*Este texto foi originalmente publicado em 3 de maio de 2007 e atualizado em 2019.
A humanidade e o planeta Terra vivenciam uma era de níveis preocupantes de aquecimento global, de destruição da natureza e de sua biodiversidade e da crescente escassez da água, além do aumento de conflitos socioambientais, políticos e religiosos. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), será possível reverter muitas das catástrofes resultantes do aquecimento do planeta, várias delas já em curso, mas também será preciso investir muito para a mudança dos padrões de desenvolvimento, consumo e economia. Alguns cientistas já prevêem futuras guerras pela água, o “ouro azul” deste século.
Uma das maiores riquezas do Brasil está no Cerrado, bioma que é o berço das águas das principais bacias hidrográficas do país e detentor de biodiversidade única no mundo, composto por um rico mosaico de savanas e florestas. Apesar de sua importância, o Cerrado vem sendo desmatado e destruído em mais de 3% ao ano. De sua área original (23% do território do Brasil), restam hoje menos de 43% de remanescentes. E embora tenha enorme diversidade de ecossistemas, de espécies e potencial infinito de plantas medicinais, pouco se sabe sobre suas riquezas biológicas.
No Cerrado, vivem cerca de três milhões de agricultoras(es) e agroextrativistas familiares, cujos meios de vida dependem da conservação e preservação do bioma. Muitas dessas comunidades tradicionais e locais encontram-se hoje sob forte ameaça promovida pelo avanço de diferentes frentes de expansão: soja, pecuária, eucalipto, cana-de-açúcar e mais recentemente os “biocombustiveis”, que entre outras atividades, geram impactos ambientais, conflitos agrários, exclusão social, violação de direitos trabalhistas, degradação cultural, concentração de renda e êxodo rural. Nos últimos 40 anos, a população rural do Cerrado diminuiu de sete para 3,5 milhões.
Mas algumas destas comunidades que vivem no Cerrado se organizaram, se informaram sobre as questões socioambientais, políticas públicas e sobre o quadro atual do aquecimento global e suas conseqüências catastróficas para a humanidade e estão trabalhando para reverter o quadro negativo e incerto para nosso futuro.
O assentamento Andalucia e o Ceppec
A 220 km de Campo Grande, no município de Nioaque, um grupo de pequenos produtores do assentamento Andalucia decidiu replicar seus conhecimentos (tradicionais e científicos) adquiridos há uma década, para geração de renda, melhoria da qualidade de vida e diversificação da produção no campo com a conservação e recuperação do Cerrado. A ideia foi aprovada através de um projeto com recursos de R$ 150 mil da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
O assentamento Andalucia já é uma referência no estado de MS em função da proposta de diversificação da agricultura familiar desenvolvimento sustentável implementado. Desde 1997, quando um grupo de famílias participou de um projeto da ECOA – Ecologia e Ação, o assentamento iniciou diversas ações para implementar um modelo de desenvolvimento sustentável para o Cerrado, voltado para assentamentos, comunidades e agricultores familiares ou agroextrativistas. Através do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec) os trabalhadores fortalecem a agricultura familiar para uma atuação política frente às ameaças do avanço das fronteiras agropecuárias. O centro trabalha com educação ambiental, extrativismo sustentável, Sistemas Agroflorestais (SAFs), artesanato em tecelagem e turismo rural, ações de combate à desertificação e recuperação de áreas degradadas, contra as queimadas e desmatamentos no Cerrado.
Desenvolvimento sustentável
O programa proposto pela ONG A Casa Verde e executado pelo Ceppec, ofereceu assistência técnica e extensão rural especializada com ênfase no agroextrativismo sustentável, visando articulação e fortalecimento de Arranjos Produtivos Locais (APLs). O manejo e beneficiamento da “Castanha do Cerrado”, conhecida como Combato ou Baru (Dipteryx alata Vogel) além de propostas de produção que garantem a permanência na terra, o uso sustentável dos recursos naturais e a geração de renda para agricultores foram colocadas em prática.
Além do extrativismo sustentável e diversificação na produção rural, o programa divulgou boas práticas de manejo extrativista em um guia, realizou recuperação de áreas degradadas e ações contra a desertificação no Cerrado. Também foi criada a identidade visual (logomarca) para produtos sustentáveis, o projeto de um site, jornal impresso, programas de rádio e outros materiais de divulgação.
Além do apoio da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o programa tem parcerias da Rede Cerrado, Centro de Apoio Sócio-Ambiental (CASA) e UFMS.
Lançamento
Nos dias 5 e 6 de maio de 2007, aconteceu o lançamento e primeira oficina do “Programa de Fomento a Projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural para Agriculturas(es) Familiares no Território da Reforma (MS)”, no assentamento Andalucia em Nioaque. A proposta beneficiou mais de 40 assentamentos de 11 municípios: Nioaque, Guia Lopes da Laguna, Anastácio, Jardim, Bonito, Bodoquena, Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti, Bela Vista, Terenos e Maracaju.
Estiveram presentes no lançamento, em Nioaque, os primeiros 30 treinandos dos assentamentos Uirapuru, Guilhermina, Palmeira, Colônia Nova, Conceição, Andalucia, Boa Esperança e Padroeira do Brasil, além de representantes das quatro aldeias indígenas do município. Até outubro de 2007 a oficina percorreu os 11 municípios envolvidos no programa.
Biodiesel que ameaça o Cerrado
Os incentivos para plantio de culturas para produção de biocombustíveis / agrocombustiveis (biodiesel e álcool) já são uma forte ameaça ao Cerrado brasileiro e a diversas iniciativas de desenvolvimento sustentável em assentamentos de regiões onde há investimentos no plantio de cana-de-açúcar, mamona ou soja.
A realidade no assentamento Andalucia, não é diferente de muitos assentamentos e aldeias indígenas próximas a regiões que estão investindo no plantio da cana. Com uma folga na semana, homens, mulheres e jovens acordam às 3 ou 4 horas da madrugada para enfrentar de 12 a 14 horas de trabalho, durante 3 meses, para o plantio, e depois, com um novo contrato, retornam para a colheita.
Segundo a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (rede@social.org.br), “historicamente a monocultura da cana-de-açúcar tem se baseado na exploração de grandes áreas territoriais de recursos naturais e da mão de obra escrava. O monopólio da terra gera pobreza, desemprego, exclusão social e mantém o poder das oligarquias rurais. O desemprego causado pelo modelo agrícola baseado na monocultura gera o trabalho escravo e violação dos direitos humanos”.
A proposta diferenciada da Ong A Casa Verde, executada pelo Ceppec, teve a intenção de implementar o extrativismo sustentável nos 11 municípios do Território da Reforma, região denominada e classificada assim pelo Programa Nacional de Territórios Rurais, do governo federal. Esta é uma das poucas vezes que um programa recebe recursos para fornecer assistência técnica e extensão rural voltada para o desenvolvimento sustentável de assentamentos. “O programa todo é pioneiro em MS porque se propõe a consolidar uma rede de produtores familiares de frutos nativos como a nossa castanha do Cerrado, o cumbaru, e iniciativas coletivas dessa natureza não existem ainda”, revela Rosane Bastos.
Mais informações
Contatos: +55 67 9 9674-7680 (Altair de Souza)
Ceppec – Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado
Assentamento Andalucia, lote 36, Cep: 79.220 000, Nioaque – MS
E-mail: ceppec.cerrado@gmail.com