Quando a conta entre a quantidade de água disponível e a demanda pelo recurso não fecha surgem conflitos de escassez.
A água é um recurso essencial para muitas atividades do dia a dia e para manter nossos ecossistemas saudáveis. Mas, com o crescimento da população, o aumento das atividades humanas e a mudança climática, a pressão sobre a água só aumenta. Isso resulta em problemas tanto na quantidade quanto na qualidade da água, afetando as fontes que usamos, seja na superfície ou no subsolo.
Na maior parte das vezes esses conflitos acontecem por causa de atividades econômicas que precisam da água como insumo de produção. No Brasil, os principais usos da água incluem a geração de energia elétrica, o abastecimento público e o tratamento de esgoto, além da indústria, da agricultura, da pesca e do turismo.
A mediação de conflitos hídricos
Gerir esses conflitos é um dos maiores desafios de um Comitê de Bacia Hidrográfica. Por vezes, a existência e desigualdade de forças em uma disputa de interesses pode até justificar a criação de um Comitê, que surge do apelo de grupos afetados que vivem no território da bacia.
Um exemplo disso é o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Jauru. É o que relatam as pesquisadoras Ingrid Oliveira, Solange Ikeda e Danúbia Leão em um estudo sobre como os membros dos comitês dos rios Jauru e Cabaçal percebem os conflitos socioambientais.
O Jauru, um dos principais rios que formam o Pantanal, foi duramente impactado pela construção de seis represas hidrelétricas. Isso afetou a qualidade da água e a vazão do rio, resultando em variações bruscas e frequentes no volume das águas, redução das populações de peixes e prejudicando a navegação.
Nos comitês, que funcionam como grupos de discussão, as demandas da bacia são debatidas e resolvidas por meio do diálogo. Esses comitês atuam como um “parlamento das águas”, ajudando a resolver, em primeira instância, os conflitos entre os diferentes usuários dos recursos hídricos.
O objetivo é garantir que todos os interesses sejam ouvidos e que as soluções sejam justas e equilibradas, beneficiando tanto as pessoas quanto o meio ambiente.
Como os comitês de bacia resolvem conflitos?
Quando um conflito aparece em uma bacia, “o Comitê é o primeiro órgão a ser acionado”, segundo a ANA (Agência Nacional de Águas). Nesse momento, a situação é apresentada formalmente e analisada por uma Câmara Técnica, que realiza estudos técnicos, financeiros, econômicos e socioambientais sobre os impactos potenciais do problema.
Depois que todas as etapas do processo administrativo estabelecido pela Política Nacional de Recursos Hídricos são cumpridas, a questão é levada ao Plenário do Comitê, onde as possíveis soluções são discutidas.
Soluções colaborativas para problemas hídricos
Dado que a água é usada de maneiras diferentes por várias pessoas e que, muitas vezes, interesses econômicos falam mais alto, os conflitos por conta da falta de água são inevitáveis. Por isso, é fundamental incentivar a criação de comitês de bacia e a participação da comunidade nesses espaços.
A governança das águas, por meio dos comitês, agrega usuários, a sociedade e o poder público, permitindo que todos compartilhem suas perspectivas sobre um mesmo problema. Isso gera mais transparência nas negociações e ajuda a evitar abusos de poder econômico.
Assim, aumenta a chance de chegarmos a soluções que garantam o acesso à água de qualidade para todos os seres vivos e ajudem a preservar os ecossistemas.
No Pantanal, um caso emblemático é o arquivamento dos processos de licenciamento de seis barragens hidrelétricas no rio Cabaçal. Essa decisão tem como objetivo evitar os impactos negativos que ocorreram no rio Jauru devido ao represamento.
Essa ação em defesa do Rio Cabaçal foi resultado do esforço conjunto e consistente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Cabaçal, Ecoa em parceria com o Instituto Gaia, de vereadores, empresários e pescadores da região.
O Cabaçal, que é um importante afluente do rio Paraguai, possui algumas das principais nascentes que abastecem o Pantanal, além de abrigar diversas espécies de peixes migratórios – como o dourado – que são de grande importância social e comercial. Por ser o único rio da sub-bacia hidrográfica do Paraguai que está livre de represas é essencial que continue livre.
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Referências:
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