Por Reinaldo Lourival/O Eco
Um dia, um pesquisador de opinião pergunta ao porteiro de uma grande montadora de caminhões, “o que o senhor faz aqui? ”. E o porteiro diz sem pestanejar, “eu produzo caminhões”. Pois é assim que deveria ser a realidade aqui em Bonito. Quando alguém perguntasse ao caixa do supermercado: “Do quê você vive?”, a resposta devia ser clara como eram as águas do Rio da Prata, ou Curé, seu nome indígena: — Eu vivo da natureza!
Em Bonito, mais que na maioria dos municípios do Mato Grosso do Sul, vivemos da Natureza, seja no turismo, agricultura ou na pecuária, vivemos todos das benesses auferidas de solos férteis, chuvas frequentes, etc. No turismo, então, a coisa ainda é mais escandalosa, já que não há nada mais importante do que um ambiente bem cuidado para que os visitantes fiquem ainda mais maravilhados.
Infelizmente, se qualquer pesquisador de opinião perguntar ao caixa ou ainda aos operadores e donos de passeios, é provável que a resposta não seja tão clara. E por quê? Por existir uma dissociação dos diversos setores de nossa cidade daquilo que move nossas vidas e economia.
A resposta pode ser simples ou mais elaborada, mas o fato é o mesmo. Em Bonito, Jardim, Bodoquena e até em Porto Murtinho, a cultura regional não se deu conta do grande barato que é viver da Natureza. Isto ainda não é fonte de orgulho. Dá-se pouca importância ao privilégio de ter araras e tucanos voando sobre nossos telhados; tamanduás e lobinhos cruzando nossos cerrados, pantanais e estradas, ainda que com risco da maldição dos atropelamentos.
Mas é exatamente por isto que os visitantes pagam (e bem!) para visitar nossos rios e se admirar com os nossos animais. Eles dão valor a natureza, pois estes recursos naturais como rios límpidos e animais abundantes são raros em suas regiões de origem, e assim tornam-se cada vez mais valorizados.
É um princípio da economia clássica: quanto mais raro mais caro.
Infelizmente, tanto o caixa do supermercado, quanto muitos “donos” e operadores do turismo regional não compreenderam inequivocamente, e menos ainda, se posicionam com clareza quanto ao fato: se a Natureza ou a qualidade da experiência que tem o visitante se deteriora, o seu valor cai.
Do Prefeito ao cidadão
Todo o esforço de anos na construção de um destino turístico de categoria mundial vai para o vinagre!
Em minha opinião, os maiores defensores da Natureza num lugar como Bonito devem ser o Prefeito (independente de quem seja) e a Câmara de Vereadores, já que teriam que zelar pelo interesse público e pelo emprego de mais de 60% dos seus eleitores que, no fim do dia, direta ou indiretamente, vivem da Natureza!
Desafortunadamente, em nosso país, a opinião da população sobre o valor da Natureza ainda é limitada e a capacidade de mobilização engatinha. Portanto, caberia aos mais informados, por exemplo, os membros do Conselho de Turismo e de Meio Ambiente a pressionar por uma agenda de proteção à Natureza mais firme nestes municípios, com apoio irrestrito daqueles que constitucionalmente, são responsáveis pelos chamados: Direitos Difusos da sociedade.
O que está em jogo vai muito além de seus interesses diretos, posto que, além de viverem desta Natureza, serão os responsáveis por deixarmos ou não, este legado às futuras gerações, com bem falou o Papa Francisco.
O que se observa nestas cidades é uma distância inconcebível entre estes organismos e seus interesses em oposição aos interesses de seus netos. E esta distância é mantida por aqueles que não querem que a sociedade entenda que um ambiente rural sustentável — com economia, justiça social e ambiente saudável — é o único caminho a seguir. Sobretudo, uma visão míope e de curto prazo impossibilita que tenhamos benefícios tanto na qualidade de vida, quanto da experiência de nossos visitantes, todas as vezes que turvam as águas dos rios Formoso e Curé.
Isto reduz os lucros dos negócios ligados ao turismo e também afeta a viabilidade desta atividade no longo prazo. Afinal, é o turismo que cria as condições para a existência não de um, mas quatro supermercados, que pagam os salários dos seus operadores de caixa. As melhores práticas no uso e ocupação do solo não são um luxo ou uma posição ecológica xiita, mas uma necessidade!
A criação de áreas protegidas, a fiscalização e controle do desenvolvimento habitacional, o problema do lixo e do esgoto são necessidades da sociedade, um dever de cuidar de nós mesmos! Portanto, não devem ser flexibilizadas, pois comprometem a vida de todos que vivem em Bonito.
Chega de divisão entre o ambientalista e o agricultor, o comerciário e o guia de turismo, a consciência de que vivemos da natureza gera cidadãos conscientes de que sem conservação da Natureza o Bonito Desaparece!
Reinaldo Lourival é Pós Doutorando em Ecologica e Conservação pela UFMS. Doutor em Planejamento Sistemático pela Universidade de Queensland, Austrália, e mestre em Biologia da Conservação pela UFMG.