Na tenda “Sem mulher não tem Cerrado em pé”, durante o 11° Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, mulheres de diferentes territórios compartilharam experiências sobre o que significa ser liderança em defesa do bioma.
A atividade foi realizada em conjunto pela Ecoa e pelo ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), reunindo participantes de dois cursos de formação apoiados pelo Critical Ecossystem Partnership Fund (CEPF) e pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).
O encontro foi um espaço de partilha e avaliação, onde as cerrativistas puderam relatar aprendizados, refletir sobre os desafios da liderança e o papel das formações, e se transformou em um exercício de memória, reconhecimento e fortalecimento de redes.
A mãe de santo e funcionária pública, Rosana de Brito, lembrou que, apesar das especificidades de cada território, há opressões que se repetem e aproximam as trajetórias:
“No geral, quando a gente conversa com as mulheres de vários territórios, a gente tem as especificidades, mas a gente tem aquilo que nos oprime e é sempre muito parecido”.
Rosana de Brito
Liderança: papel vivido no cotidiano
O debate partiu de uma provocação: afinal, o que é ser liderança?
Para Débora Almeida, do ISPN, o termo pode ser entendido como sinônimo de cerrativista, mesmo que muitas mulheres ainda não se reconheçam dessa forma.
“Tem gente que não quer botar esse boné. ‘Não, eu não sou não, eu só mobilizo o povo’… Não importa o nome que você dê, mas você atua pela conservação do Cerrado, as pessoas te percebem como alguém que puxa a conversa, que puxa as ações. É desse lugar que a gente tá falando”, destacou.
Outro ponto em destaque durante a conversa foi a reflexão sobre os atributos de uma liderança. Isabel Figueiredo (ISPN) destacou que o papel exige apropriação de conhecimentos técnicos sobre o Cerrado e as mudanças climáticas, somadas a habilidades práticas de gestão e, sobretudo, a dimensão individual de quem assume esse lugar.
“Eu tenho que ter aqui objetividade, saber o que que é clima, o que é mudanças climáticas, o que é carbono, saber em que bacia hidrográfica eu tô, saber como é o bioma Cerrado. Então eu tenho que ter conteúdo. Mas eu também tenho que saber gerir um projeto, pegar um orçamento, mobilizar a galera, conhecimentos práticos de como gere um recurso, presta contas, como eu trato com transparência o recurso. E um terceiro pedaço dessa trança que é nós como lideranças. O componente individual”.
O espaço mostrou que cada mulher é espelho para outra e como esse movimento de reconhecimento é fundamental:
“Com outras mulheres, é como se a outra ajudasse a você falar ‘Nossa, eu sou liderança mesmo, mulher!’. A outra é espelho pra validar o seu lugar.” – Débora Almeida, ISPN
Isabel Figueiredo – ISPN
Débora Almeida – ISPN
Formação, encontro e memória
Os processos formativos conduzidos pela Ecoa e pelo ISPN mostraram-se centrais para fortalecer trajetórias individuais e coletivas, apontando como estes espaços de aprendizado podem ser também ferramentas de transformação social tecendo redes de solidariedade e ação política.
Nathalia Ziowkowski, presidenta da Ecoa, lembrou o alcance surpreendente do curso promovido pela organização: mais de 230 mulheres inscritas por todo o Cerrado, das quais 40 foram selecionadas para integrar a formação.
Uma seleção deveras difícil, mas que também mostrou que são muitas as mulheres que estão fazendo a conservação do Cerrado, trabalhando em defesa do bioma e interessadas em se juntar com outras mulheres para resistir aos avanços da degradação.
Para Isabel Figueiredo, do ISPN, esses encontros são oportunidades de poder seguir “nossa teia de mulheres potentes (…) compreendendo como a gente pode aprender umas com as outras, se fortalecer, se reconhecer, se amar, se cuidar. E ampliar essa rede com parceiros que não são do território.”
Meu corpo, meu território
Em sua fala de encerramento, Nathalia Ziolkowski trouxe uma reflexão conectando feminismo e ambientalismo:
“Dentro do feminismo, a gente defende muito uma máxima que é ‘meu corpo, meu território’, pra dizer o quê? No nosso corpo não se bate, não se fere, não se maltrata. E aqui com vocês, eu aprendi que a inversão dessa frase também tem muito sentido. O meu território é o meu corpo, porque a gente ouviu, entendeu que as mulheres que estão no território adoecem quando essa terra é degradada”.
A liderança, nesse sentido, não se resume a uma pessoa ou cargo, mas a um movimento em rede. Como destacou Lidiane Omílèwá, uma das cursistas:
“A gente precisa tomar o nosso lugar, de responsabilidade no nosso território, onde a gente pode atuar. A nossa perspectiva é comunitária. Então todos os espaços devem ser comunitários.”
Nathalia Ziolkowski – ECOA
Lidiane Omílèwá
Entre denúncia e anúncio
A luta, para essas mulheres, manifesta-se em uma dupla dimensão inseparável: resistir às violações e anunciar futuros possíveis.
Maria José Sodré, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), trouxe a técnica das arpilleras como metáfora para essa ação, lembrando que a liderança não pode se limitar apenas à denúncia:
“O anúncio é necessário pra dar esperança, pra gente continuar lutando.”
Maria José Sodré – MAB
É na capacidade de anunciar — mesmo diante das ameaças — a possibilidade de vida digna que reside a energia para mobilizar a continuidade da luta.
O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, da União Europeia, da Fundação Hans Wilsdorf, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do Governo do Canadá, do Governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.