Observatório do Clima
Capoeira, juquira, área degradada, área devoluta. O ecólogo Daniel Piotto não se conforma com os nomes populares dados às florestas que crescem novamente após o abandono de uma área desmatada. “É tudo pejorativo”, protesta.
Mas as humilhadas florestas secundárias ainda poderão rir por último, graças ao trabalho de um grupo internacional de dezenas de pesquisadores integrado por Piotto e outros brasileiros. O time produziu o primeiro mapa global dessas matas em regeneração na América Latina e calculou seu potencial de sequestro de carbono. Os números são impressionantes.
Do México ao Paraguai, as florestas tropicais em diversos estágios de regeneração cobrem 2,4 milhões de quilômetros quadrados, uma área superior à da Argentina. E, se fossem mantidas por 40 anos livres dos tratores e das motosserras, sequestrariam da atmosfera 31 bilhões de toneladas de gás carbônico – o equivalente a tudo o que a América Latina emitiu entre 1993 e 2014. Desse potencial, 71% está em um único país: o Brasil.
Piotto e seus colegas do consórcio SecondFor (contração em inglês de “Amantes da Floresta Secundária”), vêm se dedicando a entender o papel das áreas regeneradas para a biodiversidade e o ciclo de carbono – por tabela, para o clima. Em fevereiro eles já haviam publicado um estudo na revista Nature estimando pela primeira vez o potencial médio de sequestro de carbono de uma floresta secundária, 11 vezes maior do que o de uma floresta madura na Amazônia.
O novo estudo, publicado on-line nesta sexta-feira (13/5) no periódico Science Advances, traz agora o mapeamento de onde essas florestas estão e de sua resiliência, ou seja, os lugares onde uma área desmatada e abandonada volta a ser floresta mais rápido.
Segundo Piotto, o trabalho tem implicações diretas para as metas do Brasil no Acordo de Paris, inscritas na chamada INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida). Como não havia até agora estimativas do quanto essas florestas capturavam de carbono, elas não são incluídas nas provisões da INDC, segundo a qual o país se compromete a reduzir 37% de suas emissões em 2025 em relação aos níveis de 2005. O compromisso do país no setor de florestas se limita a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e restaurar ou reflorestar 120 mil quilômetros quadrados desmatados.
“A meta é muito tímida”, diz Piotto, pesquisador da Universidade Federal do Sul da Bahia.
Segundo ele, o país poderia adotar um compromisso muito mais ousado de redução de emissões caso as florestas secundárias entrassem na conta, já que, essas sim, estão ativamente sequestrando carbono. “A gente concentra muito o nosso foco na restauração, e as pessoas têm a impressão de que é um processo ativo, de custo altíssimo”, afirma o cientista. “Mas, se a gente cuidar das florestas que estão se regenerando, com medidas simples a gente consegue adotar uma meta muito mais ambiciosa.”
A questão é que, para isso, seria preciso proteger as capoeiras, que hoje estão desguarnecidas em grande parte do Brasil.
Em vários Estados, as florestas nos chamados “estágios iniciais de sucessão” são passíveis de desmatamento legal. No Pará, por exemplo, embora a lei proteja capoeiras em estágio avançado de crescimento, o corte é permitido até 20 anos de idade se elas estiverem fora de áreas de preservação permanente. Na Mata Atlântica, formações florestais em estágio “inicial” ou “pioneiro”, muitas vezes indistinguíveis de um pasto sujo, também podem ser derrubadas legalmente pela Lei da Mata Atlântica, com autorização do órgão ambiental estadual. Nesse bioma, o limite de reserva legal é apenas 20% da propriedade. “Essas florestas estão no limbo”, diz Piotto.
O grupo elaborou vários cenários de emissão e sequestro de CO2 para várias hipóteses de proteção. No cenário de desmatamento atual, a América Latina chegaria em 2048 com 12,2 bilhões de toneladas de CO2 emitidas desde 2008. No cenário de proteção de 100% das florestas secundárias com transformação de 40% dos pastos em capoeira – uma virtual impossibilidade prática –, o sequestro total no período chegaria a 37,7 bilhões de toneladas. O SecondFor advoga uma política na qual a maior parte dessas florestas seja preservada. Pelo seu tamanho e pelo exemplo, o Brasil deveria liderar a sua adoção.
“O resultado mostra que é possível descarbonizar mais cedo do que se imaginava”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. O problema, ele afirma, são dois: primeiro, assumir que a mudança climática não afetará a capacidade de absorção de carbono das florestas nas próximas décadas. Segundo, não se pode usar esse saldo positivo de absorção das capoeiras para deixar de zerar o desmatamento, restaurar florestas em grande escala e cortar emissões no setor de energia – onde elas crescem mais rápido no país. “Não resolve se não fizermos a lição de casa em todos os setores.”