Por Julio Wiziack
A China pôs à disposição do governo Jair Bolsonaro mais de US$ 100 bilhões de pelo menos cinco fundos estatais para uma nova rodada de investimentos no Brasil.
Nas reuniões ocorridas entre os países nesta semana em Brasília, Pequim também sinalizou com uma expansão do crédito por meio de seus bancos no Brasil para competir principalmente por clientes do agronegócio e da indústria.
No caso dos fundos de investimento, a maior parte dos recursos deverá financiar projetos de infraestrutura.
O ministro da área no Brasil, Tarcísio de Freitas, assinou na quarta-feira (13) um acordo de cooperação com o ministro dos transportes da China, e, ao longo de cinco anos, haverá uma parceria na elaboração de projetos.
Essa parceria pode destravar um fundo criado pelos dois países em 2017 destinado principalmente à expansão de malha logística no país.
Desde a posse de Bolsonaro, nenhuma reunião ocorreu para decidir quais seriam os empreendimentos a serem financiados com os recursos desse fundo binacional.
Os chineses aguardam o sinal verde do Brasil para depositar US$ 15 bilhões. Segundo o acordo, o Brasil terá de entrar com US$ 5 bilhões como contrapartida.
Levantamento do CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China) mostra que, na última década, os investimentos chineses acumulados no país foram de US$ 57 bilhões em 145 projetos espalhados por 21 estados e o Distrito Federal.
“Não temos os dados atualizados, mas, neste ano, seguramente, deve passar de US$ 60 bilhões”, disse Tulio Cariello, coordenador de análise e pesquisa do CEBC.
A maior parte desse investimento ocorreu a partir de 2017, com o programa de concessões e privatizações do então presidente Michel Temer.
Os chineses se consolidaram no setor elétrico, adquirindo geradoras, distribuidoras e linhas de transmissão. Somente em 2018, foram 12 projetos das estatais State Grid e China Three Gorges, com desembolsos de US$ 1,7 bilhão.
Apesar de a maior parte do investimento se concentrar em energia, grupos chineses estão presentes nos mais variados ramos da economia brasileira, desde a fabricação de máquinas e equipamentos, passando por telecomunicações, papel e celulose, até petróleo e gás, agricultura e varejo.
Segundo Cariello, em uma primeira fase de investimentos (de 2007 a 2011), a China buscou projetos chamados greenfield, nome que se dá a um empreendimento que começa do zero, como a construção de uma fábrica.
De 2012 a 2016, a preferência passou para a compra do controle ou de participação minoritária em empresas já estabelecidas. Na gestão Temer, o apetite dos chineses aumentou com o programa de concessões e privatizações.
As relações com o Brasil começaram a estremecer com a posse de Bolsonaro, que reforçou o discurso usado na campanha de que não aceitaria a política da China de “comprar o Brasil, e não do Brasil”.
A situação ficou mais tensa quando Bolsonaro fechou um acordo de parceria com o presidente Donald Trump. China e EUA travam guerra comercial, com elevação mútua de tarifas.
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. De janeiro a outubro, o Brasil exportou US$ 51,5 bilhões para o país asiático e importou US$ 30 bilhões.
A mudança de rumo na relação com a China ocorreu no fim de outubro, durante visita oficial de Bolsonaro ao país. No encontro com o dirigente chinês, Xi Jinping, o brasileiro pediu que as petroleiras chinesas participassem do megaleilão do pré-sal para garantir presença estrangeira. A China foi o único país que entrou na disputa.
A abertura para o país asiático ocorre no momento em que os resultados do alinhamento com os EUA não surtem os efeitos esperados pelo governo brasileiro, que, em contrapartida, fez diversas concessões. Uma delas, a abertura do mercado de trigo para produtores americanos, desagradou à China, que fizera o mesmo pedido ao Brasil, sem sucesso.
O Brasil também busca o apoio dos EUA para entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O país está na fila, e a Argentina foi anunciada recentemente como prioridade.
Caso a mudança de rumo nas relações se confirme, os chineses também querem ampliar a presença de seus bancos, principalmente os de fomento, como o China Development Bank, para expandir o crédito.
Bancos como o ICBC (Industrial and Commercial Bank of China), o Bank of China, o Haitong e o CCB (China Construction Bank) devem ampliar neste ano seu patrimônio, hoje na casa dos US$ 3,5 bilhões, para poder concorrer na oferta de crédito nas áreas de agricultura e indústria, principalmente.
Por trás dessa estratégia, está a política do governo chinês de fortalecer a moeda, o yuan.
A ideia é massificar a presença de instituições financeiras chinesas a ponto de pleitear do Brasil que as transações comerciais e de investimentos sejam feitas diretamente na moeda chinesa.
“Isso levaria a uma redução de custos das transações nas duas pontas”, diz Sérgio Quadros, ex-gerente do Banco do Brasil na China que hoje pesquisa os benefícios da expansão da moeda chinesa no país.
Para ele, o Brasil pode ganhar com essa política. As empresas nacionais poderiam, por exemplo, se financiar comprando títulos chineses em yuan no exterior, pagando menos.
“Hoje, mais de 90% das reservas brasileiras são em dólar”, diz Quadros. “Tenho certeza de que a China gostaria que uma parte fosse em yuan.”
Segundo ele, hoje bancos centrais mantêm o equivalente a US$ 202 bilhões de suas reservas na moeda chinesa.