Em Audiência Pública sobre a concessão da Hidrovia Paraná-Paraguai para grupos privados, realizada pela ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) no dia 06/10/02, em Brasília, a ideia central vendida pelos membros da Agência foi a da “perenidade” da hidrovia – funcionaria 24 horas por dia, nos 365 dias do ano, conquista que viria a partir das intervenções, como dragagens e retirada de rochas.
Tecnicamente, o evento mostrou fragilidades para o oferecimento de garantia da perenidade prometida, pois sequer avaliou as consequências de eventos extremos, como as secas extremas dos últimos anos na bacia do rio Paraguai, para a conquista da navegação constante. Deveriam remeter-se, inclusive, a ocorrências hídricas em outras bacias, como a do rio Paraná, em anos recentes, as quais paralisaram o transporte hidroviário por largos períodos na estruturada hidrovia Tietê-Paraná.
A Hidrovia Tietê-Paraná tem 2,4 mil quilômetros, dos quais 1,6 mil no rio Paraná e outros 800 no rio Tietê. Em 2013, ela transportava cerca de 6 milhões de toneladas/ano, quando se iniciou uma crise hídrica que a paralisou por dois anos. Foi reaberta no dia 27 de janeiro de 2016.
Os prejuízos durante o período foram de pelo menos R$ 1,8 bilhão (valor corrigido) para as empresas de navegação. Cerca de 1.600 pessoas perderam o emprego.
Em 2021, outra seca assolou a bacia do Paraná, levando à nova paralisação da hidrovia por mais 8 meses, entre 2021 e 2022 – voltou a funcionar no dia 15/3/22. A paralisação causou a demissão de 80% dos trabalhadores do porto de Pederneiras (SP). O prejuízo calculado para o setor foi de R$ 3 bilhões (valores da época), de acordo com o sindicato das empresas transportadoras.
Com base nas duas ocorrências na hidrovia Tietê-Paraná e nas secas dos últimos anos na bacia do rio Paraguai, também com paralisações no transporte, não deveria a ANTAQ repensar seu desenho de concessão, não prometendo a perenidade?
A solução não seria a aposta na reconstrução da ferrovia Corumbá-Três Lagoas, indicada como uma prioridade pelo governo de Mato Grosso do Sul recentemente?
Acrescente-se que várias são as indicações de que os eventos climáticos e hídricos extremos vieram para ficar. Mesmo chuvas pesadas e represas rapidamente cheias não trazem tranquilidade quanto ao abastecimento hídrico. Como a maior parte do território da bacia está desmatado, a água escorre rapidamente, não sendo retida para infiltrar no solo e abastecer os lençóis subterrâneos. Esta água subterrânea abastece, ao longo do tempo, os cursos d’água, mas, se não é renovada adequadamente, as crises hídricas se tornam mais agudas.