Por Laís Costa do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento.
O Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) autorizou a licença prévia que prevê a implantação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Estivadinho 3 no leito do Rio Jauru, no município de Reserva do Cabaçal, a 320 km de distância da capital mato-grossense. A decisão foi tomada durante reunião ordinária do Consema na manhã do dia 3 de março, apesar do voto revisor do Instituto Caracol detalhar diversos vícios, possíveis ilegalidades e irregularidades no processo, e indicar o indeferimento da licença prévia.
“Há várias questões e lacunas que foram desconsideradas pelo Consema, a exemplo do Estudo de Componente Indígena porque a PCH irá impactar nas terras indígenas Estivadinho e Figueiras, áreas de ocupação tradicional do povo Haliti Paresi. Além disso, o EIA-Rima não foi publicizado, nem foi realizada audiência pública válida”, explica o revisor do processo e conselheiro Herman Oliveira.
“O que ensejou o EIA-Rima foi principalmente a proximidade com a terra indígena. Todo licenciamento ambiental deve ser paralisado caso não haja os Estudos de Componente Indígena e de arqueologia, de acordo com a legislação do Conama e outras normas. Os órgãos intervenientes Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) devem se manifestar a respeito do processo. Nesse caso, os dois órgãos requisitaram mais informações e não se manifestaram de maneira conclusiva até agora.”
A Terra Indígena (TI) Estivadinho possui cerca de 2 mil hectares e está localizada a 24 km do local projetado para a construção da PCH. Já a Terra Indígena Figueiras mede por volta de 10 mil hectares e está a 4 metros da futura usina. De acordo com a legislação, é necessário realizar o estudo porque o local da PCH está no entorno de terras indígenas. “O empreendedor entregou o Estudo de Componente Indígena e o projeto da linha transmissão Estivadinho-Jauru à Fundação Nacional do Índio (Funai), mas, após análise, os técnicos solicitaram nova versão do ECI porque os documentos não atenderam aos critérios da fundação. Apenas no ECI havia mais de 80 pontos para correção ou complementação”, destaca Herman.
Por meio do Estudo de Componente Indígena, os efeitos da usina nas relações internas das comunidades antes mesmo de sua construção são evidentes. “A partir do momento que os Haliti Paresi tiveram conhecimento da possibilidade de instalação da PCH Estivadinho 3, houve alterações na vida cotidiana das aldeias para a participação em reuniões, gerando expectativas diversas e expressas em conflitos entre as gerações e entre diferentes aldeias do território Paresi (para além das terras indígenas em estudo), portanto, ocasionando impactos nas dinâmicas de tomada de decisão, na organização social, política e econômica dessas famílias.”
Impactos ambientais e no dia a dia de pescadores e comunidades
Além das alterações no modo de viver das comunidades indígenas, a PCH acarretará impactos ambientais que, estarão associados a operação de outros seis empreendimentos (PCH Indiavaí, PCH Salto, PCH Figueirópolis, PCH Ombreiras, PCH Antônio Brennand e UHE Jauru) no mesmo curso d’água, cujas técnicas de engenharia são diferentes, e que inclusive construíram barragem, relata o representante do Instituto Caracol no voto. Além disso, ainda há mais dois empreendimentos previstos na Bacia do Rio Jauru, destacou durante a reunião.
“Um dos impactos mais significativos que ocorrerá com a implantação deste empreendimento é sem dúvida nenhuma, a implantação do canal de adução, com desvio do rio e a redução da vazão de um trecho de aproximadamente 670 metros, com manutenção neste trecho de uma vazão ecológica, que também não foi definida ou proposta neste estudo, pelo menos não foi localizado no texto. Esse impacto permanente e irreversível sobre a fauna e flora neste trecho pode acarretar prejuízos significativos ao ambiente, podendo até extinguir espécies endêmicas e outras da microfauna e flora local já adaptadas em ambiente de umidade elevada. A diminuição de vazão neste trecho significa a diminuição de umidade, fato que afeta as espécies que vivem neste ambiente. Esse impacto e as medidas mitigadoras, por exemplo, não foram discutidas e apresentadas neste estudo.”
Além dos seis empreendimentos hidrelétricos que já estão em funcionamento ao longo do Rio Jauru, há outras ameaças aos povos indígenas e moradores da região: o desmatamento nas matas ciliares e cabeceiras e também ao volume de agrotóxico empregado nas lavouras próximas das terras Figueiras e Estivadinho. A qualidade da água é impactada diretamente por essas intervenções, além da disponibilidade de peixes para pesca artesanal e subsistência, e outros usos como para atividades turísticas e de agropecuária.
No relatório, consta um trecho do Estudo de Componente Indígena sobre a relação entre a pulverização de agrotóxicos e a saúde dos indígenas: “Durante o levantamento de campo, para o presente estudo, foram recorrentes as falas dos Haliti Paresi sobre casos de diarreia e doenças de pele nos períodos de maior pulverização aérea. Essas pulverizações são constantes e, geralmente, ultrapassam os limites das fazendas, chegando às aldeias, pela água e ar. Não há entre as plantações e as terras indígenas uma zona/faixa de amortecimento, que ajude a minimizar essa situação.”
Rio Jauru é um dos afluentes do Rio Paraguai
O Rio Jauru nasce na Chapada dos Parecis e corta os municípios de Tangará da Serra, Barra do Bugres, Reserva do Cabaçal, Araputanga, Indiavaí, Jauru, Figueirópolis d’Oeste, São José dos Quatro Marcos, Glória d’ Oeste, Porto Esperidião e Cáceres. Se constitui como um importante afluente do Rio Paraguai e, portanto, compõe a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP) e o Pantanal mato-grossense.
“Um empreendimento a ser construído em um curso d’água não possui seu impacto estático e exclusivo no ponto da obra de engenharia. Seu impacto ambiental e social se estende ao longo de toda a extensão do rio, principalmente aos que utilizam sua água e adicionalmente àqueles que são afluentes do curso d’água”, destaca Herman, que também atua como secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad).
“A região da PCH Estivadinho 3 possui uma condição ambiental rara, um ponto de encontro entre os três biomas mato-grossenses Pantanal, Cerrado e Amazônia, a qual deveria possuir um estudo ambiental do meio socioeconômico com maior detalhamento”, finaliza o revisor do processo.
As organizações não governamentais Grupo Arareau e Associação Fé e Vida acompanharam o voto do Instituto Caracol que sugeria o indeferimento da licença prévia.