- Na grande seca da década de sessenta do século passado, prevaleceu a fase Neutra entre El Niño e La Niña, fenômeno que também ocorre em 2024.
No Pantanal, o ano de 2024 está marcado como o de uma grande seca, superando outros períodos dos quais se têm registros, o que foi amplamente divulgado. Mas o ano também está marcado por outros eventos extremos devastadores, como as chuvas na região Sul do Brasil e a seca na bacia amazônica. Diante dessa conjuntura climática, algumas perguntas surgem.
Já há alguns anos, me preocupam as limitações dos estudos, análises e a distribuição de previsões sobre o clima e a dinâmica hídrica nos quase 600 mil km² da Alta Bacia do rio Paraguai (BAP), território onde está o Pantanal.
Em tempos de mudanças climáticas globais, com uma sucessão inédita de eventos extremos, a necessidade maior que se apresenta é a elaboração de análises mais acuradas e divulgações sistemáticas sobre o clima e a dinâmica hídrica voltadas para territórios e unidades ambientais.
O trabalho diário da Ecoa na região, calcado em conservação e no desenvolvimento local, exige estabelecer cenários climáticos e hidrológicos para definir estratégias de prevenção e mitigação de danos decorrentes de eventos que fujam de padrões, principalmente quanto a grandes cheias e secas prolongadas. Na história recente a registrar estão as secas de 2019/2020 e a de 2024, eventos que deram suporte para os incêndios devastadores.
Nesse trabalho prático de “decifrar o futuro” estabelecendo cenários climáticos amplos e seus prováveis efeitos para a planície pantaneira e sua população, diante das limitações comentadas, fomos ao encontro das análises, dados e conclusões sobre El Niño-Oscilação Sul (ENSO), o padrão climático recorrente que envolve mudanças na temperatura das águas no Oceano Pacífico tropical, central e oriental e seus efeitos sobre o clima global, pois é “um dos fenômenos climáticos mais importantes da Terra devido à sua capacidade de mudar a circulação atmosférica global, o que por sua vez, influencia a temperatura e a precipitação em todo o globo”, segundo o NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) dos Estados Unidos. Esse padrão é oscilante entre aquecimento (El Niño) e resfriamento (La Niña). Quando se menciona os dois fenômenos não se está referindo a uma temperatura específica e sim a temperaturas relativas, acima ou abaixo da média. El Niño e La Niña são as fases extremas do ciclo ENSO, mas entre elas há uma terceira: a ENSO-Neutra.
O NOAA afirma que foca no ENSO pela possibilidade de prever sua chegada muitas estações antes de seus impactos mais fortes no clima.
Existe relação direta entre El Niño, La Niña e a fase Neutra das águas do Pacífico com as secas no Pantanal? O que ocorreu entre 2023 e 2024 quanto a essas fases?
Foram 12 meses em sequência do El Niño, iniciados em maio de 2023 e avançando até abril de 2024, seguido pela fase Neutra a partir de maio, prevalecente pelo menos até outubro – vejamos o que nos diz o próximo boletim do NOAA.
Os registros hídricos históricos para o Pantanal mostram a ocorrência de uma grande seca em parte da década de sessenta e início da década de setenta do século XX. Com base nessa informação fizemos mais uma pergunta: nesse período quais eram as condições de temperatura das águas no oceano Pacífico?
Prevaleceu claramente a fase Neutra. A diferença para outros períodos é evidente: dos 120 meses da década de sessenta, 77 deles estão gravados como fase “Neutra”, o equivalente a 64,16% do período. Nos outros 34 meses, registraram-se nove La Niña e 34 El Niño. A fase Neutra estabelecida na década de sessenta teve início no ano de 1959, tomando nove de seus 12 meses, os quais foram precedidos por longo período de águas aquecidas (El Niño), a exemplo de 2023 e 2024.
Razões
Os elementos e informações aqui apresentados têm por objetivo primário mostrar a necessidade de análises climatológicas e hidrológicas mais acuradas, voltadas para territórios específicos, no caso em tela, o Pantanal e a bacia do Alto rio Paraguai. A sucessão de eventos extremos em poucos anos e as devastações consequentes trazem a urgência dessa rota.