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Abril bate sétimo recorde de calor seguido

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Imagem: GISS/NASA
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Observatório do Clima

Surpresa, surpresa: o mês de abril de 2016 foi o mais quente já medido, batendo com folga de 27% o recorde anterior, de 2010. A média global de temperatura do mês passado foi 1,11oC superior à média para abril registrada entre 1951 e 1980.

Os novos dados foram divulgados no sábado pela Nasa, a agência espacial americana. É à sombra deles que diplomatas de 195 países se reúnem a partir desta segunda-feira em Bonn, Alemanha, para prosseguir com as negociações do texto de regulamentação do acordo do clima de Paris, assinado no último dia 22.

A sessão de Bonn marca a retomada das negociações internacionais após a histórica COP21, a conferência de Paris, em dezembro passado, que produziu o tratado climático. Em novembro deste ano, espera-se que sejam adotadas em Marrakesh, na COP22, as decisões que orientarão a implementação do acordo. A reunião de Bonn será a primeira do APA, o grupo de negociadores que discutirá a implementação do acordo do clima. Pela primeira vez na história das negociações, o APA será presidido por duas mulheres, a neozelandesa Jo Tyndall e a saudita Sarah Baashan.

“Em Paris nós fizemos as fundações da nossa casa comum. Agora vamos construir as paredes e o teto”, comparou a ministra francesa do Meio Ambiente, Segolène Royal, presidente da COP. O objetivo do edifício é segurar o aquecimento global neste século “bem abaixo dos 2oC” em relação à média do período pré-industrial, e fazer esforços para mantê-lo em 1,5oC. Este último pedaço do alicerce, porém, ameaça afundar diante da própria realidade do clima.

O mês passado é o sétimo seguido a quebrar de longe recordes globais de temperatura. “Com a atualização de abril, 2016 ainda tem mais de 99% de chance de ser um novo recorde [de ano mais quente da história]”, afirmou pelo Twitter Gavin Schmidt, diretor do Centro Goddadd de Estudos Espaciais, da Nasa.

Trata-se de uma subestimativa. Afinal, os meses mais quentes do ano, os do verão no hemisfério Norte, ainda não chegaram. Então muito dificilmente 2016 não será mais quente que 2015, que por sua vez esmagou todos os recordes anteriores desde 1800, quando os seres humanos começaram a registrar temperaturas globais com termômetros.

“É um lembrete de que não nos resta nada a fazer senão acelerar a agenda de ação”, disse Christiana Figueres, secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, numa entrevista coletiva logo após a abertura da semana de negociações em Bonn.

A média de desvio de temperatura do primeiro quadrimestre de 2016 foi de 1,18oC em relação à média de 1951 a 1980 para o mesmo período. Como esta média já é cerca de 0,3oC superior à do período pré-industrial, provavelmente nós já estamos vivendo neste ano um aquecimento global de 1,5oC.

Amostras do que será o cotidiano do planeta sob esta que é considerada uma elevação de temperatura “segura” estão aí: uma seca na Índia este ano já matou 370 pessoas e ameaça afetar 300 milhões; um incêndio florestal de filme-catástrofe forçou a evacuação de uma cidade inteira no noroeste do Canadá; a Grande Barreira de Coral da Austrália está sendo afetada pela pior epidemia da história de branqueamento, uma doença causada por águas muito quentes; e a estação de degelo da Groenlândia começou antes da época, acrescentando água ao pesadelo da elevação do nível do mar. No Brasil, o mês passado também foi o mais quente já registrado, segundo dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) divulgados pela revista Época.

Isso não significa necessariamente que o ano terminará com 1,5oC de aquecimento, nem que daqui para a frente o planeta esteja numa marcha inexorável de recordes de temperatura. Dada a extrema variabilidade natural do clima, haverá anos mais quentes e anos mais frios.

O biênio 2015-2016, por exemplo, bateu e está batendo recordes seguidos porque um El Niño forte se somou à tendência de aquecimento global. O ano que vem possivelmente será menos quente que 2016 devido à inversão do fenômeno – é ano de La Niña, que ajuda a resfriar o planeta.

No entanto, a aceleração do esquentamento da Terra sinaliza que a estabilização das temperaturas em 1,5oC, como preconizado pela meta indicativa do Acordo de Paris, está em xeque, e que o limiar poderá ser ultrapassado bem antes do final do século.

“A meta de 1,5oC é um sonho. Eu não sei se você teria 1,5oC mesmo se parasse as emissões hoje. Há inércia no sistema”, declarou ao jornal The Guardian o climatologista australiano Andy Pitman, da Universidade de Nova Gales do Sul.

Tentar estabilizar as temperaturas começa pela ratificação do acordo do clima. Até agora, 17 países já depositaram na ONU os chamados instrumentos de ratificação, ou seja, a confirmação de que o Acordo de Paris já é lei doméstica em cada um deles. Ocorre que esses países, somados, representam menos de 1% das emissões do mundo. Para que o tratado entre em vigor, é preciso que pelo menos 55 dos países ratifiquem, e que estes respondam por 55% das emissões globais.

Algumas das principais economias do mundo se preparam para ratificar este ano. EUA e China já fizeram anúncios nesse sentido. No Brasil, um dos últimos atos da presidente Dilma Rousseff foi enviar o acordo para ratificação no Congresso. A França, sede da COP21, deve ratificar até meados do ano, segundo afirmou Royal a jornalistas. E os 28 países da União Europeia preparam suas ratificações individuais até a COP22.

“Esse número (1,5oC) pode ser a linha da vida do planeta, mas somente se decidirmos nos agarrar a ela e segui-la até sua conclusão necessária”, disse Teresa Anderson, da ONG ActionAid. “Precisamos de muito mais ambição para cortar emissões de forma radical e justa, muito mais rápido do que as promessas que hoje estão sobre a mesa.”

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