Além de agrotóxicos como glifosato, moradores do sudeste do estado também apresentaram altos índices de metais no corpo. Antas atuaram como sentinelas
Pesquisadores de equipe multidisciplinar identificaram que uma parcela de moradores do sudeste do Mato Grosso do Sul está contaminada com agrotóxicos e metais pesados, provenientes das grandes monoculturas da região. Os resultados foram divulgados na última semana. A descoberta só foi possível graças ao “aviso” dado pelas antas que vivem no local.
O trabalho, conduzido por pesquisadores da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), projeto do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), analisou a presença de 25 tipos de agrotóxicos e nove metais em moradores das cidades de Nova Alvorada do Sul e Nova Andradina. 38% das pessoas analisadas testaram positivo para algum químico ou metal, sendo que em alguns casos havia mais de um composto presente.
Segundo Patrícia Medici, coordenadora do INCAB-IPÊ, a anta é considerada uma “espécie sentilena”, isto é, pode ser utilizada para detectar riscos ou perigos a elas mesmas e a outras espécies, incluindo seres humanos.
Por esta razão, a presença das substâncias nas antas levantou a preocupação nos pesquisadores sobre a saúde das comunidades que vivem na região onde os animais foram amostrados, na qual há a presença de grandes monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho e algodão, além de criação de gado.
“Começamos a pensar que, sendo as antas sentinelas e nos mostrando quais são os compostos presentes no ambiente, as comunidades humanas nessas regiões estariam também expostas a esses químicos”, disse a pesquisadora.
A pesquisa sobre presença de agrotóxicos e metais em antas foi realizada entre 2015 e 2018. Durante esse período, foram analisadas amostras biológicas das antas, principalmente de carcaças frescas de animais atropelados ao longo de 34 rodovias do Mato Grosso do Sul.
Nos animais amostrados foi possível detectar 13 compostos químicos diferentes, incluindo nove pesticidas e quatro metais.
Brasil dos agrotóxicos
O Brasil é um dos países mais permissivos quando se trata de agrotóxico no mundo. Nos países da União Europeia, por exemplo, a concentração de glifosato na água não pode ultrapassar 0,1 µg/l. No Brasil, esse limite é de 500 µg/l, ou seja, 5.000 vezes maior.
O Centro-Oeste é a região que mais comercializa agrotóxicos no país. Em 2020, segundo dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a região vendeu 237 mil toneladas de agrotóxicos, o que representou 37% do total vendido em todo país naquele ano. O Mato Grosso do Sul, sozinho, comercializou cerca de 19 mil toneladas de glifosato no período.
Altas concentrações de herbicidas no corpo humano podem causar pruridos e lesões na pele, disfunção do fígado e rins, mal-estar, náuseas e vômito, diarreia, tremores, alteração do humor, perda da memória e insônia, entre outros sintomas.
“A gente espera que, com esse conjunto mais amplo de resultados, seja possível iniciar uma conversa com os órgãos governamentais, os laboratórios, as empresas do agronegócio que estão envolvidas com essa cadeia de utilização dos agrotóxicos em nosso país”, diz Medici.
Via O Eco