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Mudanças climáticas podem afetar finanças da América Latina e Caribe

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Foto: Agência de Notícias do Acre/Sérgio Vale

Elton Alisson | Agência FAPESP 

 

Os países da América Latina e do Caribe estão enfrentando graves crises socioeconômicas decorrentes de secas severas e eventos hidrometeorológicos, como chuvas intensas. O aumento da frequência e da intensidade desses eventos climáticos extremos pode colocar em risco o saldo fiscal – a diferença entre a arrecadação e os gastos públicos – dessas nações. Assim, elas podem ter dificuldade para tomar novos empréstimos que ajudem a gerenciar as consequências de futuros desastres naturais, avalia Graham Watkins, chefe da divisão de mudanças climáticas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

“Estamos diante de uma situação bastante séria. Os dados indicam que o número de desastres naturais na região triplicou em comparação com 50 anos atrás e eles estão afetando a produção agrícola, o fornecimento de energia e a saúde humana”, afirma Watkins.

“Estimamos que os custos desses desastres climáticos que têm ocorrido na região já estejam em torno de US$ 3 bilhões anuais”, disse Watkins em palestra durante a Cúpula sobre Desenvolvimento Sustentável na América Latina e Caribe, realizada nos dias 6, 13 e 20 de setembro pela editora Springer Nature.

De acordo com o economista, todos os países da região estão enfrentando o aumento na frequência e intensidade de eventos extremos e mudanças climáticas de início lento, como furacões que atingem a parte norte da América Latina e do Caribe.

Esses eventos têm influenciado os padrões de mobilidade humana e induzido o deslocamento populacional na região, apontou José Marengo, coordenador-geral do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

“Os Andes, o Nordeste do Brasil e os países do norte da América Central estão entre as regiões mais sensíveis às migrações e aos deslocamentos relacionados ao clima”, disse Marengo.

Cerca de 1 milhão de pessoas em toda a região têm migrado para as cidades em razão de eventos climáticos extremos e mudanças de início lento, apontaram os pesquisadores.

Ao mudar para as cidades, esses migrantes climáticos têm procurado abrigo em regiões periféricas, que são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. Dessa forma, os riscos são exacerbados.

“Precisamos ser capazes de quebrar esse ciclo vicioso”, avaliou Watkins.

Para isso, segundo ele, é preciso elevar os investimentos prévios em ações voltadas a aumentar a resiliência da população da região aos impactos das mudanças climáticas. Entre elas estão o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce, planos de contingência e melhorar os sistemas de proteção social, apontou o economista.

“Sabemos que cada dólar investido antecipadamente em ações voltadas a aumentar a resiliência e a adaptação climática reduz entre quatro e sete dólares os gastos futuros”, afirmou.

Outra medida para diminuir os custos e os deslocamentos humanos em razão de eventos climáticos extremos é garantir a transferência rápida de recursos para as pessoas atingidas, apontou o economista.

Na Austrália, as pessoas afetadas por enchentes ou secas extremas podem receber compensação financeira de órgãos governamentais em até oito horas, exemplificou Watkins.

“Precisamos de sistemas como esse na América Latina e no Caribe, que permitem respostas rápidas de resiliência aos desastres. Se esperarmos seis meses para responder a um desastre, as pessoas já terão mudado para cidades ou outros lugares”, disse.

Em países como Equador e Peru já têm sido implementados sistemas similares com o objetivo de minimizar a perda de meios de subsistência das famílias afetadas por eventos climáticos extremos e, dessa forma, reduzir os riscos de migração forçada, contou Watkins.

“Países com mecanismos de governança sólidos, estruturas regulatórias e orçamentos fortes podem reduzir as perdas econômicas e humanas causadas por eventos climáticos extremos”, afirmou. “Com base na nossa experiência estimamos que um aumento de 1% na capacidade de melhorar a governança reduz as baixas humanas por desastres naturais em 3% e as financeiras em 6%”, disse.

Disparidades regionais

De acordo com dados apresentados por Marengo, há grandes disparidades entre os países da América Latina e do Caribe em relação a serviços climáticos e sistemas de alerta precoce de eventos climáticos extremos. Apenas seis nações da região têm capacidade avançada nesses quesitos.

“A melhor maneira de estar preparado para se adaptar às mudanças climáticas futuras é ajudar as pessoas a lidar com a variabilidade climática atual. Se as pessoas não estiverem adaptadas ao que está acontecendo agora será muito difícil que estejam no futuro. Mesmo que exista financiamento para adaptação, elas não saberão o que fazer”, afirmou.

Na maioria dos países da região, os investimentos para lidar com as mudanças climáticas têm sido alocados em mitigação, mas é necessário que sejam mais direcionados para adaptação, ponderou Edwin Josue Castellanos, professor da Universidade do Vale da Guatemala.

“É preciso garantir que o financiamento seja usado principalmente em adaptação e não tanto em mitigação”, afirmou.

“A maioria dos países da região já possui tanto planos de adaptação como de mitigação, mas a maioria está em estágio inicial e não conta com recursos suficientes”, ponderou Castellanos.

Na avaliação dos participantes do evento, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas podem servir como um roteiro comum para os países da região enfrentarem os desafios para lidar com as mudanças climáticas, a pobreza extrema, as desigualdades sociais e a perda acelerada de recursos naturais.

“Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável refletem o desejo dos líderes mundiais de se concentrar na redução do fosso que há entre as pessoas dos países mais ricos, de alta renda, e a população dos países mais pobres”, disse David Nabarro, professor do Imperial College London.

“Precisamos realmente fazer com que as nações ricas se concentrem no que está acontecendo com as nações pobres. Caso contrário haverá uma dificuldade real em cumprir os ODS até 2030”, avaliou.

O diretor científico da FAPESP, Luiz Eugênio Mello, destacou que a FAPESP indexou seu portfólio de programas e de projetos apoiados a cada um dos 17 ODS com o objetivo de facilitar o acesso às pesquisas relacionadas e subsidiar políticas públicas nas diferentes áreas. Além disso, lançou um site que dá acesso ao conjunto de programas, iniciativas e projetos apoiados pela FAPESP articulados com os ODS.

“Acreditamos firmemente que aumentar o impacto da ciência para o benefício da sociedade é o caminho que precisamos avançar”, avaliou Mello.

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