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Conferência Pantanal: Aliança sem fronteiras pode garantir salvaguarda da região, destacam participantes

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Foto: Flavio André-MTur

O Pantanal ardeu em chamas de uma forma nunca vista antes e tudo indica que, se a prevenção não for realizada, p mesmo pode ocorrer em 2021. Precedido por uma seca que castigou e ainda castiga os territórios e deixou comunidades sem água, o Pantanal sofre.

Pensando neste cenário e nas matizes que ligam toda a bacia do Prata, especialistas, cientistas e ambientalistas participaram de discussão ao vivo, no dia 04 de novembro às 18h (horário de Brasília), e abordaram quais caminhos podem consolidar o PAR (Prevenção, Apoio e Recuperação) no Pantanal.

Durante a conferência Pantanal, refletiram que só o engajamento sem fronteiras que consolide Prevenção, Apoio e Recuperação com uma atuação forte pode salvaguardar o futuro do Pantanal.

A mesa de discussões foi aberta por Carlos Pinto, da Fundación Amigos de la Naturaleza (FAN), Bolívia , que falou sobre “Incendios forestales em el Pantanal: percepciones e realidades”. Um dos maiores especialistas em incêndios florestais da América do Sul, Carlos acompanha regularmente a situação climática e seus efeitos nos territórios comuns entre Bolívia, Brasil e Paraguai.

“Em todas as regiões os incêndios florestais têm essa dimensão transfronteiriça. Ano passado tivemos essa mesma dimensão com incêndios florestais entre Bolívia e Paraguai. A situação de incêndios que se originou na Bolívia foi até o Paraguai e este ano também tivemos esse mesmo cenário”, comentou Carlos.

Abertura da Conferência Pantanal no dia 04 de novembro (Foto: Reprodução)

Ele destacou que “é inevitável gerar as alianças entre as regiões para poder gerir esse tipo de evento catastrófico que cada vez mais se apresenta”. “Queimadas sempre existiram. Os incêndios sempre foram parte da realidade do Pantanal, mas estes eventos grandes ocorriam a cada quatro, cinco anos, mas nos últimos anos a dimensão desses eventos está rompendo todos os padrões”, ressaltou Carlos.

“A mudança climática é uma realidade, por um lado, mas por outro lado também é uma realidade a necessidade de produção, a política também é outro elemento. São todos ingredientes perfeitos para gerar essa tormenta para incêndios florestais. O futuro é construir uma condição de manejo integral do fogo que integre a parte ecológica do fogo com as ações de manejo do fogo, entendendo sempre a prevenção, extinção e uso do fogo”, disse.

Carlos durante apresentação na Conferência Pantanal (Foto: Reprodução)

Diretor Presidente da Ecoa, o biólogo André Luiz Siqueira também falou sobre as consequências dos incêndios em 2020 e como viu “imagens que nunca esperou ver”.

André destacou que é preciso que o Brasil avance com as políticas de prevenção, que não se consolide a impunidade e assim como Carlos, ressaltou a necessidade de se realizar o “manejo integral do fogo”. “E aí mostra claramente que algo muito errado aconteceu no sentido de prevenção em 2020. Peças não foram encaixadas, planejamentos não foram feitos para que a gente tivesse a maior tragédia do bioma sem dúvida alguma”, comentou.

“Nós fundamentalmente precisamos falar da política nacional de manejo integrado do fogo, a PL 11.276, de 2018, que está parada desde 9 de fevereiro na Câmara dos Deputados. E aí mais importante e eu gostaria de chamar mais a atenção para algum ponto é que existe gente no Pantanal. Existem pessoas. Não é só a flora e a fauna que queimam. Obviamente que tem diferentes momentos de recuperação e claro que todas as imagens chocam e são dramáticas, mas nós temos pessoas aqui”, destacou André.

André mostrou fotos que indicam o drama das queimadas em 2020 no Pantanal (Foto: Reprodução)

Apoio

Essencial ao trabalho que a Ecoa vem desenvolvendo e em solidariedade aos povos tradicionais do Pantanal, a Comitiva Esperança também foi discutida na conferência. O jornalista e um dos idealizadores deste projeto, João Mazini, falou sobre a importância de pensar estratégias de divulgação de campanhas e sobre como é essencial trazer os jovens para a luta pelo Pantanal.

Depois do fundador da Comitiva Esperança, foi a vez do Especialista em Desenvolvimento de Produtos Florestais Não-Madeireiros e responsável pelo programa Valorização Socioeconômica da Floresta na Fundación para la Conservación del Bosque Chiquitano – FCBC. Diego Javier Coimbra Molina, da Bolívia, deu uma verdadeira aula sobre a Chiquitania, na Bolívia, e como esse território está profundamente conectado com o Pantanal.

“Temos visto que há cada vez mais incêndios em nossa região. Vemos também que está chovendo cada vez menos e vemos também que há cada vez mais desmatamento. Evidentemente que todos esses fatores estão relacionados”, disse.

Além disso, destacou o papel do extrativismo sustentável para a manutenção dos territórios.

“E neste cenário, o que podemos dizer sobre o extrativismo? O extrativismo nos permite colocar nomes e rostos na biodiversidade. Não é mais a natureza abstrata, a floresta anônima. São pessoas, famílias, comunidades que vivem e dependem do único sistema. Os produtos do extrativismo permitem ao público conectar a natureza com bens tangíveis. Uma economia familiar, com a saúde, com uma melhor nutrição”, destacou.

Brigada Pantanal
Brigada Pantanal durante a temporada de queimadas (Foto: Arquivo/Ecoa)

A recuperação ecológica

Um dos destaques da Conferência foi a pesquisadora Solange Ikeda, que apresentou uma série de ações sobre “Restauração ecológica no Pantanal”, que atualmente desenvolve junto com alunos e outros pesquisadores. “Nós temos que entender essas áreas úmidas como uma encruzilhada fitogrográfica. Como uma rica biodiversidade, nem sempre endêmica, mas com a presença de espécies de todas essas províncias fitogeográficas dos arredores”, explicou Solange.

“Quais indicadores vão determinar a restauração em nível de estrutura, de diversidade e de função? Como vamos fazer a restauração que precisa ser em nível de biodiversidade, dos processos ecológicos e da água? Não só da parte biológica. Nós precisamos pensar em restauração social, econômica e cultural”, ressaltou ela.

Registros da seca no Pantanal da região do Amolar. (Fotos: Jocemir Antunes)

Saúde mental

Presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera do Pantanal e uma das grandes referências em unidades de conservação, Laércio Souza mostrou dados que assustam: a grande parcela do território atingido pelo fogo em 2020.

Conforme os dados expostos, o Pantanal representa apenas 4,6% da área protegida do Brasil e 1,02% de unidades de conservação. “É muito pouco gente, muito pouco quando a gente fala desse bioma tão grande”, comentou Laércio. “No Brasil temos sete reservas da biosfera. A nossa é a do Pantanal. A terceira maior reserva da biosfera do mundo”.

“Do bioma Pantanal, 4 milhões e 350 mil hectares foram atingidos pelo fogo, de um total de 16 milhões de hectares que nós temos aproximadamente de Pantanal. E reserva da biosfera foram atingidos 4 milhões 639 mil hectares. Isso significa por volta de 17,56% da reserva da biosfera. A reserva da biosfera virou literalmente fumaça. Do bioma, 28%”, apresentou ele.

Laércio enfatizou a necessidade de atendido à saúde mental e psicológica dos moradores do Pantanal e relatou como ele mesmo sofreu com o temor de que o fogo consumisse o território na sua RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) localizada em Miranda (MS), na BR-262, km 570, próximo à ponte do Rio Miranda.

“Nos últimos dois três meses eu não dormi, fiquei com dor de barriga todos os dias, esperando talvez um telefonema do morador lá dizendo ‘Seu Laércio, a RPPN está pegando fogo, o que eu faço?’. Foram dois meses assim inimagináveis para uma pessoa. Dor de barriga, dor de cabeça. O fogo chegou a 5km da fazenda, quando começou as chuvas eu falei ‘Nossa senhora’. Foi uma coisa divina”, relatou.

Após a conferência, em conversa com a Ecoa, Laércio comentou sobre os incêndios e caminhos para a prevenção nas RPPNs. Para ele, as propriedades devem ter uma logística organizada de combate.

“Seria interessante termos brigadas das fazendas, que as fazendas constituam brigadas. Aquelas que não tenham um número grande de funcionários terem uma comunicação direta com o órgão ambiental, com o Prevfogo, que é o meu caso. Saber onde estão as principais brigadas, qual a fazenda que tem a brigada mais próxima, como fazer a comunicação. Isso já existe entre os proprietários rurais, essa solicitação, de colocar os funcionários para trabalharem em conjunto. E que fique claro, a quantos kms, para quem ligo, quem está disponível, a logística para que possa ocorrer de forma mais efetiva”, disse.

Ele acredita que ampliar o número de reservas particulares, em especial no entorno de parques nacionais, pode ser uma das garantias de preservação do território.

“Eu acho que elas [RPPNs] são super importantes, inclusive para aumentar o número de áreas protegidas, apesar do proprietário ter essa consciência de fazerem conservação há 300 anos, como a gente garante que ela se perpetue? que esses 4% aumentem e garantem 89% do bioma também fique dessa foma? Conscientizando, criando RPPNs, principalmente ao redor dos parques nacionais, onde o privado se faz presente e consegue trabalhar a segurança de forma mais efetiva”.

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Porto hidroviário no município de Porto Murtinho (MS), no Pantanal. Foto: Toninho Ruiz /via Campo Grande News

Um projeto ameaçador

Advogado e ambientalista e escritor argentino Jorge Daneri discorreu sobre a bacia do Prata e destacou que um projeto ameaçador, a dragagem de parte do curso do Rio Paraguai, conhecido como projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai. O projeto, que pode sair do papel, destacou Jorge, vai atingir ainda mais a bacia que já sofre com a falta de água. Jorge apresentou sobre “Pantanal e um universo – o Sistema Paraná-Paraguai de Áreas Úmidas”.

“Está se planejando um acordo federal para a gestão da hidrovia, particularmente de Santa Fé (Argentina) até Assunción (Paraguai), até Corumbá, até Cáceres, [no Pantanal] com muito maior aprofundamento, porque cada vez há menos água, porque cada vez está mais baixo…e isso implica aprofundar o canal”, explicou.

Para Jorge, é preciso “formar um novo acordo ambiental particularmente da bacia do Prata”. “Acreditamos que há uma ferramenta muito boa, muito positiva, que celebramos há 10 anos e que é a proposta das organizações cidadãs de estratégias para a sustentabilidade das áreas úmidas do sistema Paraguai-Paraná”, disse ele.

Um destino comum

O encerramento da Conferência foi realizado pelo ex-ministro do Ambiente do Paraguai, Oscar Rivas, que mostrou como o Gran Chaco e o Pantanal são um só território que vem sofrendo as mesmas ameaças.

“Há um destino comum? Estamos nos perguntando se esses dois grandes biomas, se essas duas grandes regiões como o Grande Pantanal do Alto Paraguai e o Gran Chaco Americano que em definitivo, em nossa percepção, e em nossa aproximação, observando e caminhando, caminhando nos territórios como faziam os antigos habitantes dessa porção do território nos damos conta que são duas partes de uma mesma unidades. O Gran Chaco e o Grande Pantanal são uma mesma unidade dentro do continente sul-americano”, disse ele.

O destaque na fala de Oscar foi a crise climática:

“A crise climática é provocada pelo homem. Não é uma questão de origem natural, é absolutamente, com toda a certeza, gerada por ação antrópica. Estão empurrando para um destino fatal, tanto no grande Pantanal quanto no grande Chaco. E agora muita gente não se dá conta, e não se se dão conta porque assumir a responsabilidade das causas estruturais do problema supõe não somente mudar o sistema de produção e consumo insustentáveis que já supõe construir, desenvolver e imaginar outra civilização, porque a crise é realmente uma crise civilizatória e está gerando todo esse problema que nos doem tanto”.

O vídeo completo da conferência está disponível no Facebook da Ecoa.

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