Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico
“Temos que estar preparados”, diz o climatologista Carlos Nobre, alertando para o fato que eventos extremos como as chuvas que causam a tragédia vivida no Carnaval no litoral norte de São Paulo irão se repetir. “Não tem volta. Esses eventos vão se tornar cada vez mais comuns.” Há 10 milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco de deslizamentos e enxurradas, sendo 2 milhões em áreas de altíssimo risco. “Tirar essas pessoas de lá é um grande desafio. Mas é obrigatório colocar sirenes ali imediatamente, para que as pessoas saiam de suas casas na iminência de desastres e possam ser salvas.”
Nobre cita um estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que estimou, com base no Censo de 2010, quantas pessoas vivem em áreas de risco de inundação e deslizamentos no Brasil. Há 40 mil áreas de risco já mapeadas, em 825 municípios.
No Brasil, o maior número de mortes por desastres naturais é por deslizamentos de terra e enxurradas”
Um dos criadores do Cemaden em 2011, Nobre diz que é preciso treinar as pessoas para saírem imediatamente das casas quando ouvirem as sirenes e irem para um lugar escolhido previamente como seguro – a igreja, a escola. E iniciar já grandes projetos de restauração florestal, principalmente em topos de morro desmatados, em áreas próximas a rios e áreas urbanas de risco. “Não tem como, nos próximos 100, 200 ou 300 anos, voltarmos a ter a temperatura de antes do aquecimento global”, alerta.
Em 2022 o Brasil registrou o maior número de eventos extremos dos dados históricos. “Não podemos pensar que vai voltar para trás, que foi uma coisa muito anômala, algo que nunca mais vai acontecer. Ao longo dos próximos anos, os recordes serão batidos no Brasil e no mundo. Esses eventos vão se tornar mais comuns.”
Na madrugada de domingo, às 2h da manhã, choveu 120 mm em uma hora em alguns lugares de São Sebastião. “Nesta época do ano chove 300 mm no litoral de São Paulo no mês de fevereiro. Mas choveu um terço do que chove na região em apenas uma hora. Em nove horas choveu o dobro do que chove em todo o mês.” A seguir, trechos da entrevista que concedeu ao Valor, por telefone:
Valor: O que causou esta tragédia no litoral norte de São Paulo?
Carlos Nobre: Um fenômeno climático extremo de chuva, um recorde histórico. Há uma dúvida se é o maior volume de chuva em 24 horas que o Brasil já viu, mas certamente é o maior volume que o Sudeste já viu. Em alguns lugares de Bertioga já passou de 700 milímetros de chuva, em São Sebastião está perto disso. Foram cerca de 500 milímetros em nove horas, na região mais afetada de São Sebastião. É um fenômeno meteorológico raro mas que, infelizmente, devido ao aquecimento global, se torna muito mais comum em todo o mundo. Em 2022 tivemos o maior número de eventos extremos do registro histórico do Brasil. Não podemos, infelizmente, pensar que vai voltar para trás, que foi uma coisa muito anômala, algo que nunca mais vai acontecer. Não. Temos que estar preparados. Ao longo dos próximos anos e décadas, os recordes desses eventos extremos serão batidos em todo o mundo e também no Brasil.
Valor: O que explica o que aconteceu agora?
Nobre: Foi o fenômeno de uma frente fria intensa que veio da Argentina. Quando chegou ao litoral do Estado de São Paulo, estacionou parcialmente. Havia um sistema de baixa pressão que empurrou um ar muito quente e úmido para a costa. Esse vento forte levou muita umidade para dentro do continente. A temperatura do mar também estava muito quente, 27 °C, e, quando o oceano está nessa temperatura, evapora muita água. Então, havia muito vapor d’água, um vento forte que encontrou a serra do Mar logo ali, a cinco ou dez quilômetros do mar. Pronto. A umidade bate na serra, vento forte, sobe muito rápido, forma nuvens. A frente de baixa pressão ficou parcialmente estacionada e continuou alimentando a umidade. O resultado foi uma chuva enorme. Teve um momento, às 2h de domingo, que chegou a chover 120 mm em uma hora.
Valor: O que isso quer dizer?
Nobre: Nessa época do ano chove 300 mm no litoral de São Paulo no mês de fevereiro. Choveu um terço do que chove na região em apenas uma hora. Em nove horas choveu o dobro do que chove em todo o mês de fevereiro.
Valor: E isso vai se repetir?
Nobre: A gente não consegue prever se isso vai se repetir amanhã no litoral norte de São Paulo, mas isso vai se repetir em todo o mundo e certamente no Brasil. Temos que esperar esses recordes serem quebrados. Não vai ter nenhum ano em que um evento extremo desses não irá acontecer em algum lugar do planeta. Em um país tropical como o Brasil, esses eventos de chuvas intensas vão acontecer cada vez com mais frequência. Em março de 2021, teve o recorde de 500 mm de chuva em 24 horas em Petrópolis. Em fevereiro, quando morreram 241 pessoas, foi o recorde em três horas, com 230 mm.
Valor: Qual o grande desafio?
Nobre: A vice-diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), Regina Alvalá, conduziu um estudo baseado no Censo de 2010 que mostrou que há 10 milhões de pessoas que moram em áreas de risco no Brasil e mais de 2 milhões em áreas de alto risco. Esse é o grande desafio: como reduzir o risco de milhões de brasileiros. Não é fácil. Precisa ter políticas de adaptação [aos impactos climáticos] eficientes e um grande projeto de reflorestamento. O presidente Lula falou na retomada super rápida do Minha Casa, Minha Vida. Chamo de “Minha Casa, Minha Vida sustentáveis”.
Valor: O que isso quer dizer?
Nobre: Não se pode colocar o Minha Casa, Minha Vida em áreas de risco, em encostas ou na beira de rios. O presidente Lula disse isso. Mais de 2 milhões de pessoas vivem em áreas de altíssimo risco e esse número vai aumentar, com o Censo de agora, porque nada melhorou no Brasil na última década. Mais de 40 mil pessoas vivem em áreas com mais de 25 graus de declividade na região serrana do Rio. Não podem continuar lá. Esse é um enorme desafio que pode levar décadas.
Valor: E no curtíssimo prazo?
Nobre: No Brasil, o maior número de mortes por desastres naturais é por deslizamentos de terra e enxurradas, porque existem milhões de brasileiros que vivem em encostas. Existem dezenas de milhares de áreas de risco já mapeados. Tem que colocar sirenes. Nenhum dos municípios do drama do litoral de São Paulo tinha sirenes. Com pessoas já treinadas a buscar seu lugar de segurança quando a sirene toca – uma escola, uma igreja. O estudo do Cemaden mapeou 40 mil áreas de risco em 825 municípios. É obrigatório colocar sirenes imediatamente. Porque aí, quando o Cemaden anunciar uma ameaça como essa, a Defesa Civil dispara a sirene na hora do risco iminente. E todos têm que sair das casas e correr ao local seguro para se abrigarem. Tirar mais de 2 milhões de pessoas de áreas de altíssimo risco é algo de bilhões de reais. Mas ter sirenes não é difícil e se salvariam muitas vidas.