Via Revista USP
A abelha jataí (Tetragonisca angustula) é uma espécie sem ferrão, dócil e de fácil manejo, mas que curiosamente possui um sistema sofisticado de reconhecimento, a ponto de impedir de modo agressivo a entrada no ninho de companheiras expostas a fungos que podem contaminar a colônia. A descoberta aconteceu em pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, descrita em artigo publicado na revista científica Chemosphere.
Os pesquisadores constataram que as guardas da jataí, que controlam o acesso aos ninhos, reconhecem mudanças químicas nos corpos das abelhas que tiveram contato no campo com o fungo Beauveria bassiana, usado como biopesticida, não permitindo sua entrada.
A jataí possui ampla distribuição na América Latina, em especial no Brasil. “Ela é uma importante abelha polinizadora, não só de culturas agrícolas, mas também de várias espécies de plantas silvestres”, aponta a pesquisadora Denise Alves, que realiza estudos de pós-doutoramento na Esalq, uma das autoras do artigo. “Além do papel ecológico, devido à polinização, existem muitos criadores de jataí, em grande parte devido ao mel produzido, o que faz com que a espécie tenha uma alta importância socioeconômica no Brasil.”
“As abelhas sem ferrão, grupo com mais de 250 espécies no Brasil, representam um recurso de uso crescente para a polinização de culturas nas regiões tropicais. Anualmente, a polinização agrícola contribui com um valor econômico estimado em 12 bilhões de dólares no País”, destaca a pesquisadora. “Como as abelhas buscam alimento no campo, elas estão expostas aos pesticidas aplicados nos cultivos agrícolas, sejam químicos ou biológicos, e ainda conhecemos muito pouco sobre seus efeitos nesses insetos.”
Guardas
O estudo mostrou que o fungo Beauveria bassiana modifica o perfil químico da cutícula que reveste os corpos das abelhas. “As guardas possuem uma espécie de ‘molde’ dos odores das companheiras de seu ninho e, quando há alguma alteração na composição química na cutícula dessas abelhas, elas detectam essa diferença e impedem sua entrada”, ressalta a pesquisadora. “Assim, as guardas funcionam como uma ‘barreira sanitária’, impedindo que abelhas com esporos do fungo entrem em seus ninhos e esse fungo se espalhe e infecte as outras abelhas.”
“Embora as abelhas contaminadas não entrem mais no ninho, é melhor perder algumas companheiras do que correr o risco de um surto causado pelo fungo nas colônias”, afirma Denise. “Até agora, não havia estudos sobre o comportamento das abelhas sem ferrão frente aos fungos usados como biopesticidas na agricultura, mas apenas avaliações que consideram a taxa de mortalidade dessas abelhas.”
A pesquisadora conta que um estudo similar foi realizado na Itália, mas analisando abelhas com ferrão (Apis mellifera). “A pesquisa mostrou que, neste caso, as guardas dessa espécie aceitam abelhas expostas ao fungo, o que aumenta as chances da transmissão do patógeno entre as colônias”, aponta. “Na jataí, considerando que as guardas são maiores e têm antenas mais longas, nossa hipótese foi de que elas seriam capazes de detectar e reconhecer as companheiras de ninho contaminadas, diferentemente do que ocorreu em Apis mellifera.”
De acordo com Denise, devido ao uso crescente de biopesticidas nos cultivos agrícolas, as avaliações ecotoxicológicas desses produtos devem ir além das taxas de mortalidade. “É preciso avaliar também seus efeitos nas características comportamentais e fisiológicas das abelhas, que são os principais polinizadores da natureza, e as abelhas sem ferrão são adequadas para essa avaliação devido à diversidade de espécies e ao uso cada vez mais frequente na polinização de culturas.” A pesquisa foi realizada durante o mestrado de Felipe Chagas Rocha Almeida, orientado pelo professor José Maurício Simões Bento, do Laboratório de Ecologia Química e Comportamento de Insetos do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq.