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Mulheres Líderes pela Conservação do Cerrado: tecendo redes de cuidado e resistência

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Elas deixaram para trás a lida do cotidiano, os filhos, a casa, as plantas, os animais. Vindas de diferentes territórios e trajetórias, 41 mulheres se reuniram em Brasília com um propósito comum: defender o Cerrado. Na camiseta de uma delas, um recado estampado resumia a essência do encontro: “Ser mulher é um ato político”.

E assim é. Porque política, como bem lembrou a facilitadora Joluzia Batista, não se faz apenas no parlamento. Se faz também no cuidado de todo dia, na reprodução da vida, nas escolhas de resistir e de existir em comunidade.

“A luta principal aqui é pela preservação do Cerrado. Em defesa da fauna, da flora, das águas e, sobretudo, da vida de vocês que vivem dentro desse bioma” – Joluzia Batista

Joluzia Batista

Foi nesse espírito que aconteceu, em setembro, a etapa presencial do “Curso de Formação em Liderança para Mulheres na Conservação do Cerrado”, uma realização da Ecoa com apoio do Critical Ecosystem Partnership Fund (CEPF) e do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

Raízes e presenças

A programação começou com a construção de uma mandala coletiva. Cada mulher trouxe algo simbólico: uma semente, um presente, uma história, um sonho. Foi um momento de reconhecimento, onde as dores e as lutas individuais se entrelaçaram em uma trama maior feita de resistência.

“Eu venho tendo a grata satisfação de estar sempre em contato com pessoas que têm essa visão de mundo: de que se você não cuidar do meio ambiente, você vai viver num mundo destruído. Então, o que eu trago comigo de reflexão é que a gente tem que se permitir viver esses momentos, principalmente nós mulheres que enfrentamos esses desafios” – Jaqueline Oliveira Vaz

No período da tarde, divididas em grupos, as participantes mergulharam em debates sobre gênero e meio ambiente, compartilhando ameaças, violências e as sementes de resistência que germinam em seus territórios.

Peggy Poncelet, representante do CEPF, celebrou os frutos já visíveis da formação: mulheres mais confiantes, ocupando espaços públicos e liderando projetos de conservação do meio ambiente e de suas próprias vidas.

O dia terminou em ritual: um escalda-pés com ervas, conduzido pela mãe de santo Rosana de Brito. Um gesto ancestral de cuidado, que conectou espiritualidade, território e afeto.

Vozes e redes

No segundo dia, a roda de conversa reuniu as lideranças Rosana Claudina (Preta), do Ceppec; Cíntia Carvalho, da Cerrado em Pé; Maria José Gontijo, do IEB e Vicentina de Almeida Côrte, proprietária da Pequitina.

Preta compartilhou sua trajetória e a sensação de não estar mais sozinha:

“Quando eu comecei, eu disse ‘eu vou lutar pela existência desse bioma porque ele tá muito ameaçado e a gente precisa lutar por ele. E muitas vezes, eu cheguei a pensar que estava sozinha. Hoje eu vejo que não tô”.

Já a coletora de sementes Cíntia, sempre irreverente, contou como sua relação com o Cerrado se transformou: quando foi convidada para ser coletora achou que era loucura, “queria desmatar tudo e plantar”. Até que ela decidiu dar uma chance, “agora tá lá, eu com meu Cerrado todo em pé, e em volta tudo desmatado. Virei uma das loucas”.

Escrevendo a história

Para a pesquisadora Isabel Figueiredo (ISPN), um dos maiores desafios atuais do Cerrado é a disputa de narrativas.

“Essa visão de que o cerrado é pobre, de que o cerrado é aberto, desolado, não tem ninguém, não tem povos indígenas, serve a alguém”. De acordo com Isabel, ainda falta uma identidade cerratense consolidada e articulada, necessária para enfrentar a visão imposta pelo agronegócio sobre o território.

Isabel Figueiredo, do ISPN

Por isso, na tarde do segundo dia, as mãos e as vozes se uniram para redigir a Carta das Mulheres do Cerrado. O documento denuncia a invisibilidade do bioma, relata violências e reivindica justiça socioambiental, segurança jurídica e valorização dos saberes tradicionais.

O documento foi levado ao Congresso Nacional durante sessão proposta pela Ecoa com o título “Mulheres Líderes pela Conservação do Cerrado”, durante a Tribuna da Mulher.

🔗Saiba mais em: Guardiãs do berço das águas: Mulheres do Cerrado ocupam a Tribuna da Mulher e levam suas demandas ao Congresso Nacional

Levar o encontro na bagagem

A etapa presencial se encerrou, mas o processo segue.

Além das rodas de conversa e da carta, as cursistas participaram da sessão solene em comemoração ao Dia Nacional do Cerrado, no Congresso, e de painéis durante o 11° Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, onde também expuseram produtos da sociobiodiversidade.

Elas voltaram para casa. Para a rotina. Para a lida. Mas levaram consigo o que ninguém lhes tira: a força da rede que teceram juntas.

Sobre o projeto

O “Curso de Formação em Liderança para Mulheres na Conservação do Cerrado”, realizado pela Ecoa, integra o projeto Equidade de gênero e justiça socioambiental para a conservação do Cerrado, Brasil: formação de mulheres líderes.

A iniciativa acontece simultaneamente no Cerrado, nos Andes Tropicais e na Indo-Birmânia, considerados hotspots de biodiversidade ameaçados – e partem de um princípio estratégico: fortalecer a equidade de gênero é também conservar o meio ambiente.

O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, da União Europeia, da Fundação Hans Wilsdorf, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do Governo do Canadá, do Governo do Japão e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.

📸Confira as imagens:

Dia 1

Dia 2

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