Por Vinícius Lemos
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra uma projeção de que, sem mudanças no clima, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro poderia variar de R$ 15,3 trilhões a R$ 16 trilhões em 2050. O mesmo levantamento aponta que impactos variados e cenários diferentes na mudança climática poderiam reduzir o PIB em 0,5% e 2,3% no período. Em tese, isso significaria uma perda média anual para o cidadão brasileiro entre R$ 534 e R$ 1,6 mil em 2050.
Esse seria o impacto econômico para todo o País. Boa parte dessa projeção tem relação direta com as interferências na natureza no Cerrado, por se tratar de um bioma de grande importância.
O Cerrado cobre 25% do território brasileiro, mas tem uma taxa de desmatamento 0,5% ao ano. Nesse ritmo, no ano de 2050 teremos 15% menos do bioma. Atualmente, o Cerrado tem 50% da área original, seja de mata nativa ou por reflorestamento.
O Diário consultou pesquisadores para saber como estaremos daqui a algumas décadas e alguns cenários apresentados mostram que não só a economia perde como a qualidade de vida reduz enquanto há o avanço sobre o bioma. Em determinadas localidades, as populações já convivem com uma situação crítica em que existe perda geral da funcionalidade do Cerrado no Brasil. No Triângulo Mineiro, por exemplo, já existem regiões com 12% de mata original.
Bióloga e especialista no estudo do Cerrado, Mercedes Bustamante, apontou à reportagem que os diferentes cenários para as próximas décadas dependem, principalmente das emissões de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, que está em menor concentração, mas tem maior potencial de aquecimento e permanência na atmosfera, em comparação do gás carbônico.
“Para manter a temperatura 1,5ºC e 2ºC acima da temperatura dos níveis pré-industriais, é preciso que a emissão de carbono fique até 430 partes por milhão (ppm). Hoje estamos em 406 ppm”, disse a pesquisadora. Ou seja, a solução é não só reduzir as emissões como também trabalhar para tirar o carbono da atmosfera ou, como se diz entre a comunidade científica, “sequestrar o carbono”. Isso porque, com previsões mais negativas em que a temperatura se eleve até 4°C em média, o Cerrado sofreria ainda mais, com período de seca na maior parte do ano, favorecendo as queimadas mais intensas, além de reduzir a cobertura de árvores. Este fato aumentaria ainda mais a temperatura e afetaria o ciclo das águas. Ou seja, teríamos um espiral de degradação com mais calor e declínio do Cerrado.
Outro impacto em um ambiente caótico é a ocorrência de eventos extremos, com tempestades ou grandes secas, uma vez que o sistema vai oscilar muito mais, sendo mais difícil de precisar o que poderá acontecer.
AGRICULTURA
Como principal atividade econômica da região, a agricultura sofreria o maior impacto com mudanças drásticas. Dificuldade de chuvas e com período reduzido para o plantio. Fora que uma situação que hoje já existe, que poderia ser extrapolada.
“Se o produtor rural vai buscar um empréstimo, por exemplo, o banco vai perguntar onde é a sua propriedade, o que quer plantar, e existe um mapa de risco climático. Ele vai ser consultado e pode dizer que, dependendo da fazenda, ela pode estar no limite climático para plantar determinada cultura e transformar o empréstimo dele em empréstimo de risco, ou seja, mais caro”, afirmou Mercedes Bustamante. Ela lembrou que o avanço da atividade agrícola sobre o Cerrado é um “tiro no pé” por causar grandes dificuldades aos próprios produtores rurais.
FONTE DE ÁGUA
Para o pesquisador Gustavo Malacco, o cenário que se veria em 2050 já pode ser experimentado em relação ao abastecimento de Uberlândia, no que se refere ao cuidado com a principal fonte de água da cidade, o rio Uberabinha. Na semana passada, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) alertou que, na Estação de Tratamento de Sucupira, o nível na reservação de água havia caído de 3 metros de altura no fim de agosto para 2,4 metros. Moradores do bairro Jardim Califórnia passaram as últimas duas semanas por desabastecimento.
Biólogo e presidente do instituto Angá, Malacco mostra a necessidade de ações para proteger a bacia hidrográfica do Uberabinha. “A Bacia do Uberabinha tem pouco mais 20% da cobertura original e este é apenas um dos problemas que o rio enfrenta. Mineração e queimadas também são problemas graves”, afirmou. Ainda há desmatamento legais e ilegais na bacia do rio. Os incêndios preocupam ainda mais pela incidência em área de captação da água do Uberabinha e também do córrego Bom Jardim.
A extração de argila próximo à nascente do Uberabinha, no município de Uberaba, é um problema antigo, conforme explicou Malacco. A questão é que não haveria um estudo aprofundado sobre o impacto ambiental da atividade, o que dificultaria até mesmo uma projeção sobre a real situação do rio em alguns anos.
“(Na pesquisa do instituto Angá) Encontramos fauna que nunca foi relatada por relatórios das empresas no local. É uma fragilidade da empresa e omissão. Lá (região da nascente), ocorre uma espécie de ave que só tem duas populações no Brasil, uma no Parque Nacional das Emas e uma que encontramos em 2017 (na área do Uberabinha). Qualquer impacto pode extinguir essa população e voltarmos a ter apenas a do Parque das Emas”, disse Gustavo Malacco.
CAPIM BRANCO
Um cenário que os pesquisadores buscam evitar para um futuro ainda mais próximo é o esquecimento da importância do Rio Uberabinha frente à nova fonte de captação, a Estação do Capim Branco. Com previsão de entrega para o ano que vem, a nova obra de abastecimento pode criar em alguns anos a consciência de que há água disponível de maneira ilimitada, segundo Malacco, o que se refletiria no uso do Uberabinha.
“O pior cenário é perder a principal fonte de abastecimento da cidade e focar no atual sistema, que é mais caro e, em tese, com mais água, o que pode levar a um pensamento de tem água sobrando. O produtor rural continuaria não manejando seu solo de maneira correta, vão continuar incêndios causados por humanos, mineração avança e perdemos uma água mais barata e de maior qualidade, que é a do Uberabinha”, alertou.
O QUE FAZER
Ambos os pesquisadores dizem que, para reverter esse tipo de situação, há meios práticos e amplamente divulgados entre a comunidade científica. Mas é preciso que elas sejam implementadas. E mais: que seja barrada a onda de anticientificismo. “O problema é menos técnico e sim, de governança e político. Se a gente tirar essa discussão de acreditar ou não em aquecimento, existe uma responsabilidade dos governantes de preparar o País para essa situação e nesse sentido o Brasil está bastante atrasado em ações para lidar com o problema das mudanças climáticas”, afirmou Mercedes Bustamante.