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Corrupção e crise abrem caminho para China na América Latina

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Foto: Jese Carneiro

Via Diálogo China

A onda de corrupção que varreu a América Latina nos últimos anos, aliada à crise econômica, abriu oportunidade para empresas chinesas, que cobiçavam grandes projetos na região há anos, adotarem posição mais agressiva ao tentar entrar de vez nesses empreendimentos ou até mesmo adquirir o controle de alguns projetos.

“A China tem grande interesse no mundo”, afirma Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC). Na América Latina, os chineses têm interesse em todos os países e investirão US$500 bilhões no subcontinente nos próximos 10 anos, relata Tang, citando dados apresentados pelo presidente da China, Xi Jinping. Esses interesses englobam diversas áreas, que vão desde agricultura e pecuária, o setor de energia e grandes obras de infraestrutura.

Os investidores, porém, apontam seus holofotes para alguns países, principalmente o Brasil, que tem projetos grandiosos em fase de desenvolvimento e que receberão US$20 bilhões dos chineses nos próximos 12 meses, segundo Tang. “O interesse sempre existiu, mas agora é ainda maior porque o Brasil está em liquidação”, ressaltou Tang, fazendo referência a mais profunda recessão econômica vivida pelo país nas últimas décadas.

Perigo ao meio ambiente

Especialistas temem as consequências dessa investida chinesa na região, sobretudo em projetos de infraestrutura, dado que muitas empresas têm má reputação em termos ambientais e de direitos humanos.

“Quando se tem o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) envolvidos há parâmetros e salvaguardas mais rígidos. No caso dos investimentos chineses, a preocupação é grande porque não se sabe quais são os padrões. É uma incógnita”, afirma Ailton Dias dos Santos, consultor do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

Ele pondera que se espera que pelo menos a legislação ambiental de cada país seja respeitada. Porém, num momento em que boa parte da legislação ambiental brasileira está sendo revista, com tendências de liberalização, ele teme as consequências.

“Em termos de governança, não sou otimista. A tendência é de piora na interlocução da sociedade com as empresas que estão tocando esses projetos, diante da tendência de um liberalismo agressivo e inconsequente”, alerta Santos.

Politica

Ricardo Verdum, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), chama a atenção para o componente político nas tomadas de decisões de grandes projetos, que envolvem diversas controvérsias, que vão desde as facilidades de empréstimos até as regras estabelecidas para esses investimentos – que passam por problemas de licenciamento e danos ambientais no curto e médio prazo. Além, é claro, dos efeitos da obra em si, que traz um grande fluxo de trabalhadores para a região, podendo gerar conflitos fundiários, violência e até exploração sexual, se não for feita a devida análise dos impactos.

“Vai depender muito de como os setores de licenciamento e fiscalização vão atuar. Se não houver uma política firme, os riscos são grandes de continuar um processo de degradação até mais acelerado que o atual”, alerta Verdum.

As Câmaras de Comércio da China no Brasil e na Colômbia reconhecem a dificuldade das empresas chinesas para lidar com rigorosas exigências ambientais, mas asseguram que as companhias se munem de assessoria especializada para cumprir todos os quesitos.

China no lugar da Odebrechet

No Brasil, a entrada de empresas chinesas em empreendimentos de infraestrutura era, até recentemente, barrada pelo domínio desse mercado por um seleto grupo de grandes construtoras nacionais, que venciam a maioria das licitações. Esse cenário, contudo, foi colocado em xeque desde a eclosão do maior escândalo de corrupção do país. Batizado de Operação Lava Jato, o esquema envolvia representantes da petroleira estatal Petrobras, uma das maiores do mundo, e de outras empresas estatais, do governo e das principais construtoras do país para fraudar licitações e superfaturar obras.

Mediante o pagamento de propinas para representantes do governo, essas construtoras constituíam uma espécie de “clube” que, em um jogo de cartas marcadas, negociavam antecipadamente qual empresa ganharia as licitações e faziam um revezamento entre elas. O esquema também envolvia acordos para que a vencedora contratasse as perdedoras para a execução das obras.

“O problema é o seguinte: aqui no Brasil, grandes projetos de infraestrutura eram sempre fechados à participação estrangeira, com raras exceções. Porque era tudo controlado pelas empresas envolvidas na Lava Jato. Então, não havia espaço para outras empresas, principalmente estrangeiras, entrarem. Com a derrocada das grandes construtoras brasileiras por causa da Lava Jato, isso está tudo parado”, ressaltou Tang.

Como consequência, a Odebrecht, maior construtora do país, colocou à venda boa parte de seus negócios no Brasil e na América Latina e os chineses têm interesse nesses ativos. Empresas chinesas e outros grupos estão negociando, por exemplo, a participação da Odebrecht na Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, conforme confirmou ao Diálogo Chino a própria construtora por meio de nota.

Segundo matérias veiculadas pela imprensa local, o braço de infraestrutura do grupo chinês HNA está negociando a compra da participação da Odebrecht no consórcio que opera o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), na cidade do Rio de Janeiro, mediante o pagamento de cerca de US$1.3 bilhões pelas outorgas. Esses são apenas alguns projetos.

Tang confirma o interesse geral das empresas chinesas para arrematar participações da Odebrecht em vários empreendimentos. “Mas só depois da leniência (acordo em que a construtora se comprometeu a auxiliar nas investigações em troca de redução de sua pena). Ninguém vai comprar nada de uma empresa envolvida na Lava Jato sem leniência”, ressaltou Tang, referindo-se à homologação do acordo de leniência da Odebrecht com diversos órgãos oficiais de controle.

Lava jato fora do Brasil

Movimento semelhante foi deflagrado em outros países da América Latina onde, também por meio de delação, a Odebrecht confessou ter obtido participação em projetos mediante o pagamento de propina para os governos da Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Panamá, Peru e Venezuela.

No Peru, a China National Petroleum Corp. (CNPC) está na disputa para adquirir a compra da participação majoritária da Odebrecht no projeto Gasoduto Sul Peruano. Na Colômbia, a Power China negocia a aquisição da construtora no projeto de navegabilidade do Rio Magdalena por meio de sua subsidiária Sinohydro, segundo a mídia local.

Há 70 empresas chinesas na Colômbia, afirma Jaime Suárez, diretor executivo da Câmara de Comércio e Investimento Colômbia-China. Ele diz não ter informações sobre as negociações do projeto do Rio Magdalena, mas ressalta que o fechamento desse negócio pode representar um grande avanço.

“Tem aumentado o interesse da China pela Colômbia, apesar da sua forte relação com a Venezuela. Se a Power China conseguir entrar nesse projeto, a China teria a vantagem de ter maior presença de suas empresas na Colômbia. Elas têm conhecimento, capital e tecnologia”, afirma Suárez.

A estratégia de investimento chinês na América Latina é diversificada, podendo simplesmente financiar o empreendimento, atuar como fornecedor de equipamentos e serviços, adquirir participação acionária ou até mesmo a tomada do controle do projeto, que é o principal foco das negociações no âmbito da Lava Jato, segundo Tang.

As razões que levam os chineses a avançar sobre o território latino também são diversificadas: necessidade de exportar o excedente de capacidade, geopolítica internacional e afirmação de seu poderio como o novo líder global.

Assim como no Brasil, a compra de participações da Odebrecht em outros países também depende da homologação dos respectivos acordos de leniência. “Há interesse, mas ninguém vai comprar nada enquanto não estiver totalmente legal outra vez”, ressalta Tang.

Os interesses chineses, contudo, extrapolam as participações da Odebrecht. A Zhejiang Electric Power Construction Co. (ZEPC), por exemplo, está prestes a fechar um acordo para entrar na usina de Belo Monte, que pode culminar na tomada de controle do empreendimento, mediante um aporte de US$10 bilhões, uma fonte que acompanha as negociações revelou ao Diálogo Chino.

As negociações estão sendo lideradas pela Eletrobras, mas outros acionistas, como Cemig, Neonergia e fundos de pensão também estão interessadas em se desfazer do ativo, segundo a fonte. Nesse caso específico, o interesse da empresa é a aquisição do controle sem envolver-se com a parte operacional e ambiental, pelo menos por enquanto. A State Grid e a China Three Gorges também estariam no páreo.

A China National Nuclear Corporation (CNCC), por sua vez, está interessada nos projetos das usinas nucleares brasileiras de Angra 3 e Angra 4, e a Shanghai Electric está negociando com a Eletrosul, subsidiária da Eletrobras, concessões para a construção de linhas de transmissão de energia na região sul do país.

Tang afirmou desconhecer as negociações da ZEPC envolvendo Belo Monte. A maioria das negociações chinesas, aliás, é realizada com a maior discrição.

“Ainda está para acontecer muita coisa. Nós estamos vendo talvez o início dos investimentos chineses no Brasil”, profetizou Tang.

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