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Rota Bioceânica – O que é e seus impactos diretos e indiretos

14 minutos de leitura
Corredor rodoviário pretende ligar o Oceano Atlântico ao Pacífico
Paraguai iniciou a pavimentação do segundo trecho da Transchaco. Foto: Toninho Ruiz

Publicado originalmente em 06 de fevereiro de 2020

No ano 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso e os dos demais países da América do Sul lançaram a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA). O propósito era construir uma rede de obras de infraestrutura: hidrovias, portos, interconexões energéticas e de comunicações e corredores rodoviários. Para os proponentes, os maiores desafios a serem vencidos eram ambientais, devido à existência de três grandes “obstáculos”: a Floresta Amazônica, o Pantanal e a Cordilheira dos Andes, como discursou um presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já no governo Lula.

A IIRSA não mais existe como tal, mas suas crias permanecem na agenda das empreiteiras e, logicamente, dos fazedores de políticas públicas – no Executivo e no Congresso. Duas dessas crias são a Hidrovia Paraná Paraguai e a chamada Rota Bioceânica, esta uma obra projetada para ligar o Porto de Santos, no Brasil, com dois portos chilenos, passando por Paraguai e Argentina.

Neste trabalho apresentamos o que é a Rota Bioceânica e seus já existentes impactos.

rota de integração latino americana - rila - bioceânica
Pavimentação de trecho no Paraguai para Rota Bioceânica. Foto: Toninho Ruiz

O que é a Bioceânica?

A Rota de Integração Latino Americana (RILA), ou Rota Bioceânica, é um corredor rodoviário com extensão de 2.396 quilômetros, que pretende ligar o Oceano Atlântico aos portos de Antofagasta e Iquique, no Chile, passando por Paraguai e Argentina. Segundo seus propagadores, seria uma alternativa ao Porto de Santos (SP), encurtando distância e tempo para as exportações e importações brasileiras entre mercados potenciais na Ásia, Oceania e Costa Oeste dos Estados Unidos. No estado de Mato Grosso do Sul, a rodovia atravessa a parte sul do Pantanal.

Trajeto da Rota Bioceânica

Apesar da tônica otimista do discurso oficial e das promessas de desenvolvimento, o Projeto – pensado para beneficiar principalmente o setor do agronegócio – segue na mesma linha de outras rotas da IIRSA, com diversos riscos e impactos socioambientais.

Outra ‘Rota’, a Interoceânica é um exemplo. Com 2,6 mil quilômetros, ligando o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru, através do estado do Acre, a rodovia binacional foi projetada e executada com os mesmos objetivos da Bioceânica, de integração comercial. Nada se concretizou. A obra bilionária – em sua maior parte construída por um consórcio de empreiteiras brasileiras lideradas pela Odebrecht – tem uma média baixa de tráfego – em 2017 era de sete veículos comerciais por hora. A existência de trechos íngremes, de até 4 mil metros de altitude em relação ao nível do mar, dificulta e encarece, o transporte de cargas pesadas.

Desenvolvimento para quem?

O município de Porto Murtinho (MS) está situado na parte sul do Pantanal, às margens do rio Paraguai, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Com pouco mais de 15 mil habitantes, 80% da população do município vive, essencialmente, do turismo de pesca. No local, será construída uma ponte rodoviária que ligará o Brasil à cidade Carmelo Peralta, no Paraguai. A obra, orçada em 75 milhões de dólares, tem o aporte para a construção da Itaipu Binacional, com previsão de término para 2023.

Parte da população, incluindo pequenos empresários, veem na chegada do empreendimento um novo fator de degradação ambiental. A Bioceânica trará consigo novas obras ligadas à Hidrovia Paraná Paraguai, afetando a saúde do rio Paraguai e seus afluentes e, consequentemente, a atividade que mais gera trabalho e renda na região: a pesca turística.  

“São coisas que a gente tem que pensar. Estão preparando Porto Murtinho para uma nova era, para o desenvolvimento, esquecendo o turismo e a pesca”, afirma a empresária do setor de turismo, Maria Elena Aguilera.

Aguilera apresenta outro problema: o baixo nível de escolaridade dos pescadores artesanais e piloteiros (os pilotos de barcos com motor de popa, grandes conhecedores dos rios). “Nosso povo não está capacitado para entrar na construção desses portos, que eu acredito que hoje seja tudo mecanizado, automatizado, com toda a tecnologia. Aquele piloteiro que sempre viveu da pesca vai fazer o quê da vida?”, questiona.

Alguns pesquisadores até apontam existir potencial de crescimento econômico com a construção da Bioceânica, mas indicam a possibilidade de problemas sociais como a exploração sexual, violência urbana, saneamento básico e falta de acesso a bens e serviços, quadro que deve ser acirrado com a ausência de políticas públicas que acompanhem o processo.

Ao analisar os dividendos da implantação de rotas semelhantes à Bioceânica, a geógrafa Valquíria de Araújo Oliveira, evidencia o contrassenso de que, se por um lado, esses projetos de expansão de mercados são considerados fatores de riqueza, por outro, eles geram pobreza e exclusão por onde passam, já que não são todas as pessoas e classes que são pensadas ou beneficiadas. Oliveira afirma que, “vários homens e mulheres ficam à margem do desenvolvimento, e muitas vezes nem compreendem isso”.

Impactos socioambientais

A mobilização para a construção da Rota Bioceânica já traz impactos diretos e indiretos ao Pantanal e sua população. Impactos diretos são observados na região de Porto Murtinho e Carmelo Peralta (Paraguai), associados a portos da Hidrovia Paraná-Paraguai e à pesca turística. No lado paraguaio, os indígenas Ayoreos serão os mais afetados, pois sobrevivem da pesca, da captura de iscas para a pesca turística e lavouras de subsistência.

Os impactos indiretos são relacionados ao desmatamento para a expansão da agricultura e da pecuária nos municípios da região, na bacia do rio Paraguai, mais especificamente, na sub-bacia do rio Miranda, um dos principais rios que drenam para o Pantanal.

Nessa região prevalece o bioma Cerrado, tendo em seus limites a Mata Atlântica interior e a influência do Chaco em território brasileiro. As qualidades ambientais e suas águas alçaram o turismo à condição de principal gerador de trabalho e renda nos municípios de Bonito e Jardim, ambos no estado de Mato Grosso do Sul. Porém, o desmatamento, as queimadas, a perda de solos e o uso intensivo de agrotóxicos são problemas graves e que se aceleraram nos últimos anos: os municípios entraram na rota da predação com a expansão da fronteira agrícola.

A área de grãos no município de Bonito cresceu 26% entre 2014 e 2018, em uma proporção seis vezes maior que a do estado de Mato Grosso do Sul. Em 2010, eram 5.400 hectares de milho, passando para 32.250 em 2018. A soja foi de 14.200 hectares para 46.000 no mesmo período. Em Nioaque, a área de grãos saiu de 2 mil hectares em 2010, para mais de 5 mil em 2018. Já em Jardim, em 2010, a área de soja era de 2.500 hectares e em 2018, alcançou 11.084 hectares. A de milho saiu de 1.400 hectares para 8.879 no mesmo período.

Pesquisadores indicam também como problemas, os riscos para a fauna, com o aumento do atropelamento de animais silvestres a partir do crescente fluxo de veículos de grande porte nas estradas que cortam o Pantanal; o clima, com o lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera, acentuando os efeitos do câmbio climático e o agravamento dos problemas sociais nas comunidades marginalizadas, que correm o risco de perder seus meios de vida tradicionais, diretamente ligados ao ambiente.

Quem financia?

O quadro de financiadores para a via não está totalmente configurado. Certamente as articulações políticas entre os países alcançados e organismos internacionais de crédito definirão as fontes de recursos para o empreendimento.

Nos documentos analisados para a elaboração deste texto foram encontradas algumas indicações dessas fontes, parte delas com indicações de valores:  

– Corporação Andina de Fomento (CAF);

– Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA);

– Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – R$ 100 milhões;

– Itaipu Binacional (lado paraguaio) – 75 milhões de dólares para a construção da ponte entre Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta (PY), mais R$ 28 milhões para estudo ambiental e o projeto final de engenharia da ponte;

– Recursos da União – R$ 89 milhões, aportados por emendas parlamentares ao Orçamento da União e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para execução de obras do entorno de Porto Murtinho como um anel viário, a recuperação de estradas, pontes de concretos em áreas alagáveis e novos terminais portuários.

– Governo do Paraguai – R$ 400 milhões em pavimentação asfáltica até a divisa com a Argentina.

Links consultados:

Rota bioceânica é viável e tem potencial para escoar US$ 1,5 bi em industrializados de MS, apontam estudos – G1 MS
Consórcio entrega segundo trecho pavimentado de corredor bioceânico – Campo Grande News
Edital de projeto de ponte sobre Rio Paraguai será lançado em dezembro – Campo Grande News
UNIRILA : Integrar caminhos, povos e conhecimentos no coração da América Latina – UEMS
OLIVEIRA, Valquíria de Araújo. A Infraestrutura de transportes como política governamental para o desenvolvimento regional e a integração sul-americana: uma análise sobre as rotas bioceânicas em Mato Grosso do Sul. 2010. 144 p. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2010.
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DOS IMPACTOS SOCIAIS JUNTO ÀS COMUNIDADES LOCAIS DOS TERRITÓRIOS QUE INTEGRAM O CORREDOR RODOVIÁRIO BIOCEÂNICO – Luciane Pinho Almeida, Léia Lacerda Teixeira, Kátia Cristina Nascimento Figueira
PERSPECTIVAS DO CORREDOR BIOCEÂNICO PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL NO ESTADO DE MS: O CASO DE PORTO MURTINHO – Thiago Andrade Asato, Débora Fittipaldi Gonçalves, Erick Pusck Wilke
Produção Agrícola Municipal (PAM) – IBGE

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Texto por Luana Campos e Alcides Faria

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