais a retirada de pessoas que vivem em áreas de risco para inundações ou outros desastres — e essa pode ser uma questão controversa. “Há muito avanço nesse sentido. Mas é um processo complexo, e tivemos muitas experiências ruins”, diz Escribano.

Um exemplo é o caso de Goldney e Olivera, dois vilarejos vizinhos, separados pelo rio Luján, a cerca de 100 quilômetros da cidade de Buenos Aires, na Argentina.

Pablo Lugones passou a metade da vida em Goldney e trabalha em Olivera. Por muito tempo, ele vendeu leite, mas em 2000 ele e seu sócio criaram a Fundación El Remo, organização comunitária que atua em projetos de educação, saúde e preservação ambiental. “No início, tínhamos apenas um jardim de infância”, lembra ele.  “Mas, com as enchentes de 2000 e 2016, também nos tornamos um abrigo. Abrigávamos 30 pessoas por vez”.

Durante esses 16 anos, o nível da água do rio subiu mais de oito vezes, variando de dois a cinco metros de profundidade. Partes dos vilarejos foram completamente inundados e, a cada nova enchente, o rio levava casas, móveis, roupas e lembranças.

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Na época, o governo da província de Buenos Aires e um grupo de organizações sociais construíram 40 casas em uma área mais segura e conseguiram realocar as pessoas mais afetadas pelas enchentes. Mas, depois de algum tempo, os moradores começaram a se mudar para a área de risco que havia sido desocupada anteriormente, explica Lugones: “Hoje, o local que havia sido inundado está cheio de pessoas novamente”.

Escribano diz que esse tipo de situação ocorre em várias partes da região e cobra soluções mais abrangentes: “Como reconstruir os meios de subsistência da população que está sendo transferida para outro lugar?”.

Migração climática: Deslocamento transfronteiriço

Enquanto algumas áreas da América Latina sofreram com tempestades e enchentes em 2022, outras sentiram os efeitos de secas históricas. “Esse foi um dos eventos [climáticos] mais difundidos”, diz Rusticucci. “Na Argentina e no Uruguai, houve quase três anos de seca. Se não fizermos algo para a mitigação e adaptação, vai chover muito mais onde já ocorrem tempestades; e, onde já há secas, elas vão se tornar cada vez mais longas”.

No mundo todo, a seca foi o terceiro principal fator de migração climática interna no ano passado.

Uma das regiões mais afetadas pela crise hídrica na América Latina é conhecida como “corredor seco”, que atravessa partes de Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica. Há anos, o corredor vem registrando secas prolongadas e a diminuição das chuvas. Embora as tempestades atinjam a área durante a temporada de furacões, quase não cai nem uma gota d’água o resto do ano. Em 2014, 70% das colheitas no corredor fracassaram devido à seca.

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Campos secos e plantações em San Miguel Chicaj, Baja Verapaz, Guatemala. O país faz parte do ‘corredor seco’ da América Central (Imagem: Alamy)

Ao contrário de tempestades e inundações, as secas não costumam provocar migrações climáticas repentinas; a menos que ocorra um incêndio florestal, é mais provável que elas provoquem deslocamentos graduais, principalmente nas áreas rurais, à medida que as colheitas não vingam. No corredor seco da América Central, a crise hídrica vem provocando o abandono das terras. Muitas pessoas se mudam para as cidades — ou até outros países — onde se deparam com novos riscos relacionados à precariedade e à informalidade.

“As pessoas que migram [do corredor seco] devido à crise climática viajam rumo ao norte sem nenhum tipo de proteção, pois não há nenhum dispositivo legal que reconheça a migração climática”, diz Adrián Martínez Blanco, diretor e fundador da organização La Ruta del Clima.

Não há nenhum dispositivo legal que reconheça a migração climática

Embora haja acordos internacionais como o Pacto Global para Migração Climática — que enxerga migrantes climáticos de forma semelhante a outras populações forçadas à migração —, essas políticas não são obrigatórias e dependem da vontade de cada país.

Para enfrentar isso, Martínez diz ser preciso “repensar totalmente a mobilidade humana” e as políticas internacionais para a migração. “É necessário adaptar-se ao contexto atual, com ênfase nas mudanças climáticas, nos direitos humanos e nos direitos das comunidades mais vulneráveis”.

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Uma pessoa carrega seus pertences após uma enchente devido a fortes chuvas em Las Tejerias, Venezuela, outubro de 2022 (Imagem: Leonardo Fernandez Viloria / Alamy)

Novas leis e monitoramento na região

Embora ainda falte avançar muito, Ivana Hajzmanova, diretora de monitoramento global do IDMC e autora do recente relatório, afirma que houve progresso na abordagem do deslocamento climático na América Latina.

“Muitos governos estão se concentrando no desenvolvimento de vistos humanitários, planos de adaptação às mudanças climáticas e sistemas de monitoramento. A Colômbia está trabalhando em uma lei específica para a migração climática, e o México está no mesmo caminho”, explica ela.

Hajzmanova também menciona países latino-americanos com sistemas avançados de monitoramento que ajudam a evitar o deslocamento forçado — entre eles, Brasil, Uruguai e Chile. Porém, esses sistemas não são muito usados em outros lugares: “Enfrentamos uma falta de dados em vários países da América Latina, por isso é difícil avaliar realmente a magnitude do fenômeno”.

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Ela espera que os responsáveis por formular políticas públicas leiam o relatório do IDMC e, com base nesses achados, tomem decisões informadas sobre onde é necessário mais financiamento e quais são as crises mais graves que precisam ser priorizadas. “É realmente uma prerrogativa dos estados-nação, e cada um precisa implementar suas próprias políticas e instrumentos legais, que os ajudarão a lidar com as crises de deslocamento interno”, diz Hajzmanova.

Para Escribano, também é essencial trabalhar em uma abordagem conjunta para migração climática interna entre os países latino-americanos. A OIM, explica ele, vem chamando mais atenção para o problema perante a comunidade internacional.

“A COP28 é o espaço em que pretendemos levantar essa questão”, diz Escribano, de olho na próxima conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, marcada para dezembro, nos Emirados Árabes Unidos.

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