Agência Brasil em 14 de julho de 2016
Por Mariana Tokarnia
Mais de 160 mil famílias no Brasil são vítimas de conflitos e violações de direitos humanos em comunidades tradicionais pesqueiras, de acordo com o relatório Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil, feito pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O levantamento, feito em 150 comunidades em 14 estados, identificou violações de direitos humanos, que vão desde falta de reparação, condições desumanas de trabalho, despejos compulsórios e criminalização de lideranças a ameaças de morte e assassinatos. O estudo foi lançado ontem (13).
De acordo com o estudo, 161.545 famílias são impactadas principalmente pela degradação ambiental, responsável por 18% dos conflitos analisados, por privatização de terras públicas (17%) e por despejos e restrições de acesso à água (17%). O agronegócio é tido como um dos principais causadores desse conflitos, que ocorrem também em decorrência de especulação imobiliária, empreendimentos turísticos, construções de barragens, portos e outros empreendimentos de empresas públicas e privadas.
“As mundanças estão acontecendo de forma veloz no nosso país e isso está afetando as comunidades pesqueiras”, diz Alzení de Freitas Tomáz, que integra a equipe de organização e sistematização do estudo. “Entre as violações de direitos humanos estão as ameaças de morte, que parecem poucas, representam 1% das violações, mas possuem grande significação entre todos os estágios de violação contra a pessoa humana”. De acordo com Alzení, parte das violações foi levada à Justiça e aos Ministérios Públicos estaduais e federal. Algumas chegaram ao final da tamitação e tiveram resultados positivos para as comunidades.
O relatório mapeia os conflitos que ocorrem nessas comunidades a partir dos relatos dos próprios moradores e identifica os agentes causadores e as vítimas dos conflitos. O levantamento foi feito no Ceará, Maranhão, Piauí, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte, em Alagoas, Sergipe, na Bahia, em Minas Gerais, no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará, Amazonas e em Santa Catarina. Os conflitos ocorrem nessas comunidades há pelo menos 50 anos.
Pescadores
O relatório foi lançado em Brasília e teve a presença de lideranças e de pescadores. “A gente luta, mas parece que não fazem nada, estamos vendo o nosso povo sendo dizimado em nome do desenvolvimento”, diz Eliete Paraguassu, pescadora da Ilha de Maré, em Salvador. “As comunidades da Bahia não dormem porque todo dia acontece alguma coisa. Nossas comunidades estão doentes, eu estou doente. É uma luta tão desigual que nos adoece”.
A angústia se repete também às margens do Rio São Francisco, em Pedras de Maria da Cruz (MG). Lá, Josemar Alves Durães diz que costumava beber água direto do rio. “Agora preciso colocar água sanitária antes de tomar. Ainda tomo banho, mas não sei até quando vou fazer isso”, diz. “Pare e pense, com esse modelo que estamos aplicando, que planeta teremos daqui para frente? As ameaças que vão para frente são sempre contra pescadores, indígenas, quilombolas, povos que têm a cultura de viver”.
Marco regulatório
Segundo Alzení Tomáz, falta um marco regulário que proteja a atividade pesqueira nessas pequenas comunidades. Com o objetivo de ter uma lei que garanta os direitos dessas comunidades, o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil, em parceria com igrejas, pastorais e movimentos sociais lançou a Campanha pela Regularização dos Territórios, que visa colher 1,5 milhão de assinaturas para envio de projeto de lei de iniciativa popular ao Congresso Nacional.
De acordo com dados disponíveis na página da Campanha, cerca de 70% do pescado produzido no país são provenientes da pesca artesanal, o que a garante a segurança alimentar e nutricional da sociedade brasileira.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Agricultura não se manifestou sobre o estudo até a publicação da reportagem.
Edição: Carolina Pimentel