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No Cerrado, extrativismo do baru promove conservação ambiental e independência financeira de mulheres

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Rosana Sampaio ministra aula sobre o baru no CEPPEC. Foto: Iasmim Amiden (Ecoa)

Por Luana Campos (Ecoa)

O sabor único e as excelentes qualidades nutricionais da castanha-de-baru (Dipteryx alata), fruto nativo do Cerrado, tem possibilitado o desenvolvimento de um processo virtuoso de conservação e desenvolvimento econômico-social de dezenas de famílias que vivem no Assentamento Andalucia, situado na alta bacia do Rio Miranda, em Nioaque (MS).

Cumbaru ou baru (Dypterix alata) – sementes torradas. Foto: Paulo Robson de Souza

No local fica o Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), uma referência nacional na coleta, produção e comercialização do baru. Criado em 2005, o Ceppec agrega 45 famílias coletoras que trabalham em todas as fases da cadeia produtiva do baru, desde o cuidado com as árvores no campo até a comercialização – baseada no princípio de preço justo e sem intermediários. O baru é o carro chefe da empreitada, mas outras espécies como o jatobá, também são beneficiados no local.

Altair de Souza, uma das lideranças do Ceppec, é agricultor familiar, assentado da reforma agrária e extrativista. Ele lembra da época que chegaram ao Andalucia – no final dos anos 1990 – e notaram a presença do baru na região. Em um primeiro momento, o único conhecimento que tinham a respeito do baruzeiro era sobre seu aproveitamento madeireiro. Com o tempo, notaram que o gado e outras espécies, como os morcegos, comiam a polpa, e “logo as crianças começaram a quebrar os frutos para comer a castanha, aí a gente se deu conta que era possível consumir”.

Desde o início, o trabalho do Ceppec tem o respaldo de investigações técnicas que associam o conhecimento popular e o científico, como um laboratório focado no desenvolvimento sustentável, onde as famílias produtoras/extrativistas podem ser capacitadas.

Rosana Sampaio do Ceppec. Foto: Iasmim Amiden

Na perspectiva de Rosana Sampaio, a Preta, extrativista e diretora do Ceppec, essa característica foi um passo fundamental para as grandes conquistas que o Centro tem alcançado. Dessa forma o grupo teve a chance de conhecer o Cerrado, reconhecer-se como parte dele, valorizar seu potencial, e descobrir novas possibilidades de geração de renda.

“Somos agricultores, então a gente pensou que teríamos que conhecer, e a partir do conhecimento, das nossas pesquisas, a gente poderia também estar capacitando e trazer a pesquisa técnica a partir das universidades, que vinham trazer pra gente o que não tínhamos. O surgimento da pesquisa do baru já nasceu disso, da atuação do corpo acadêmico dentro das áreas de assentamento, dentro das comunidades. Então nós temos nossa pesquisa popular, e vem a pesquisa técnica agregando a informação” – Altair de Souza, extrativista do Ceppec.

Hoje, graças a estas pesquisas, os benefícios do baru a saúde humana, popularmente conhecidas, como auxiliar na redução do colesterol total e triglicérides, combate a anemia e melhoria do sistema imunológico, por exemplo, já podem ser comprovadas. Além disso, os estudos contribuíram para que os valores nutricionais da castanha fossem descritos nas embalagens dos produtos do Ceppec.

Outra particularidade do Ceppec é seu propósito de empoderar as mulheres. Criado por um grupo de mulheres, com apoio da ONG Ecoa (Ecologia em Ação), o Centro carrega em seu estatuto a inovadora determinação de que sua diretoria seja ocupada em 50% +1 por mulheres. Atualmente as mulheres ainda são as maiores envolvidas no processo, principalmente na coleta e quebra do baru.

Nathália Ziê (ECOA) com a castanha de baru. Foto: Iasmim Amiden

Nathalia Ziolkowski, pesquisadora e consultora técnica da ONG Ecoa, ressalta a importância da organização social e política dessas mulheres no território, em busca da independência financeira, como um meio de suprir necessidades. Estas carências podem ser particulares, como a valorização do trabalho, igualdade de renda, sobrecarga de tarefas, e a superação de violências, mas muitas das vezes são as mesmas da sua família e da comunidade, como acesso aos direitos básicos e as políticas públicas. Por isso, Ziolkowski descreve que “os centros produtivos nessas comunidades são locais onde as mulheres conseguem alcançar a ampliação da renda familiar, podem lutar por sua autonomia e tudo isso com foco no coletivo”.

Percebendo esse protagonismo das mulheres em territórios e comunidades tradicionais, a ECOA passou a desenvolver projetos voltados para apoiar esse processo de empoderamento, culminando, em 2015, na consolidação da Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal (CerraPan). O Ceppec não só integra a Rede, como compõe sua diretoria.

Durante o II Encontro da Rede CerraPan, organizado em março deste ano pela Ecoa, Rosana Sampaio descreveu alguns dos passos mais importantes que o Ceppec deu nos últimos anos, como a obtenção do selo de certificação orgânica para o baru na região do Andalucia, práticas de manutenção do preço justo, e a exportação da castanha para empresas do setor de alta gastronomia e produtos naturais dos Estados Unidos, e da cadeia extrativista do baru como um todo, por exemplo, a precificação assegurada pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento).

Rosana considera urgente que os extrativistas se reconheçam e se unam como um grupo de interesses que primam pela vida e pela saúde, para pensarem como querem trabalhar a cadeia de frutos da sociobiodiversidade, uma vez que “o mercado já está aberto e apto a receber nossos produtos”, afirma.

A experiência do Ceppec e da CerraPan farão parte da programação da Tenda de Mulheres Dona Dijé, que ocorre durante o IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, grande espaço de troca de experiências e articulações em defesa do Bioma e seus povos.

Confira a programação completa em: redecerrado.org.br/encontro-dos-povos-do-cerrado

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