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Sem respirar e sem água: impactos da seca histórica no Amazonas

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A paisagem modificada pela seca na Comunidade do Tumbira no Rio Negro. Foto: Karina Pinheiro

Intensificado pela seca histórica causada pelo El Niño e pelo crime ambiental, fumaça castiga os pulmões dos amazonenses desde agosto

 

por Karina Pinheiro (OEco)

A seca deste ano atingiu a marca histórica de 12,70 metros, de acordo com o registro realizado no Porto de Manaus em 27 de outubro, o nível mais baixo desde o início da medição, há 121 anos.

Segundo o Boletim de Monitoramento de Secas e Impactos no Brasil do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), publicado no dia 16 de setembro, as chuvas dos meses de junho a agosto foram abaixo da média para o esperado no período.

Os especialistas apontam que dois fatores principais inibiram a formação de nuvens e, consequentemente, as chuvas: o fenômeno El Niño, caracterizado pelo aquecimento anormal do Oceano Pacífico, e as mudanças climáticas.

“Existem vários pontos [que causam a seca], um deles, por exemplo, é a questão do El Niño, que é um fenômeno climático que acontece de dois a sete anos, mais ou menos com essa frequência, por conta de uma mudança de ventos no Oceano Pacífico. Os ventos param de circular em uma direção e começam a circular em outra e isso começa a produzir uma mudança na circulação oceânica e também na geração de calor nos oceanos. De forma geral, o fenômeno afeta a precipitação em vários pontos do planeta. Em alguns lugares fica mais seco e em outros fica mais chuvoso. No caso da Amazônia, toda vez que se tem um evento de El Niño, a Amazônia fica mais seca”, explica Hernani Oliveira, pesquisador em Ecologia Molecular, Genética e Conservação e especialista de avaliação dos efeitos de eventos climáticos extremos em redes de interação antagonísticas e mutualísticas na América Central pela Queen Mary University of London.

Comunidade de Santa Helena do Inglês. Foto: Karina Pinheiro

Próxima ao Tumbira, a comunidade Santa Helena do Inglês também foi fortemente impactada e ficou totalmente “ilhada” pelo rio seco. A equipe de o ((o))eco esteve na comunidade no dia 22 de setembro, ainda por meio fluvial. Na ocasião, a gerente da Pousada Vista do Rio Negro, Adriana Siqueira, já demonstrava preocupação com a descida veloz do rio Negro.

Segundo a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Dra. Karla Longo, “as queimadas que atingem o estado do Amazonas hoje, elas ocorrem principalmente no estado do Pará e na divisa do Pará com o Amazonas”.

Durante uma semana, houve registros de chuvas que amenizaram as fumaças na região, entretanto, desde o dia 29 de outubro a densa fumaça retornou ao cotidiano das cidades amazonenses.

Até o momento, cidades da região metropolitana, incluindo a capital, ainda sofrem com altos índices de fumaça e fuligem que intensificam principalmente pela parte da noite.

Na tarde do último domingo (5), uma tempestade de areia se formou em várias zonas de Manaus. Segundo o Metsul, imagens de satélite registraram um aglomerado de nuvens de grande desenvolvimento vertical que provavelmente está na origem do fenômeno. As rajadas de vento geradas pela tempestade, formada pelo calor e pela umidade, provocaram o levantamento da poeira e da terra mais arenosa devido ao solo mais ressecado.

Além da capital, a fumaça foi percebida nos municípios de Manacapuru, Itacoatiara, Presidente Figueiredo, Careiro da Várzea, Autazes e no Parque Nacional de Anavilhanas.

Lábrea, Apuí e Novo Aripuanã estão entre os 7 municípios que mais queimaram esse ano na Amazônia Legal.

De acordo com Karla Longo, do INPE, durante o processo de queimadas, há a emissão de alguns gases, principalmente monóxido de carbono, precursores de ozônio troposférico. Quando essa emissão bastante grande de gases, em geral, interage com a radiação solar na atmosfera, pode-se produzir o ozônio, considerado um gás extremamente tóxico. Além disso, a fumaça emite uma quantidade de partículas sólidas bastante grandes. Uma explicação que se traduz na densa nuvem de fumaça visível, que penetra nas vias respiratórias e pode causar um grande impacto na saúde humana.

“Nós temos vários estudos no INPE que mostram o impacto tremendo que isso pode causar, principalmente em crianças, idosos, grupos de risco. Então, a recomendação é que em situações como essa a população não deve fazer atividade física ao ar livre”, aponta a pesquisadora.

Um dos motivos da causa do aumento das queimadas está relacionado com o desmatamento, que altera o clima na região, como os fluxos de calor, aumenta a presença de solo descoberto e altera o processo de assimilação de carbono. A densa nuvem de fumaça também inibe o processo de formação de nuvens.

“Esse é um grande problema, em uma região como Manaus, por exemplo, que a gente vê que tem uma certa umidade na atmosfera, que se fosse em uma situação mais limpa poderia formar nuvens e chover. Numa situação com fumaça, ela pode formar, porque essas partículas atuam como núcleo de condensação de nuvens, você forma nuvens, mas como têm muitas partículas, você forma nuvens com gotas muito pequenas e menos propensas a precipitar, reduzindo o padrão de chuva”, explica.

A realidade é que os eventos estão cada vez mais intensos e extremos. Junto com isso, a gente tem uma série de modificações ambientais que estão relacionadas a ação do homem, como, por exemplo, a poluição.  Adalberto Luis Val

No ranking dos estados com mais queimadas, o Amazonas segue em segundo com mais focos de incêndio no ano, segundo o INPE. De janeiro até ontem (05/11), houve 18.776 focos de calor no estado, perdendo apenas para o vizinho Pará, que teve 33.035 focos no mesmo período.

Entre o período de 5 de outubro a 5 de novembro, Amazonas ocupa o 8º lugar entre os estados com mais focos de calor, ficando atrás do Pará, Mato Grosso, Amapá e Maranhão, Rondônia, Bahia e Ceará.

A prefeitura de Manaus aponta a realização, desde junho, da campanha Manaus Sem Fumaça, que são ações de educação ambiental, blitze ambientais (nas saídas da cidade), além de sensibilização nas escolas (públicas e privadas) e empresas do polo industrial.

A Semmas alega ainda que faz um trabalho diário de rega nos principais canteiros da cidade e nos parques administrados pelo órgão.

Para combater os incêndios na Região Metropolitana, a Semmas, em parceria com a Associação Amazonense de Municípios (AAM), criou o Comitê Permanente de Gestão Ambiental da Região Metropolitana de Manaus, que tem o objetivo de unir esforços e debater estratégias para atuar contra as queimadas.

Aquecimento da água

As altas temperaturas causadas pelas mudanças climáticas e a seca extrema na região amazônica tem afetado não apenas a vida humana como também a vida animal.

((o))eco conversou com o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e membro da Academia Mundial de Ciências, Adalberto Luis Val, a respeito do impacto das mudanças climáticas e da seca no ecossistema aquático.

“A realidade é que os eventos estão cada vez mais intensos e extremos. Junto com isso, a gente tem uma série de modificações ambientais que estão relacionadas a ação do homem, como, por exemplo, a poluição. Isso tudo, em conjunto, na realidade representa um desafio enorme para todos os organismos da biota aquática” explica Adalberto.

O pesquisador afirmou que praticamente todos os organismos  estão expostos a esses desafios ambientais intensos. “Dessa vez, além do problema da estiagem, a gente tem um problema extremamente grave que é o aumento da temperatura. Nós tivemos situações em que a temperatura da água chegou a 40º C”.

Porto de Manaus alcançou o menor nível de sua história, com 12,70 metros. Foto: Karina Pinheiro

No dia 11 de setembro, moradores do município de Autazes, no interior do Amazonas, encontraram dezenas de peixes mortos em um lago da região. Vídeos que circularam nas redes sociais mostram vários peixes mortos espalhados pelo lago. A mortalidade dos animais afetou o consumo de água para os moradores, que tiveram que cavar um poço próximo ao rio.

“Temos medido para várias espécies qual é a temperatura crítica máxima que os peixes suportam e não temos observado nada acima de 39º. As espécies que usamos para a alimentação humana, são extremamente sensíveis aos aumentos de temperatura crítica máxima da ordem de 35 graus” aponta Adalberto.

A temperatura crítica significa que, quando os peixes estão expostos a essa temperatura, o metabolismo, as enzimas, as proteínas do músculo, do coração, da respiração, começam a falhar, agonizando até a morte.

No começo do mês de setembro, botos-rosa e tucuxi foram encontrados mortos no lago de Tefé e Coari, no interior do Amazonas.

Órgãos como o Instituto Mamirauá, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Prefeitura de Tefé e Coari e o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, além do Exército e da Defesa Civil, foram mobilizados para tentar salvar os animais que ainda resistem nesses lugares, bem como orientar a população para evitar banhos e uso recreativo dos lagos.

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